Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

Creche

Minha casa virou uma creche. 


Puxo um terceiro colchão para o meu quarto, ouvindo Faria falar no telefone ao longe enquanto o som do chuveiro ecoa na casa. Ponho-o entre os dois colchões no chão e suspiro, aliviada por meu tio não ter aparecido aqui.


Como eu explicaria a presença de um careca cheio de cicatrizes? Aliás, que vai dormir perto de mim e de Faria! Na boassa, Né iria me matar. Respiro muito fundo, fazendo o possível para não ouvir a conversa de minha amiga, do lado de fora da casa.


Na caminha dela, do lado da mesa onde costumo jantar, Bruta olha para mim preocupada. Seu pelo branco brilha com a luz, de alguma forma fazendo seus olhos castanhos reluzir. Rio da cama que improvisei para ela, uma caixa de frango laranja.  


Ai Maria, só você mesmo. Entro para o quarto e termino de ajeitar o colchão de Ângelo, pegando o último travesseiro no guarda-roupa. Coloco-o ali e, estreito os olhos, vendo o quão perto de Faria ele vai dormir.


Melhor não. Penso em uma forma de afastá-lo e, uso meu dom. Morro de medo de acabar vendo uma cena que jamais esquecerei. Porém, apenas vejo os dois sentados no terreiro da casa, um do lado do outro, com as mãos dadas.


O cansaço me alerta sobre a pouca energia sobrando. Porém forço uma outra visão e, vejo os dois dormindo juntos. Arrepio dos pés a cabeça, analisando a cena. Ambos de roupas, apenas dividindo o mesmo colchão. Estalo um dos dedos, criando uma terceira visão por garantia e, vejo os dois acordando, trocando olhares antes de desviarem a atenção, envergonhados. Eles levantam e me vejo na cozinha, fazendo um café da manhã. Certo, sem tcherere na minha casa, perfeito.


Ouço Faria se aproximar e desisto da ideia de trocar de lugar. Apenas ponho uma coberta no colchão dele, apesar de saber que ele vai pular para as cobertas dela, e olho para a TV, lembrando do video-game. AH! É AGORA QUE EU MONTO ESSA JOÇA!


Procuro-o em meio aos entulhos espalhados na terceira gaveta do guarda-roupa e puxo-o, sorrindo feito uma criança. Coloco ele na estante embaixo da TV e minha amiga entra no quarto, suspirando.


–Um dos guardas foi morto. –Ela cospe as palavras e faço uma careta. É, é horrível saber disso. Principalmente quando você é uma das "protegidas" e, bem, quase morreu também. Movo os cabos e olho-a de relance.


–Conhecia ele? –Pergunto e a resposta vem em um pequeno movimento da cabeça, uma negação. 


–Apenas ouvi falar. Ninguém gostava muito dele, contudo… Ninguém deseja isso. –É, faz sentido. Arrumos os cabos e ligo-os ao video-game, tirando a poeira dele em pequenos tapas.


–Você, sabe quem era aquela mulher? –Pergunto e a surpresa domina-a.


–Era uma mulher? Espera, como você sabe disso? –Arqueio as sobrancelhas, Faria não sabia? –Nem me olhe assim! Ela estava usando uma roupa especial de aura para não ser detectada!


–Roupa especial? Aquilo quebrou em um único golpe do seu homem ali. –Digo apontando na direção do banheiro e ela envermelha, ficando idêntica a uma pimenta.


–Primeiro, ele não é meu homem. Segundo, Ângelo é um dos novatos mais fortes dos Palmares. Tirando eu e a Keila, qualquer pessoa seria nocauteada em um único ataque. –Ah, faz sentido. Volto a atenção para o notebook, pensando em como explico a situação. –Espera, como você viu ela para início de conversa? O dom dela era invisibilidade!


–Não sei explicar. Pelo meu dom, conseguia vê-la perfeitamente. E, quando quis saber quem era aquela pessoa que estava te atacando, vi o rosto por debaixo da máscara. –Faria fica ainda mais incrédula, notando que eu vi o combate deles. Dou de ombros, sem saber mesmo o que falar ou pensar. –Sinceramente, nem sei de onde tirei forças para lutar. Estava exausta, a energia que usei foi produzida praticamente na hora. É, deve ser por isso que estou varada de fome.


–Você, você consegue ver através de qualquer coisa? –Ela pergunta com a boca levemente aberta, completamente em choque. Estreito os olhos e, de alguma forma ativando parcialmente do meu dom, retorno a atenção para o console.


