Capítulo 5
"Eu não acredito em milagres.
Acredito na força de Deus agindo em nós."
Deitada em minha cama eu imaginava que poderia fechar os olhos e dormir. Acordar no dia seguinte magrinha. Magra! Não precisava ser muito magra, mas com um corpo normal.
Um milagre.
Por que era tão difícil? Poderia ser mais fácil emagrecer. Não ter vontade de comer devia ser igual ligar e desligar um botão em nós. Tomar uma pílula e servir de alimento igual os astronautas.
Dormir... Isso! Dormir por um mês e ficar somente no soro para hidratar. Devia perder pelo menos uns dez quilos ou mais e já seria tudo de bom.
Apenas um delírio de uma gorda desesperada.
Como não tinha sono, levantei. Fui para o computador. Desenhei duas bonequinhas, uma normal e a outra "grande", tipo eu. Coloquei diálogos em cada uma. Refiz de forma mais dramática o diálogo, tipo o meu e da Paula. Onde ela tentava me animar dizendo que me amava do jeito que eu era: diferente. Fiquei tempo olhando e chorando com as minhas próprias falas. Lembrei da moça que morreu e em tantas pessoas deprimidas e discriminadas que, como eu, naquele instante lambia as suas próprias feridas. Troquei a bonequinha por uma com pele negra.
Coloquei na internet em uma rede social com perfil fake.
Quem sabe chegava às outras pessoas e animava alguém. Um prazer diferente me invadiu a alma. Por um segundo achei que me sentia feliz.
Deitei de novo e dormi dessa vez.
Acordei com uma batida a porta.
— Entre!
Apareceu uma toalhinha branca balançando na abertura da porta.
— Palhaça! Entre!
Paula entrou, sentou em minha cadeira e me estendeu uma xícara de café.
— Desculpe-me por ontem. Briguei com você por causa de uma banana e pior, neste período que você mais precisa de um apoio.
— Deixe de besteira, eu comia por impulso mesmo. Essas coisas que preciso começar a mudar. Descontar minhas frustrações na comida, tipo: comer por compulsão, raiva, depressão e tristeza. Tudo é um bom motivo para mim.
— Mesmo assim, eu fui mal educada, você acabou me tirando do sério e nem deixou eu te falar o que queria.
— Pode falar agora.
— Eu vou fotografar um calendário, ou melhor, vários estilos de calendários, como: crianças, flores, velhos e mulheres... E gordinhas.
— Nem vem! Falei que estaria fora, não disse? — Levantei na mesma hora da cama. — Paula, nem ouse pensar! E muito menos, me incluir nisto.
— Joi, por que não? Olhe para você! É linda! Veja seu rosto, seu cabelo.
— Minha barriga, minha bunda, os culotes, as minhas papadas aqui — Mostrei meu pescoço. — A grossura das minhas coxas, já reparou?
— Mas é isso mesmo! Vamos valorizar cada detalhe e pode confiar na sua prima, nas fotos conseguiremos fazer ângulos que somente vão valorizar suas curvas generosas.
Saí do banheiro, fiquei encostada no batente olhando para ela, depois falei:
— Valorizar curvas ou banhas?
— Joi, é isso que me irrita. Você pode confiar na sua beleza pelo menos uma vez na vida?
— Que beleza, Paula? Onde?
Ela aproximou e pegou no meu queixo.
— Aqui! — Bateu no meu peito. — Aqui dentro!
— E desde quando você sabe fotografar por dentro? É radiografia? Até meus ossos devem ser gordos e grandes.
— Pare com isso, não estou achando graça em nada que está falando.
— Nem eu! Essas coisas são reais. Gordo serve apenas para ser chacota dos outros, motivos de risadas e piadas de mau gosto. Imagina um calendário de gordinha. Quem vai querer colocar em destaque? Borracharia? Oficina mecânica? Seria mais motivo de risadas. Não minha amiga, muito obrigada! Não quero.
— Venha aqui! — Puxou-me para frente do espelho. — Seja verdadeira. O que você está vendo?
— Uma mulher gorda e alta com uma moça magra e linda.
— Mentira! Duas moças lindas, diferentes uma da outra, mas lindas.
— Foi por causa dessa diferença que perdi a vaga do emprego — falei tentando me afastar, mas ela fez-me voltar.
