Ação
O que eu deveria fazer?
Abaixo as mãos, cessando os contínuos socos no saco de pancadas ao pensar. Eu deveria ir atrás daquela assassina, porém é loucura fazer isso. Naquela hora quando fui atacada de alguma forma consegui reagir a tempo, talvez pela minha experiência em judô ou pela adrenalina, mas e na próxima? Eu vou conseguir lutar contra ela?
Não lembro do rosto dela. A única coisa que recordo com perfeição é do corpo e do cabelo num coque, com partes brancas. Aquela mulher era muito forte, consigo reconhecê-la apenas na forma de andar. Apesar disso, ir atrás dessa assassina não seria perda de tempo? Segundo a própria Julia, agora que ela falhou na missão provavelmente vai ser "descartada" e, por mais macabro, isso significa que ela não tem relevância alguma na tal D.
Estreito os olhos, encarando as luvas vermelhas e desgastadas nas minhas mãos fechadas. Pense Maria, seu dom começa a falhar depois de alguns usos e você precisa escolher a melhor forma de usar eles. Já consegui achar aquele cara no estacionamento, é um começo.
Espera, ela não havia dito dos experimentos? Se, se eu encontrar algum desses laboratórios seria muito mais útil! Eles fazem testes em cachorros, então procurar onde tem muitos cachorros abandonados deve ser a melhor opção. Respiro fundo e suspiro, ativando meu dom para checar a informação.
No saco de pancadas preto, silhuetas são formadas e desfeitas, serpenteando no couro até formarem uma caixa. Ela parece cair e atinge um amontoado de lixo, quicando e caindo ruidosamente no chão, tombando. Espécies de cápsulas vazias saem dela e rolam pelo local, aparentemente um beco.
Tento aumentar a resolução da visão. Me sinto idiota por pensar nisso como um vídeo, apesar de ser muito semelhante. Tento utilizar mais aura e, forçando o dom, a cor da caixa surge. Marrom, é feita de papelão. As sacolas de lixo genéricas pretas também são detalhadas e o beco cheio de mofo fica mais detalhado. Tento olhar ao redor, porém não vejo nada além da escuridão. Aplico outra quantia de aura e, consigo avistar uma escada.
A visão é bruscamente desfeita e um lampejo de dor rasga minha mente. Saio cambaleando e escoro na parede, fazendo uma careta em seguida. É, pelo visto esse é o meu limite. Apesar de ter uns quinhentos becos nessa região, tenho algumas pistas. Precisa ser num beco com aquelas escadas para chegar nos andares dos prédios neles e com toda certeza é numa região afastada, a qualidade estava horrível! Devo ter visto isso a mais de quinze quarteirões!
Caminho até a janela e pego a garrafa de água escorado nela, olhando o enorme M nela após beber um pouco. Pensando um pouco, fico levemente preocupada com Faria e Ângelo. Ambos ficaram naquela, dimensão paralela, para cuidar dos ferimentos dele. Tinha até um hospital lá dentro, chega a ser assustador.
Pare de pensar nisso, ou vai acabar enlouquecendo. Volto os olhos para o saco de pancadas, retomando a posição de luta ao encará-lo e, decido retornar pro treino. Claro, utilizando a aura no meio
Tentando ser um pouco mais ousada, procuro criar meu próprio cultivo de força.
***
Encaro o teto do carro, deitada na parte de trás. O balanço e violentos solavancos me irritam, mas eu preciso aguentar isso por enquanto. Em poucos minutos estarei na cidade onde suspeito haver uma base da D, então me manter escondida assim é o melhor a se fazer.
O motorista está apavorado. Mesmo sem olhar ele e com o banco entre nós, sei exatamente como o rosto dele está pela ação da aura. Sério, com leves expressões de medo junto a seguidos toques no volante. Sempre em sequência, três batidas e uma pausa de cinco segundos. Sequer quero entender o motivo desse velho estar usando boné dentro dum táxi.
Apesar de ter acabado de ver seu rosto, já esqueci de suas características. Suspiro, sem interesse algum em ver como ele é. Seria loucura tentar fazer algo contra os Palmares, é pedir pra entrar em encrenca. Dobro as pernas, olhando para o meu short branco junto a camisa cinza, com um detalhe em vermelho no centro, extremamente similar a um corte.
O povo daqui costuma usar saia, mas eu odeio essa roupa. Por isso, vou assim mesmo. Afinal, não estou indo para um encontro ou uma reunião, estou indo para um massacre.
–Chegamos. –A voz do homem quebra o silêncio e, os solavancos param. Movendo-se no banco, o velho de boné olha para mim ao apoiar nele, com a pele escura mais clara do que antes, provavelmente pálida de medo. –Eu, eu só posso te levar até aqui.