–Rosa. –Respondo,  deixando-a momentaneamente travada e, entendendo sobre o que estou falando, tampa o rosto com a mão, morrendo de vergonha. –Mas vamos esquecer isso e tentar relaxar um pouco? Isso! Funcionou!


A TV mostra a tela de entrada do video-game, com alguns jogos instalados e saio pulando de alegria, deu certo! Pego as quatro manetes já separadas na estante e ligo todas, conferindo se as pilhas ainda funcionam. Elas parecem estar funcionando, o botão vermelho no centro liga e passo o dedo pelo material preto, sentindo um pouco de nostalgia.


–Bem, pode escolher o jogo. Vou comer algo, quer alguma coisa? –Pergunto indo para a porta, Faria nega e desencosta da parede, abrindo caminho e passo, indo para a cozinha. Ouço a porta do banheiro abrir e Ângelo caminhar para o quarto.


Nem quero saber se ele está usando as mesmas roupas ou se está de toalha, apenas abro a geladeira e pego o que restou do almoço. Feijão, arroz, batata-doce e três pedaços de carne. Ah, um pra cada. Separo tres pratinhos com as comidas e, ouço uma batida vindo do quarto.


–EU PRECISO MESMO IR AI? –Berro do outro lado da casa, sem a menor vontade de realmente ir lá. 


–DESCULPA! EU TROPECEI! –Faria berra, envergonhada, e finjo que acredito. Ligo o micro-ondas, esquentando prato por prato. Cruzo os braços, pensando um pouco nesse longo dia. Eu fui salvar o rabo de Faria, descobri meus poderes, quase morri pela aquela advogada, treinei minha energia, conversei com Luan, achei que Ângelo mataria minha amiga e depois quase morri por causa da assassina. Lutei contra ela, de alguma forma ganhei e agora estou aqui.

Céus, vou enlouquecer.


O terceiro prato é esquentado e, quando abro, penso em como vou levar os três. Faço uma careta, não havia pensado nisso. Ah, levo dois e depois busco o meu. Pego os outros dois, de Ângelo e Faria, ando para o corredor e cesso os passos.


Espera, tive uma ideia. Retorno a atenção para o prato, lembrando de minha amiga manipulando sua energia para rebater as agulhas junto aos pedaços de terra. Confiro se a quantidade de aura sobrando é o suficiente e, aproximando do meu prato, chegou à mão com o prato perto dele.


Bem devagar, expando o vermelho até as pontas dos dedos e faço-o segurar o vidro quente por baixo. Assusto, sentindo o calor pela força e levanto o prato, incrivelmente, consigo levantá-lo.


Sorrio feito uma criança. Eu consegui! Caminho com cuidado pelo corredor, pronta para minimizar qualquer queda. Porém, ando tranquilamente e entro no quarto, colocando os três pratos sobre a estante enquanto observo os dois de relance, sentados um do lado do outro, olhando para a TV.


–Maria… Não precisava. –Faria murmura descendo a manete até o colchão. Dou uma olhada para Ângelo, vestindo uma camisa dela e a mesma calça surrada. Deve estar cheio de cicatrizes ali embaixo, é melhor assim. Nem digo nada, apenas entrego os pratos já com os talheres e sento na minha cama, comendo também ao olhar para os jogos.


–Qual jogo vai ser? –Pergunto, ignorando a fala da minha amiga. Ângelo parece ficar com receio de aceitar, claramente sem graça. Mas, ao ver Faria suspirar e dar uma garfada no feijão, ele decide comer um pouco. E, depois acelera as garfadas, claramente faminto.


Ela abre a boca para xingá-lo e estalo o dedo, chamando a sua atenção. Trocamos olhares e nego com a cabeça, sinalizando que está tudo bem. Esse cara deve estar sem comer a um tempão, deixe-o quieto. Inclusive, a atenção dele nem é desviada pelo barulho. 


–Certo, então vamos jogar… VOCÊ AINDA TEM O JOGO DOS BLOCOS!? –Faria exclama e até assusta Ângelo, arregalando os olhos ao olhar para a TV.


–O de quem encaixar mais em pouco tempo e dos outros modos? Sim, tenho. –Respondo e ela me olha sorrindo de canto a canto, propondo um desafio. Rio, pedindo uma manete. –Passa pra mãe, vou amassar você.


–Quero ver tentar. –A resposta dela reacende o meu antigo desejo de vencer no nosso joguinho de infância. Ângelo pega um dos controles e me entrega. Agradeço e ligo-o, já vendo-a entrar no jogo. –Depois te ensinamos Lu, primeiro as chefas vão jogar.