— Não é isso que eu quero que veja. Repare entre nós duas. Cabelos muito parecidos. Olhos praticamente iguais. E nossas bocas? A sua muito mais bonita que a minha. Repare seus dentes? Muito mais alinhados e brancos que o meu. Percebeu que até aqui, você já está ganhando.
— Vou começar a perder no momento que descer.
— Fique quieta!
Sorri.
— Seu sorriso, olha que lindo! Você precisa sorri mais, garota! Quantas pessoas queriam ter a sua altura?
— Pode ser! Mas não a minha largura.
— Mandei ficar quieta! Seus seios têm um tamanho ótimo, não é exagerado. Você não tem excesso de barriga como gosta de dizer. Sua estrutura é larga. Mesmo que perca vinte ou trinta quilos não vai ser uma modelo magrela de passarela. Sua genética não é delicada e pequena. Está me entendendo?
Não respondi. Sabia que, de certa forma, o que ela dizia tinha uma verdade, mas era mais fácil não pensar naquilo e me enganar mais uma vez.
— Obrigada minha prima querida, eu sei que diz essas coisas porque me ama, mas eu não preciso de mais ninguém para me iludir. Eu mesmo faço isso por si só.
— Não é ilusão. É verdade Joi, quando você vai encarar isso? Precisa dar oportunidade para que as pessoas se aproximem de você.
— Paula, eu já tentei, juro para você que tentei. Eu até já me excluí para fazer o outro mais importante. Fazia os trabalhos escolares de grupos, sozinha, para ser a amiga legal, aquela que todos gostassem. Já deixei que fizesse piada comigo e ainda ria, para fingir que não importava com essas atitudes. Pagava as contas em lanchonetes, aliás, eles somente me convidavam para sair quando queriam que eu pagasse a conta. Sobre tentar me socializar você não pode me acusar.
— Sinto muito — resmungou desanimada.
— Acontece que, chega um ponto, você não quer mais, cansa de tudo e de todos. Até que alguém te olha e te dá valor. — Neste ponto, as lágrimas já escorriam pelas minhas fases — Um sorriso bonito e uma gentileza são tudo que você precisa. Então o que você faz? Você se agarra. E qualquer coisa que essa pessoa te pedir você nunca, jamais, em hipótese alguma recusaria ou pensaria em negar... Foi por isso que aconteceu tudo aquilo.
— Não se torture mais.
— É isso que quero fazer você entender, eu tentei e confiei. E todas as vezes que olho para trás, eu sinto muita raiva de tudo que fiz e o que me dispunha a fazer por ter mais um momento de carinho e atenção dele.
Neste instante, eu já chorava copiosamente em seu ombro e recebia o seu carinho em meus cabelos.
— Calma... Chore. Eu não quero que você faça nada. Pode ficar tranquila. Vou te ajudar de outra forma.
— Obrigada, estou bem.
— Posso te fazer uma pergunta? — Olhei para ela. — Responda se quiser.
— Faça!
— Você gosta desse cara ainda?
Desvencilhei-me dela e sentei em minha cama. Fiquei olhando para minhas mãos entrelaçadas pensando como eu me sentia em relação a Alan. Eu realmente não sabia. Não pensava mais nele, ou pelo menos não mais com carinho.
— Não! Pelo menos não penso com o mesmo sentimento. Agora eu tenho raiva dele. Muito diferente de antes.
— Quando você quiser conversar sobre o que aconteceu, pode contar comigo.
— Eu sei, mas não tem nada mais para falar. Tudo que aconteceu é o que você sabe.
— Como ele conquistou sua confiança? Você sempre foi tão desconfiada.
— Não foi assim de uma hora para outra, Paula. Essa história começou devagar e duraram quatro meses. Ele realmente parecia ser meu melhor amigo, alguém que eu pudesse confiar de verdade. Foi um golpe aquele dia. — Ela sentou perto de mim. — Ele foi tão carinhoso em todos os momentos... Não parecia ter nojo de mim como ele me disse depois. Parecia que gostava tanto quanto eu. Por isso, em nenhum segundo poderia imaginar o que viria em seguida.
— Você já pensou que ele realmente pode ter se envolvido com você além dessa aposta besta?
— Claro que pensei. Sonhei. Imaginava que ele poderia vir me procurar e dizer arrependido de tudo que falou, pois se sentia pressionado. Essas coisas... Mas isso nunca aconteceu, pelo contrário, ele sumiu do mapa. Falaram que ele não apareceu também na formatura.
