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023

Paloma

Abro a porta de uma vez, e ela está lá, de quatro, gemendo, e ele por trás, com as mãos na cintura dela e os olhos fechados, até abri-los e parar de se mexer e olha pra mim.
Quando percebe que ele parou, Beatriz levanta o rosto e também me vê, mas ela não tem uma expressão de culpa, pelo contrário, ela volta a abaixar o rosto suspirando, como se estivesse chateada por eu ter interrompido essa merda.

Não consigo evitar o nó na garganta. E por mais que eu queira dizer algo, simplesmente não consigo.
Dom e eu ficamos nos encarando, sem dizer nada, por segundos que parecem horas.

Ele deve estar pensando na melhor forma de pedir perdão e continuar como se nada tivesse acontecido. Mas eu, eu só penso em como ele teve coragem. Ela deixou ele com um recém-nascido e sumiu no mundo, eu cuidei dele, amei o Enzo por todos esses anos como se ele tivesse saído de mim. Eu fui melhor mãe do que ele como pai. E ele não pensou duas vezes para transar com ela.

Na minha cabeça, seja qual for o motivo pelo qual ela voltou, ele mandaria ela embora aos chutes, pela merda que ela fez abandonando o filho dele, mas não, mais uma vez ele pensou com a cabeça de baixo.

Mas pra mim já deu. Eu já suportei tudo quanto é merda.
Pela primeira vez depois de muito tempo tive alguma esperança nele, mas ele foi um cuzão mais uma vez.

Paloma: você se supera — digo e sinto uma única lágrima deixar meu olho e descer lentamente pela minha bochecha, mas não me dou o trabalho de limpa-la.

Fico observando ele, saindo de dentro dela e levantando a calça, rio quando vejo que o filho da puta não estava nem usando camisinha. Definitivamente eu não significo nada para ele.

Dom: amor, por favor, deixa eu te explicar, você... — ele para de falar.

Talvez ele esperasse que eu me virasse e fosse embora correndo. Mas eu fico, quero ouvir que merda ele vai falar. Quero ouvir a merda da explicação que ele supostamente tem para o facto de estar fodendo a mulher que de certa forma arruinou nossas vidas.

Paloma: pode explicar — falo me encostando na porta — Vai, explica, eu quero escutar. Preciso ouvir sua explicação para te perdoar mais uma vez.

Dom: me perdoe Paloma, eu te amo.

Para ele parece que a frase "eu te amo" vale mis que tudo. Ele pode fazer a merda que for, porque se depois disser "eu te amo" eu esqueço. Nem sei se ele conhece o real significado dessa merda, ele parece não amar nem a si próprio ou ao próprio filho.
Quando vou reponder, começa uma chuva de tiros.

Dom: merda, estão invadindo — fala pegando a arma dele sobre a mesa.

Dom: por favor Paloma, fica aqui, estão invadindo e tu não pode ficar por aí — fala e vejo Beatriz ajeitando o vestido.

Paloma: quer que eu fique com ela? — pergunto calma.

Dom: tu vem comigo — fala olhando pra ela.

Beatriz: e eu posso ficar por aí enquanto tem um tiroteio pelo morro?

Dom: cala a merda da boca e começa a se mexer, me espera aí do lado de fora que preciso falar com a minha mulher — nego com a cabeça. Ele é um filho da puta mesmo.

Ela obedece e sai, batendo a porta. Eu continuo olhando para ele, talvez ele já tenha uma explicação para mim.

Dom: tu tá estranha? Eu juro que vou explicar essa merda toda depois.

Paloma: estranha — falo rindo sem ânimo.

Dom: olha, Paloma, isso não é nada, eu te.... — não deixo ele terminar.

Paloma: vai lá, os tiros estão ficando mais altos, e eles não podem chegar aqui.

Ele diz "tudo bem", e sai. Sinto nojo desse lugar e não consigo me sentar ou sair de perto da porta. Pego meu celular e mando uma mensagem pro Rafa.

"Tudo bem aí?
Estão invadindo. Dorme com o Enzo por favor. Se ele acordar fala que o Dom e eu estamos no baile."

Ele logo responde.

"Já estava preocupado. Está tudo bem sim.
Tu chegou na boca antes da invasão, graças a Deus.
E aí? O Dom estava com alguma mulher?"

"A gente fala sobre isso depois".

O som dos tiros fica mais e mais alto, parecem fogos de artifício. Mas eles devem estar ainda na entrada do morro. Nunca me acostumo a isso. Mas diferente de todas as vezes, não estou morrendo de medo pelo Dom. Não estou nem com medo por mim mesma.

Queria desejar que uma bala acertasse a cabeça do Dom e ele morresse, mas apesar de tudo, eu amo o Enzo e sei que ele sofreria demais se perdesse o pai. Independentemente das merdas que ele faz, é o pai dele.

•••

Passam quase quinze minutos e os tiros continuam. Ando de um lado para o outro pela salinha. A boca está quase vazia, não é tão arriscado estar aqui, porque é um dos pontos mais altos do morro e se eles chegarem aqui será porque fodeu mesmo.

Enquanto caminho pela salinha, quase no canto, sinto que piso em um chão falso.
Me abaixo e afasto o tapete e depois a tábua de madeira que cobre o buraco que tem no piso, tem uma espécie de bolsa dentro dela.

As batidas do meu coração aceleram.
Olho para a porta e depois para a bolsa. Penso muito antes de abri-la.
E quando abro vejo que ela está cheia de dinheiro. Calculando pelas notas, deve ter cerca de duzentos e cinquenta mil reais aqui.

Não sou uma idiota. Em tantos anos com o Dom, aprendi muito bem como isso tudo funciona. É quase final do mês, e sei que uma vez por mês os chefes do comando vermelho, que é a facção que controla o morro.

Respiro fundo e tiro a bolsa do buraco, deixando ela vazia, coloco a tábua e depois o tapete de volta.

Para levar isso comigo preciso ter uma arma. Não posso sair pelo morro sem uma arma. Procuro nas gavetas desse lugar e encontro uma glock 9mm G19.

A salinha tem uma espécie de porta dos fundos. Com a invasão, com certeza ninguém está do outro lado. É usada para casos de urgência, mas preciso de sorte para achar as chaves.

Dessa vez Dom, eu vou fazer você pagar de verdade!

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