–Tão tá. –Ele diz, sem se importar com o apelido e dou uma analisada em ambos, um do ladinho do outro, tão a vontades que chega a ser intuitivo. É, se não fosse essas cicatrizes expostas e a careca, até shipparia. Ah, shippo sim, não nego.


Ela inicia uma partida e até ponho o prato de lado, pronta para surrá-la no nosso joguinho preferido.


***


Como? Onde, onde eu estou? 


Tudo está preto. Movo um pouco os dedos, sentindo algo estranho na minha mão esquerda e no meu pescoço, que foi mordido. Ah, droga! Eu morri!? Vou ir para o purgatório!? Estremeço, qual é! Eu, eu não fui uma pessoa ruim! Mas, mas será que eu… Eu realmente não fui? 


A luz adentra na minha visão e temo por realmente ter morrido. A imagem de uma lampada é formada e, reconheço-a. É a da minha casa. Grunho, sentindo muita dor e cuidadosamente ajeito a postura, notando que estou em uma cama.


Espera, essa é a minha cama. Esfrego o rosto, suspirando aliviado. Ufa, ainda não morri. Ouço um barulho e travo, ouvindo-o outra vez, muito perto.

O som é, é de… um garfo acertando um prato?


–Cara, você é muito fraco. –Uma voz feminina me aborda e somente não salto para longe porque estou sem forças. Custo a mexer a cabeça, voltando a atenção para o lado, onde aquela mulher come algo em um prato de vidro. Dando garfadas no que parece ser feijão, arroz e carne, ela olha para mim decepcionada. –Sério, eu mal tirei um litro e meio de sangue e você quase entrou em coma. 


Permaneço imovel, raciocinando a situação. Então, eu realmente fui mordido? Ponho a mão no pescoço, sentindo duas marcas na minha carne, definitivamente de caninos. Ah, droga. Olho-a mais uma vez, vestindo uma das minhas roupas ao comer tranquilamente. Eu ajudei uma vampira?


Minha larga camisa azul parece ter ficado apertado nela. Os fortes braços dela fazem ondulações pelo tecido, seus ombros empurram-no e consigo ver parte da queimadura nela. Ao menos aquela parte não está mais exposta. Dou uma olhadinha nela, relativamente pequena. 


–Você… É uma vampira? –Pergunto e arranco uma risada da suposta vampira, quase engasgando. Sua pele marrom está vibrante, longe daquela cor pálida. Seus cabelos encaracolados foram totalmente soltos e limpos, passando dos ombros ao caírem neles, escuros no começo. Mas, ao seguirem até a ponta, ficam mais claros. Nunca vi ninguém assim. E o estranho é que não parece ser tinta.


–Não, não sou. Mas, tenho um poder similar. –Ela diz acabando de comer, colocando o prato vazio sobre a mesinha onde fica meu computador. Saindo da cadeira ao subir na cama, assusto com seu tamanho. Essa mulher deve ser uns dez centímetros maior que eu! Além de realmente pesar uns oitenta quilos! Cruzando as pernas, olho para os enormes músculos por baixo da minha calça anil, que em mim é larga. Porém, nela, é muito justa. Credo, há quantos milênios essa vampira faz academia? –E, preciso perguntar. Por que me ajudou?


–Você estava morrendo! –Exclamo incrédulo. –Era por isso! 


A mulher não se move, analisando minhas palavras. Só me falta ela também ter um poder de detectar mentiras! Apesar de ser verdade! Ajeito a postura, ficando de frente ao sentir meu corpo doer. Porém, há um calor na minha mão. Olho-a, onde um pequeno brilho amarelo surge da pele morena. O que, o que é isso? E, por que tenho a opressão de uma luz branca estar no meu pescoço?


–Inacreditável, é verdade. –A mulher diz negando com a cabeça. Abro a boca e engulo um xingamento, desviando o olhar ao me controlar, ouvindo-a rir. Fecho a cara, virei chacota agora. –Serio, qual era a brilhante ideia? Levar uma mulher cheia de sangue até sua casa e enfia-la no banheiro?


–Pare com isso! –Exclamo, corando. Droga! Realmente ficou estranho! –Eu tentei ajudar! Você viu! Eu vi em algum lugar que banhos gelados ajudam a fechar os ferimentos! Você estava quase morrendo! Não deixaria ninguém daquele jeito! 