— Isso pode ser um sinal de arrependimento.
— Ou vergonha mesmo, de ter ficado com a gorda do colégio.
— Não sei.
— Mas, agora nada importa. Já passou! Estou superada e desta vez não cairei na cantada de ninguém. Não mesmo!
— Você não pode deixar que isso abale sua vida e as suas próximas relações. Não feche seu coração, afinal outra pessoa, que não tem culpa, pode vir com boas intenções.
— Ah, tá! Boa intenção! Sei!
— Sim. Existe muita gente boa por aí, não podemos tratar o outro em função de como fomos tratadas.
— Bonita a frase, mas na minha vida está sendo difícil alguém não me decepcionar. Geralmente eu não me engano, todos com mera exceção.
— Volta a fazer análise.
— Nem morta. Fiz desde aos 13 anos, estou cansada das mesmas baboseiras.
— Quer minha ajuda?
— Desde que não me venha com fotos para cima de mim, tudo bem.
— E se eu disser que pode ser uma experiência diferente.
— Eu vou dizer, não, do mesmo jeito! Gordo não tira fotos, a não ser do rosto e cortando um pedaço. Ou de longe, atrás de uma árvore para ser mais exata — falei rindo.
— Deixa de besteira! Você sabe que não é assim, tem muitas gordinhas que se gosta e fazem sucesso no teatro e na televisão.
— Claro que tem! Elas são empregadas domésticas ou estão na área de humor fazendo piadas com o próprio corpo. Você já viu uma gorda como protagonista de novela?
— Que tal fazer umas fotos lindas para você mesmas. O seu book.
— Obrigada, mas odeio fotos. Gosto de tirar fotos de bichos e da natureza.
— Ainda vai posar para mim de uma forma que vai tirar essa impressão ruim, pois uma boa fotógrafa faz a diferença.
— Pode ser que faça mesmo, mas não milagres. — Ela me olhou feio. — Quem sabe um dia.
— Venha! Vamos tomar um bom café da manhã. Afinal nada melhor que comer para acabar com a tristeza.
— Ei! Esse é meu pensamento. Ou seja, pensamento de gorda.
— Vamos parar com essas frases feitas? Não existe isso e não vamos colocá-la na nossa vida.
Soltei a mão dela que me puxava e disse mudando de assunto.
— Quero te mostrar uma coisa que fiz no computador.
Sentei a frente do meu notebbok, abri o arquivo e me espantei com os números de visualizações e comentários.
— Meu Deus! Não esperava isso!
— O quê? O que não esperava?
— Veja isso! Eu fiz uma tirinha do nosso diálogo e postei. E veja aqui quantas pessoas acessaram e deixaram suas opiniões. Estou pasma, nunca imaginei essa repercussão.
— Mostra como as pessoas estão carentes e precisando de alguém que as representem.
Olhamos uma para outra, seu sorriso e um leve levar de uma sobrancelha, me deu um frio no estômago.
— Nem vem!
— Você sabe o que estou pensando?
— Não! Mas esse sorriso não pode ser boa coisa, pelo menos para mim.
E a Paula teve um insight e até que gostei.
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Hoje quem está em destaque é além de linda e talentosíssima.
Cláudia...
Ou Claudinha, usa o pseudônimo de Valentina Fernandes em homenagem a única princesa da família, sua sobrinha, a única menina no meio de tantos homens.
Casada há 21 anos, mãe de dois lindos filhos, filha cuidadosa, formada pela UFES em Serviço Social, especialista em Gênero pela UFOP. Trabalha há 13 anos com vítimas de violência e nos últimos dois anos somente com vítimas de violência sexual.
Olá Lindas e lindos...
Obrigada por está aqui comigo.
Um agradecimento especial a Karolynne Alves, a obra das bonequinhas é dela, fez especialmente para esse livro é essa história. Muito obrigada.
KarollynyAlves, segue ela aqui no wattpad, ela também escreve.
Tenho recebido várias mensagens lindas e apoio pela luta da Joíris, sei que ela não está sozinha nesta luta para achar seu espaço. Ela representa: eu, você e sua amiga. Ou seja, todos que são vítima da intolerância por ser diferente.
Já pensou como é difícil tirar as marcas deixadas em nós de uma exclusão ou preconceito?
Beijos e até qualquer hora...
Lena
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