Suspiro e, sem responder, levanto. Meu cabelo vermelho cai em ondulações e movo a cabeça, retirando-os da frente dos meus olhos ao encará-lo. Engolindo seco, ele afasta um pouco e desvia a atenção, ciente dos perigos de encarar essa face bonitinha.
–Certo, valeu. –Pego as botas cinzas com detalhes em branco que deixei embaixo do banco e visto-as sem pressa alguma, enfiando a mão no bolso ao tirar uma nota do lobo dela, estendendo-a na direção dele. –Tome, é um adiantamento.
Os olhos do velho são arregalados, não acreditando naquilo e suspiro, é claro. Os segundos passam, ele não pega a porcaria do dinheiro e, ficando levemente nervosa, vejo-o arrepiar. Aceitando com imenso receio, ele começa a gaguejar e saio do carro.
–Venha me buscar em, três horas. Aproveite e traga alguns galões de água, eles vão precisar. –Digo ao olhar o carro amarelo, velho e desgastados.
–Sim, sim senhora. –Concordando, o velho move o volante e da ré, retornando pela estrada de terra antes de fazer uma baliza quase perfeita, retornando reto de onde vimos. Espero-o sumir totalmente no horizonte, só então volto a atenção para meu destino.
Uma cidadezinha no sertão. Observo as asas ao longe, empoeiradas e feitas de tijolos, sem janelas e com varais na própria rua. O sol atinge-as quase diretamente, sendo parado apenas pelas poucas árvores que conseguem sobreviver nas severas condições do sertão, algumas com apenas galhos e outras loucas cheias de folhas.
Um local miserável, é perfeito. Caminho na direção dela, retirando o anel do meu dedo indicador no movimento dos outros dedos e movo-o feito uma bolinha, analisando a cidade. Num impulso, atravesso a estrada e aterrisso ao lado da casa cheia de tijolos, levantando uma quantia mínima de poeira.
Com o vento contra minha face, utilizo a aura para esconder minha presença e evitar do meu cabelo ficar voando. Criando uma película, consigo ficar totalmente invisível aos olhos dos humanos comuns. Caso olhem para mim verão o cenário do local, no máximo vão ver uma distorção no ar extremamente semelhante a ar quente.
De todo jeito, hora de trabalhar. Caminhando, faço questão de cobrir minhas botas pelo vermelho para não suja-las. Cada pisada no solo seco levanta uma quantia descomunal de poeira, não deve chover aqui a meses.
Passando pelas primeiras casas, vejo a estradinha bifurcar em outras três e, algumas crianças passam correndo, carregando alguma coisa e uma velha corre atrás deles gritando vários palavrões. Uau, menos de um minuto aqui e presenciei um assalto. Continuo andando e as casas ficam mais frequentes, ficando menores e cada vez mais velhas.
Adiante, avisto várias galinhas e dois galos enormes brigando, saltando um contra o outro conforme suas penas vermelhas e pretas são arrancadas. Ambos são parecidos, devem ser pai e filho. Andando mais um pouco, avisto uma garota correr até um amontoado de gramíneas e entrar nela, enroscando as roupas esfarrapadas de couro ao tentar pegar algo. O sujo e relativamente medio cabelo marrom garra nos galhos com espinhos e, esticando o braço, ela puxa algo. Com alguns cortes pela pele parda, observo-a puxar a parte de dentro da estranha planta e alguns ovos sairem rolando de dentro dela.
Uau, por essa não esperava. Pegando-os, a garota de, provavelmente quinze anos, junta todos entre os braço e caminha na direção de alguma coisa. Meus instintos apitam e decido segui-la, ciente de que vou encontrar algo.
Minha intuição nunca me deixou na mão. Seguindo-a, pequenas ondas de aura pelo local parecem reagir a sua presença e, começo a suspeitar dela. Será que é uma despertada? O corpo magro e fraco indica o contrário, deve ser apenas coincidência. Indo para uma casa de pau a pique, ela empurra a porta de madeira com o cutuvelo e entra.
Vou atras, lembrando de algumas roupas e sinto quatro pessoas do lado de dentro da residência junto a uma subita parada da garota, tremendo. Arqueio as sobrancelhas, indo para a porta. Sem olhar atravez dela, somente por garantia de não ser detectada caso um dos quatro seja um despertado, tenho uma noção perfeita de todos ali.
Ignoro as características deles e foco na posição. Um homem com o porte físico relativamente bom observa um, senhor, encarando uma mulher caida no chão com, com uma criança no colo. A aura desenha a forma dela quase perfeitamente, com o sangue escorrendo pela cabeça conforme aperta a criança nos bracos, um garoto com cerca de sete anos.