Ela permanece imóvel, olhando para mim com seus olhos escuros, extremamente escuros. Porém, as pupilas parecem possuir certa tonalidade branca, o que me confunde. Há algo de errado com essa mulher.


–Você… Realmente só queria ajudar? Surreal. –Fico relativamente preocupado com essa resposta. Por algum acaso, é um dos casos onde a pessoa jamais teve amor materno e paterno? Ai, desenvolveu essa extrema desconfiança em todos? Pela minha cara, a moça deduz meus pensamentos e estreita os olhos. –Por favor, é estranho.


–Claro que é, você me mordeu. –Digo.


–Claro, eu sou uma vampira. –Ela ironiza, pegando o prato ao ir para fora. Espera, o que!?


–Ei! Espera ai! –Digo e, o corpo dela trava. Arregalo os olhos, ouvindo-a suspirar ao retornar o olhar para mim. –É sério?


Outra risada, dessa vez singela. Ela balança a cabeça e põe a mão na barriga, entortando um pouco o corpo enquanto vejo-a por inteira. As costas, pernas e braços, todos extremamente desenvolvidos. Não são enormes. Porém, transmitem uma sensação de força surreal. E o cabelo indo até a cintura, com as pontas brancas, junto aos…


–Não, idiota. Vem, eu te explico. –A mulher diz e me chama em um gesto, retirando meu foco do local. Engulo seco, testando os movimentos da minha perna. Porém, mal consigo move-la. Grunho em raiga, nervoso com o quão fraco eu sou. 


–Foi mal, n… –travo, cesso a fala ao vê-la diante mim. Sou segurado e, uma súbita aproximação dela acontece.

Antes de conseguir pensar, meu pescoço é mordido.

Tremo na base e, antes de ter a chance de reagir, algo é injetado em mim.

No mesmo instante, minhas forças retornam e ela afasta, lambendo os beiços.


–Olha só, até que… é gostoso. –Tenho certeza, tenho certeza que estou vermelho feito uma pimenta. Desvio o olhar. Ouço outra risada e, de alguma forma, consigo descer os pés até o chão. Fico em pé, sem saber como reagir e ela sinaliza para segui-la. Faço isso e ela sai do quarto, indo para a cozinha enquanto passa o dedo pela boca, olhando para mim de relance. –Estou pensando em uma forma de resumir. Me dê uns cinco minutos.


Os dentes dela, vermelhos, brilham e arrepio, concordando. Céus, onde foi que amarrei meu burro?

Paramos na mesa e, para a minha surpresa, vejo-a abrir a torneira, pegar o sabão e lavar o próprio prato. 


Uau, além de vampira também é educada? Surpreendente. De repente, uma dor colossal atravessa meu corpo e grunho, pressionando minha testa. Barriga, coluna, braços e peito ardem, como se algo tivesse queimando e engulo um palavrão. O que é isso!? 


Um toque, a dor desaparece e arregalo os olhos. Diante mim, a mulher faz uma careta. Permaneço imovel, olhando para sua enorme mão fechada no meu ombro, que está quente. Não, há algo quente entrando nele. 


–Não deveria ter feito isso, seu corpo está fraco. –Ela murmura, puxando uma cadeira e sentando. Espera, ter feito o que? Dado aquela mordida? Também acho! Sempre odiei esses fetiches! –Você parece ter entrado em contato com a aura pela primeira vez hoje...


–Aura? –Pergunto surpreso, fazendo-a suspirar.


–Sim, aura. –Ela repete. –É a força que está mudando o mundo e, de brinde, as pessoas. Você é uma delas, inclusive.


–Isso, é ruim? –Pergunto assustado. O semblante dela suaviza, como se estivesse falando com uma criança. 


–Não, é muito bom alias. –Retirando a mão de mim, ela permanece imóvel por alguns segundos, provavelmente esperando alguma reação de dor. Contudo, nada acontece. Uau, melhorou. –Melhorou? Ótimo. Ah, sobre isso, é difícil explicar. Eles vão ficar nervosos, mas devo satisfações. Então…


Uma pausa. A mulher põe a mão no queixo, pensando e me pergunto quem raios são "eles". A atenção dela retorna a mim e uma careta é feita.


–Tipo, há uma energia invadindo o mundo. Essa força está se misturando a energia que já estava aqui. A invasora chama zaton, a que já estava aura. Ambas estão se misturando e uma amplificando a outra. O que antes era extremamente raro, está ficando tão comum que os seres vivos estão a absorvendo. Isso vêm acontecendo há, duzentos anos? Por aí. –Ela define e quase tenho um ataque cardíaco.


–VOCÊ ESTÁ VIVENDO ISSO A DUZENTOS ANOS? –A mulher despenca a rir, cobrindo o rosto e olho-a furioso. –É SÉRIO! SE NÃO, COMO SABE TANTO!?


–Isso é o básico! De onde eu vim é a primeira coisa que falam, para deixar claro a nossa inferioridade. –Ela responde, balançando a outra mão. 


–Espera, de onde você vem? –Pergunto e cada pelo dela arrepia. Olhando para mim entre seus dedos, tenho um péssimo pressentimento. Porém, nada acontece durante uns vinte segundos, de silêncio total.


–Eu… Vim de um laboratório. –A sua voz sai baixa, quase inaudível. Espera, o que? Olho-a abismado, é sério isso? Espero outra risada por eu estar acreditando, porém o seu semblante permanece rígido. –É, pois é, acontece.


Ela suspira, pondo as duas mãos na mesa antes de juntá-las, nada feliz.  


–Você, ficou daquele jeito por causa "deles"? –Pergunto, realmente preocupado. Seus olhos são voltados para mim, o centro relativamente branco escurece e temo pelo pior. 


–Não, fiquei daquele jeito por obedecer uma ordem deles. –Ela responde, abaixando a cabeça. –E eu falhei. Quando voltar lá, eles… Vão fazer atrocidades comigo. 


Seu corpo treme e, pela primeira vez na conversa, vejo o medo no seu olhar.


–Então, pode simplesmente, não voltar? –Pergunto e a surpresa domina-a.


–Está sugerindo que eu me esconda? –Tombo a cabeça e concordo, exatamente isso! –Claro, sequer tenho casa. Quem dirá, um lugar para me esconder.


–Você não tem casa? Como assim? –Pergunto, assustado. Essa mulher mora embaixo da ponte?


–Eu já falei, vim de um laboratório. Eu moro nele. Bem, morava. Agora… Devo ser expulsa. Nah, coisa pior. –A amargura nas palavras dela me deixa abismado. Ela parece notar e ri da minha cara. –Qual foi? Ficou preocupado agora?


–É claro, você acabou de falar que é tratada como um rato de laboratório! –Exclamo e vejo-a suspirar.


–Basicamente, é isso mesmo. Sou uma rata de laboratório. –Ela diz, desviando o olhar. –E quando ratos falham, eles o quebram, eles divertem-se e depois os descartam. 


–Então por que vai voltar!? –Perco o controle e levanto num impulso, imediatamente sentindo a dor retornar. Sento, grunhindo ao segurar minha cabeça. Droga, foi pelo grito!? Outra vez, sinto um toque e o latejo desaparece. Vejo a mulher do meu lado, nada feliz.


–Bem, tenho outra opção? –Ela murmura, olhando para mim com um sorriso falso. –É o que eu mereço também.


–Retire o que disse. –Rujo, os olhos dela arregalam e até eu mesmo fico surpreso com o quão nervoso estou. –Retire o que disse! Ninguém merece algo assim! 


A língua dela é mordida, seu rosto contrai e, desviando o olhar, ouço-a murmurar baixinho: Eu retiro. Respiro fundo, acalmando um pouco e volto a atenção para ela, cabisbaixa.


–Desculpa. –Digo, meio sem graça. –É que, sei lá, não me conformo com isso. Eu te ajudei e, depois de levar uma mordida sua, de levar outra mordida depois, quer que eu fique de braços cruzados enquanto te vejo ir para a merda de um laboratório de novo?


A cor branca retorna a seus olhos, clareando-os conforme sua boca é mexida. Os lábios vermelhos clareiam também e, pensando, a atenção dela retorna a mim. Admito que fico assustado, mas encantado com isso. Essa mulher consegue fazer isso por que veio de um laboratório? Isso, isso é… Incrível.


–Você não sabe quem eu sou, nem o que eu fiz. –Ela fala bem devagar, com os olhos repletos de tristeza.


–Eu não ligo. Eu te ajudei e você poderia ter me matado, mas eu estou aqui. –Respondo firme, ciente da última parte. A mulher respira e suspira, afastando em seguida.


–Acha que eu mataria a única pessoa que me ajudou? –Dou de ombros, isso não sei. –E eu nem poderia te fazer…


A fala dela cessa. Arqueio as sobrancelhas, nossos olhares se encontram e movo um pouco o rosto. Como é a parada?


–Não poderia? –Pergunto, o seu semblante torce e a atenção retorna para a mesa. –Espera, isso tem haver com o que você falou?