–Por favor. –Sussurrando, sinto o desespero nas palavras da aparente mãe, escondendo o suposto filho nos braços. –Outra vez não, por favor…
–Isso não é uma escolha! –O homem rosna, aproximando deles em violentos passos até segurar a criança, agarrando-se a mãe totalmente apavorada. –Ele nos dara o triplo da última vez! Conseguiremos comer do bom e do melhor por meses!
–A custo de que!? –Ela grita de volta, chorando enquanto impede do garoto ser puxado, em choque demais para fazer qualquer outra coisa além de segurar a mulher.
–A custo de uma boca inutil! –Ele berra e puxa-o com ainda mais violência, vencendo a força da mulher ao arrancar a criança dos braços. O garoto grita, debate-se feito louco e não consegue escapar do aperto do homem, arrastando-o até a presença da outra pessoa. –Tome, pode levar.
Agora fez sentido. Permaneço imóvel, analisando a forma do estranho comprador. Estando vestindo roupas compridas e uma mascara em formato de V, reconheço a clara marca da queridissima D. Enfiando a mão no bolso, ele retira um bolo de dinheiro com, vinte e três notas amarradas, todas de cinquenta reais.
Ainda fizera com cinquenta pra ficar barato? Incrível. Pegando o dinheiro feito um animal, o homem respira feito um porco conforme cheira-o, não dando a minima para o desespero do garato em frente ao comprador, no qual abre a mão na sua direção e, ele tomba.
Sendo segurado, a criança perde totalmente a consciência e é puxada pela casa. Porém, o homem para de andar, virado na direção da garota na entrada da casa, incredula demais para se mover. Seu corpo treme, mesmo a aura impedindo a minha visão dele consigo ver claramente o semblante dele.
–O dobro na garota. –Ela treme, da dois passos para trás e a mulher parece entrar em pânico, sem forças para sequer falar enquanto o homem arregala os olhos, encarando-a ao pensar. Sinto o medo vindo dela e, da excitação vindo do comprador.
Parando de girar o anel, entro na casa e vejo a garota de costas, com o rosto pardo totalmente tomado pelo desespero enquanto os olhos escuros tremem em pânico, não acreditando no que acabou de ouvir. Sem notar minha presença, as mãos dela quase encostam em mim e desvio sutilmente, voltando a atenção para o homem que sequer me notou.
–Feito. –O homem fala e, assim vejo-a armar um salto para fora, o homem de máscara avança. Saltando, ele atravessa cinco metros num instante e colide contra a garota, segurando-a pelo pescoço antes de bater o corpo dela contra a parede de madeira.
Tendo o pescoço apertado, a dor inunda-a enquanto o homem ri baixinho, pressonando-a contra a parede ao, ativar seu dom. Uma espécie de gás verde parece ser exalado e, as forças da garota parecem se esvair.
Porém, diferente do garoto, ela resiste. O corpo não tomba de primeira, os braços são contraídos e as mãos seguram a do comprador, tentando evitar o estrangulamento. Bem de leve, vejo as partículas de aura no ambiente reagirem e serem unidas, indo de encontro aos dedos da jovem, claramente aumentando a pressão, ficando mais forte.
Apesar disso, não é o suficiente.
–Ainda é uma desertada? Melhor ainda. –A voz dele é acompanhada por outro aperto no pescoço, no qual a faz travar e, trava sua respiração. –Assim é mais divertido.
Lentamente, desfaço a camuflagem conforme vejo a garota tentar respirar loucamente, ficando palida e cedendo ao estranho gás, fazendo-a começar a bambear. Tirando todo o ar dos meus pulmões, a atenção dele e dela retornam a mim. Em seguida, puxo o ar com força.
Todo o gás verde é sugado junto a minha respiração e sinto-o entrar pelas minhas narinas. A aura dele claramente tenta me enfraquecer e, quando acabo de respirar, tendo puxado totalmente todo o gás verde, suspiro na maior tranquilidade.
Tudo o que eu senti, foi uma leve embriaguez. Como se, estivesse acabado de acordar. Voltando a respirar, a jovem é solta e cai no chão de joelhos, colocando ambas as mãos no pescoço enquanto o homem volta a atenção para mim. Mesmo sem vê-lo pela máscara branca em formato de V, tenho certeza dele estar apavorado.
–Quem, quem é você!? –Ele pergunta, claramente não acreditando no quão facil eu suportei o dom. –QUER MORRER!? VOCÊ ESTÁ…
–Interferindo numa compra da D. –Completo a frase dele, lembrando de Maria. Uau, fazer isso é muito bom. Permaneço imovel, deixando bem claro que sei onde estou entrando e, ele enfia a mão na parte lateral da calça, retirando uma pistola.
Sem pensar duas vezes, o homem aponta e atira contra mim.
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