Cada pelo dela arrepia e deduzo que sim. Suspiro, um pouco mais aliviado e ela, exatamente o contrário. Ao menos não vou ser morto. Esperai, ela havia falado algo como: Pela minha energia, não vou te fazer mal. E depois disse: Eu faço qualquer coisa! Me sinto tentado a testar, contudo me controlo e volto a atenção para a mulher, com… medo?


Espera, os olhos dela retornam a mim, esperando… pelo pior? Tremo na base. Então, o que ela disse realmente vale? E… Eu estou asusstando-a? 


–Vamos fazer assim, você não me mata, eu não te mato e ficamos numa boa? –Pergunto, esticando a mão na sua direção. –E, você não caminha para a morte. A decisão é sua.


–Como não? Que escolha eu tenho!? –Ela diz se exautando, recusando a apertar minha mão.


–Você tem essa escolha. –Digo, aproximando mais a mão. Os seus olhos retornam para mim, tentando achar algum truque, alguma coisa que vai ferrá-la. Porém, não há nada. –Eu não sei seu nome, não sei seu passado e, sinceramente, não quero saber. O que eu quero é te ajudar. E, além disso, entender o que está acontecendo. Eu posso te ajudar? Falaria seu nome se soubesse. 


A última parte foi desnecessária. E, acabo fazendo-a sorrir, talvez pelo quão idiota isso foi. Acabo esboçando um também. 


–Se, se eu aceitar, onde vou ficar? –Ela pergunta e volto os olhos para trás, especificamente na direção do quarto do meu pai.


–Uai, havia uma cama dela e uma do meu pai. Ela morreu e meu pai… vai estar bebado demais para sentir a falta dela, então eu puxo ela e coloco lá no quarto. –Digo, a mulher rupeia toda e estreita os olhos. –Não use isso como desculpa.


Ela estreita os olhos, claramente querendo fazer exatamente isso. Fico encarando-a, sem saber como consigo e, quando vejo-a levantar a mão, aproximando-a até apertar a minha, um peso gigante parece sair das minhas costas.


–Feito. –Suspiro aliviado. Soltamos nossas mãos e voltamos para as cadeiras. –Ah, alias, não tenho um nome mas, pode me chamar de Reest. Ou de Marinho, Yara...


–Se tenho escolha, irei te chamar de Yara. –Brinco, os olhos dela reviram e eu rio dessa vez. –Bem, sou o Luan. Me chamam de morcego, eh, burro, idiota e… Bem, os que posso falar são esses.


–É… –Yara murmura, surpresa. –Posso, posso te chamar de, An? 


An? Fico uns segundos parado, processando o novo apelido e, quando ela vai voltar atras, sorrio.


–Pode sim, amei esse. –Digo e já levanto, sentindo uma estranha animação dentro de mim. –Certo! Vou pegar seu colchão! Se, se eu puxar a cama ele deve caber entre ela e a parede! Ai você não vai ser vista pelo meu pai!


–Se esse for o seu medo, fique tranquilo. Pode colocar o colchão na frente que não vou ser vista. –Paro no corredor, olhando-a ao arquear as sobrancelhas. Como assim? Ela sorri e, num piscar de olhos, desaparece. O que!? Antes de eu achar que falei com um fantasma esse tempo todo, Marinha aparece de novo, na mesma posição, rindo feito uma louca. –Me desculpa, mas… suas caras são impagáveis!


Estreito os olhos, ficando um pouco envergonhado ao ir para o corredor. Nem tento entender o que aconteceu, apenas pego o colchão enfiado embaixo da cama do meu pai e levanto-o, levando para o quarto.


Sério, que mulher estranha é essa? E, por que estou gostando disso?


***


–Ela falhou. –Uma voz ecoa na sala escura, onde apenas três computadores permanecem abertos, ligados na tomada e apontados em direções diferentes. Cada um possui um dono diferente, sendo usados para dificultar o rastreamento de quem está na chamada.


–Esperado. –Outra voz responde, alterada para não revelar o gênero de seu portador.


–Havia esperanças nessa rata. –A terceira murmura, também com a voz alterada. –Porém, perdi meu tempo.


–Nem tanto, três. –A primeira voz fala, alegre. –Ela mostrou que é possível suportar e desenvolver mais de um dom. Sua derrota para aqueles dois, é explicável. Eles são anomalias, três já sabe disso.


–O um tem razão. –A segunda voz afirma.


–De todo jeito. –O três diz, irritado. –Não crio experimentos para perder. Levarei o dito quando, for puni-la.


–Gratos. –Um e dois falam juntos.


–Para quando a colisão está estimada? -Terceiro pergunta, querendo mudar de assunto.


–Cerca de três anos ou dois anos e seis meses. –O segundo fala. –É o suficiente para nos prepararmos.


–Sim, de acordo. –O primeiro fala.


–Permissão para alertar os outros? –O terceiro pede.


–Confirmada. –Ambos respondem.


–Certo, irei então. Que a colisão pereça. –Três diz, despedindo-se.


–Que a colisão pereça. –Eles repetem em uníssono, saindo da chamada em seguida. E, no mesmo instante, os computadores são destruídos por dentro.


***


Adivinha quem ganhou? Faria ameaça cuspir fogo pela boca de tão furiosa que está. Ângelo tenta de alguma forma acalmá-la. Eu, pelo contrario, jogo gasolina no fogo ao surra-la em outra partida e, antes dela terminar, faço dois G um do lado do outro.


–GG, good game. –Digo sorridente. –Bom jogo, quer outra surra?


O controle é entregue a Ângelo sem uma resposta. O coitado aceita e passa a mão pela careca, relativamente ansioso. Nesse momento, jogo o controle para Faria, que pega-o, e levanto, esticando os braços. 


–Podem jogar um pouco, vou… Assistir minhas novelinhas lá na sala e depois volto. Dura quase uma hora e meia, ou duas, então aproveitem. –Digo e dou uma piscadela, vendo ambos corarem. Sigo para fora do quarto rindo, fechando a porta da sala ao passar. Afinal, longe de mim querer atrapalhar os pombinhos.


A porta é batida e, volto em ré, abrindo-a. Bruta passa por ela, após ter dado umas cabeçadas nela, e fecho-a. Vou para o sofá, sento nele e ela roda no chão, sentando do meu lado. Ligo a TV e espero pacientemente a novela começar, lembrando de quando assistia com meu avô.


Ah, vou ligar para eles mais tarde.


***


Ficamos jogando, um ao lado do outro, sem conseguir falar nada. Encaro a TV, girando os blocos pela manete enquanto Ângelo faz o mesmo, encaixando-os um nos outros ao pegar o jeito. Ele sempre aprende rápido.


De relance, eu olho-o preocupada. Sequer chamo sua atenção, de tão focado que está. Os olhos claros estão vidrados na TV, a boca fina meio-aberta e os dedos a todo vapor, movendo a manete rapidamente. Lembro dele antes, com seu cabelo em estilo militar e um rostinho marcado por algumas espinhas. Agora, a careca dele está recheada de cicatrizes, como se alguém a tivesse aberto inúmeras vezes. Ah, apesar dessa camisa minha ter ficado bonitinha.


Lembro dele saindo do banho e pedindo uma camisa emprestado, morrendo de vergonha. Naquele momento, tapando sua parte de baixo com a toalha, vi o resto das cicatrizes no seu tórax. Barriga, peitoral, ombros e braços, lotados de cortes. Fiquei tão abismada que eu entrei em uma espécie de transe. Só voltei a mim quando notei o que eu estava fazendo, quase tocando na cicatriz em seu pescoço, que eu fiz.


Saindo dos pensamentos, volto a atenção para a TV, vendo que perdi. Arregalo os olhos, é o que!? Ângelo sorri feito uma criança e faço uma careta. Qual é, estou perdendo até para novatos agora!? 


–Quer, quer outra? –Ele pergunta, animado com o joguinho e nego com a cabeça. 


–Não, não consigo. Minha mente tá um caos, nem to conseguindo focar. –Murmuro, pressionando meu rosto com a mão. Mesmo de olhos fechados, vejo a aura dele mudar e seu rosto fazer uma careta. 


–Você, machucou? –Nego, suspirando. Entre os dedos, dou uma olhadinha para Ângelo. Um pequeno sorriso surge no meu rosto. Pelo menos ele está bem. Lembro do desespero no seu rosto enquanto era controlado e arrepio, desviando o olhar. Quero perguntar, mas agora não é a hora. Se para mim foi difícil… –Ei, que isso?


Arqueio as sobrancelhas, vendo-o apontar para minha camisa. Tombo a cabeça e, olhando para o dedo dele, meu nariz é batido quando ele sobe-o devagar. Enrijeço, raciocinando enquanto observo o enorme sorriso surgir nele, só então notando que cai na brincadeira. Forço um sorriso amarelo, ouvindo-o disparar a rir. Balanço a cabeça, cedendo a risada enquanto relaxo. É, esse idiota definitivamente é Ângelo. Ao menos, não o quebraram por completo…


Tenho uma ideia. Enquanto vejo-o rir, ponho a manete na cama e, gradualmente, viro na sua direção. Abro as duas mãos, permanecendo totalmente quieta enquanto ele limpa as lágrimas de risada, notando o silêncio e olhando para mim, tremendo na base.


E, entendendo o que vou fazer, tenta levantar. Porém, sou mais rápida e ajo primeiro, mirando nas costelas dele aplicar uma das minhas técnicas mais mortais: A cosquinha. Ele tomba na cama e tenta se defender, falhando miseravelmente quando contorno seus braços, fazendo-o cair na gargalhada conforme o puxo para perto, imobilizando seus movimentos ao escorá-lo nos meus joelhos.


–FARIA! EU VOU MIJAR! PARA! –Ângelo implora não conseguindo parar de rir e, de repente, dou uma pausa. A sua respiração desacelera, as lágrimas do riso escorrem pela face dele e, voltando a atenção para mim, um sorriso travesso me domina.


Maria só vai voltar daqui a, no mínimo, uma hora ne. Ângelo arrepia, reconhecendo minha expressão maligna e, sem aviso prévio, reinicio a cosquinha ao subir nele, arrancando outra onda de gargalhada dele.


Ele grunhe, contorce e encolhe o corpo, tentando escapar pelo colchão e o puxo. As lágrimas de risada inundam o seu semblante e, sou puxada. Sou batida contra o colchão e, meus braços são imobilizados, ele sobe em cima de mim. 


Quando noto, Ângelo revida a cosquinha e disparo a rir, sem conseguir me mexer ao contorcer na cama. Droga! Eu não achei que ia reagir tão cedo! Grunho, virando-o de uma vez. Ele cai no colchão e segura minhas mãos, impedindo outro ataque e iniciamos uma pequena lutinha, tentando ficar em cima um do outro ou fazer mais cosquinha. 


E, enquanto a pequena batalha continua, uma ótima sensação inunda meu peito. Subo em cima dele, ganhando a disputa e, colocando os joelhos sobre os braços de Ângelo, imobilizo-o totalmente. Não faço cosquinha imediatamente, fico olhando-o de cima, que abre as mãos ao fingir rendição. Rio, balançando a cabeça. 


Bem devagar, retiro os joelhos dele e desço o corpo, assustando-o. Ficando de frente para ele, observo-o por alguns segundos de perto. Sequer me importo com o quão estranho essa posição fica, apenas permaneço quieta, sorrindo.


–Você não tem ideia o quão aliviada eu estou. –Finalmente digo alto, soltando meu corpo ao deitar do lado dele. Ângelo parece não entender e olha para mim de perto, a menos de cinco centímetros. Ele tenta retirar o braço de debaixo de mim e, o seguro. Gradualmente, o puxo até vê-lo completamente, bem menos volumoso que antes. Bem devagar, seguro sua mão, deixando-me levar pelo o que sinto ao pô-la no meu rosto. O toque faz minha alma arrepiar e sinto-o tremer, ficando surpreso. –Eu achei, eu achei que nunca mais ia te ver. 


Engulo uma lágrima, definitivamente não de risada. Abaixo o olhar, sem conseguir manter contato visual e, seus dedos passam pela minha face, acariciando-a. Rupeio feito um gato, sentindo o pequeno carinho conforme sorrio, fechando os olhos.


–Eu também. –Ângelo revela e, abro-os em seguida, vendo-o olhar diretamente para mim. –Mas, vaso ruim não quebra! Aqui estou eu.


Rio um pouquinho, passando o rosto na mão dele ao suspirar, finalmente relaxando um pouco. Ainda bem, ficaria desolada se quebrasse. O silêncio domina o local, deixando as palavras flutuarem no ar enquanto minha respiração desacelera.


O carinho continua e, conforme o cansaço chega junto ao sono, sinto a respiração dele aproximar. Sutilmente, sou puxada e a minha postura torta é ajeitada. Fico de lado, sobre meu braço direito e sequer abro os olhos, sentindo a mão dele no meu ombro, descendo até a cintura ao terminar de ajeitar a nossa postura.


Tento abrir os olhos, por algum motivo gostando. Porém, o sono me domina e consigo vê-lo apenas parcialmente, sorrindo para mim continuar o carinho.


E, adormeço.

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro