Capítulo 3
"Transformação interior é o recomeço do querer.
E a mudança faz acontecer."
Cheguei com antecedência à frente do prédio onde seria a entrevista. Meu medo de passar por aquela porta voltou dentro de mim. Encarar a recepção e dizer que era a candidata a vaga me deixou trêmula, isto porque eu tinha sonhos recorrentes com pessoas dando risadas e apontando o dedo em minha direção. E hoje essa sensação veio com tudo. Invadiu meu ser completamente, impregnou em mim. Eu sentia a pele úmida. Confesso que odiava essa transpiração excessiva. E se eu não me cuidasse aparecia até bigode de suor.
Lembrei da senhora do ônibus e de sua filha.
Fechei os olhos com força e dei um passo, depois outro e mais um. Respirei fundo e abri a porta de vidro. Entrei numa recepção ampla e muito iluminada. Que horror! Claro que agora eu devia estar com o dobro do meu tamanho. Por que tanta luz? Misericórdia!
— Pois não, posso te ajudar? — perguntou a moça assim que me aproximei do balcão.
— Vim falar com a senhora... — Abri minha agenda. — Senhora Itajacy.
— Aguarde um minuto, seu nome, por favor.
— Joíris Garcia Bonetti.
— Como? — Era sempre assim quando falava meu nome.
— Jo íris Garcia Bonetti, Bonetti com dois t.
— Jo íris, separados?
— Não! Tudo junto.
— Aguarde, por favor.
Será que era tão difícil assim entender meu nome? Olhei para os lados na indecisão do que fazer. Não sabia se iria demorar em me chamar, então fiquei perambulando por perto. Sentar na sala de espera para mim não poderia ser mais torturante. Via-me como um adulto em uma cadeirinha de escola infantil. Ou se tivesse que compartilhar um sofá o meu medo se dividia em dois: sentar e levantar. Sentar porque poderia ser peso demais e quebrar. E levantar pelo mesmo motivo.
A moça olhou para mim e me chamou:
— Pode subir, é o oitavo andar, sala 812. Aguarde até ser camada. — Deu-me um crachá com meu nome.
— Obrigada.
Caminhei até os elevadores, eram dois, números pares e impares. Aguardei o par abrir, as pessoas descerem. Entrei e fiquei mais ao fundo. Tudo ocorreu bem.
Cheguei. Entrei na sala indicada e duas moças esperavam. Cumprimentei e sentei-me. Olhei com o canto dos olhos para as meninas, as duas pareciam ser da minha idade, porém bem diferentes de mim. Uma baixinha, magrinha e pequenininha. A outra era um pouco mais alta e mais gordinha, mas bem mais baixa e muito mais magra que eu.
O que eu estou fazendo? Comparando as duas e as analisando? Tudo o que eu não gostava que fizesse comigo. Ah, mas com certeza elas faziam o mesmo. E eu aprovava isso? Não! Claro que não.
— Olá, tudo bem? Vamos conversar um pouco? — falou um rapaz sorridente me tirando dos meus pensamentos conflitantes.
— Sim — respondemos juntas.
Esperei que elas se levantassem primeiro e começassem a caminhar por onde ele indicava. Então levantei e fui também.
— Nossa! Você é bem alta, hein? — disse ele, pelo menos não falou 'grande'.
— Um pouquinho — respondi passando por ele que me pareceu pequeno demais.
Dentro da sala havia mais duas mulheres que levantaram para nos receber.
— Boa tarde. Eu sou a Itajacy, podem se sentar, por favor. Essa é a Carmem — indicou a outra senhora.
Depois das suas apresentações, elas pediram para que cada uma de nós se apresentasse, falando o nome, idade e mais alguma coisa que achássemos necessário.
As duas moças eram: Lia e Salete. O tom de voz eram super baixo, acho que tinham mais medo que eu. Perceber isso me passou segurança, assim na minha vez eu falei firme e com autoconfiança de uma profissional experiente.
Depois eles fizeram mais perguntas e nós fomos respondendo sempre na mesma ordem: Lia, Salete e eu. A cada pergunta, eu ficava mais confiante, pois percebia que tinha uma vantagem em relações às meninas.
Uma hora depois eles se reuniram fora da sala e voltaram depois de uns vinte minutos.
Pediram para que nós nos levantássemos e ficássemos uma do lado da outra. Acabei me sentindo uma vaca num leilão. Pois, pediram para andar pela sala e depois virar e simular nos três interagindo com o rapaz.
Ficaram, as duas, falando baixo ao fundo da sala, depois com muita delicadeza a senhora Itajacy, começou a falar:
— Gostamos muito de todas vocês, porém temos duas vagas. Como já mencionamos, as que forem selecionadas trabalharão juntas no atendimento ao público e farão tradução simultânea em palestras nos eventos organizados pelo centro de convenções.
Ela falava olhando para todas nós, ficava difícil saber quem seria a dispensada. Mas, no instante que seu olho parou em mim, soube que seria eu.
— Joíris, você tem um ótimo currículo e uma excelente desenvoltura ao falar e explanar suas idéias, nós temos certeza que terá ótimas oportunidades. Mas infelizmente hoje vamos ficar com a Lia e Salete, simplesmente por causa delas terem um perfil mais parecido. Assim fica mais fácil — Devo ter feito uma cara de interrogação, pois ela perguntou em seguida: — Você entendeu?
— Entender, eu entendi, mas não posso concordar simplesmente.
— Por quê? O que não concorda?
— Tudo bem, eu não estou aqui para concordar. Obrigada.
— Querida, — começou a Carmem — não queremos que se sinta desanimada por não ter conseguido a vaga. Encare como mais uma experiência. Neste caso, optamos por não colocarmos pessoas muito diferentes uma da outra, pensando apenas em quem vai trabalhar com elas.
Levantei, peguei minha pasta e a bolsa. Era melhor nem comentar, senão eu seria capaz de matar uma delas.
— Obrigada pela oportunidade.
— Nós que agradecemos a sua presença.
Caminhei para porta com minha cabeça a mil. A imagem da dona Maria e suas palavras martelavam em minha mente. "Fale!" "Grite!" "Faça-se ouvir!"
Saí da sala e parei em frente do elevador.
Parei!
Voltei!
Entrei na sala novamente.
— Posso fazer uma pergunta?
Elas levantaram a cabeça e me olharam espanadas. Creio que achavam que eu já estaria no térreo.
— O que significa funcionários não diferentes? Estão falando da minha aparência?
— Eh... Não... Como assim? Diferentes — a Carmem não sabia o que responder.
— Querida, estávamos dizendo do perfil — respondeu a Itajacy.
— Sim, eu entendi. Esse perfil e este perfil — mostrei meu corpo com a mão e das duas moças.
— Sim! Isso mesmo — afirmou o rapaz entrando na conversa. — Elas não são tão diferentes em relação a você! Era isso que elas queriam dizer.
— Sim. Obrigada por sua honestidade, mas sabia que isto é preconceito?
— Não! Não é! É seleção de pessoas para uma função em um trabalho. Pode nos dar licença, por favor.
— Sim. Mas quero dizer mais uma palavra. O chefe, que não sabe trabalhar com funcionários diferentes entre si não aprende diversidade. E para mim continua sendo preconceito.
Saí de novo e eu voltei.
— Espero que não passem por isto na vida de vocês, pois ainda vão envelhecer, podem vir a engordar ou sofrer algum tipo de limitação.
Fui embora e os deixei calados e as duas moças com os olhos arregalados. Desta vez não voltei mais.
Apertei o botão do elevador e esperei ansiosa. Assim que a porta se abriu as pessoas no seu interior suplicaram com o olhar para eu não entrar, mesmo tendo espaço suficiente. Assim que fiz menção de entrar uma senhora estendeu o braço, disse:
— Vai ultrapassar o peso permitido.
Entrei assim mesmo fingindo não ter escutado. Mas um garoto tentou me barrar.
— Você tem certeza que vai entrar?
— Tenho! Quem tiver com medo que essa "joça" despenque, fique aqui! — falei já dentro do elevador mostrando que não arredaria o pé. — Morrer vai ser o de menos para mim hoje.
As três mulheres com os olhos arregalados e indecisos começaram a sair, ficou apenas o garoto e eu.
— E aí? Vai ficar? — perguntei.
— Vou! — falou com nariz empinado.
— Ótimo! Não queria morrer sozinha mesmo — falei para amedrontá-lo.
Ele ficou do lado oposto ao meu com os olhos fixos em mim, sabia que morria de medo.
— Relaxa! Não vai cair... Eu acho — Começamos a descer.
No quarto andar o elevador parou e entrou um casal. Cumprimentou-nos e ficaram falando baixinho. Já no térreo a porta abriu e eles saíram primeiro enquanto o garoto não se mexia, eu sorri e falei:
— Bum! Não morremos, pode sair.
Apesar de tudo, esse episódio que podia ter me derrubado mais, fez efeito ao contrário. Deixei meu crachá na recepção e saí rindo do prédio. Alguns passos pela calçada eu escuto um grito e volto meu olhar para trás. O garoto vinha correndo. Perguntei-me: — o que foi agora?
— Espere! — disse ao chegar mais perto — Espere um pouco.
— O que foi?
— Quero me desculpar. Fui mal educado com você. Foi mal.
— Tudo bem, desculpado. Era somente isso?
— Sim — Virei para frente e voltei a andar. — Eu também queria ser seguro assim como você.
Voltei meu olhar para ele.
— E não é?
— Não! — Abaixou os olhos — Eu faço de mal para me proteger. E você não recuou. Eu sou um idiota mesmo.
— Como é seu nome?
— Beto, Roberto.
— Roberto, eu estou tão cansada de ser humilhada e deixada no chão que hoje eu pensei: chega! Resolvi não deixar que zombassem de mim. Se não fosse por isso você teria atingindo seu objetivo.
— Mas eu quero me desculpar. Eu também já fui muito humilhado e resolvi mudar da pior forma. Vamos começar de novo? — estendeu a mão para mim — Prazer, Beto.
Desconfiada de ter um choque na mão dele eu fui devagar.
— Prazer, Joíris.
— Joíris. Que nome maneiro. Legal mesmo, diferentão. Quer tomar um sorvete? — Olhei atravessado para ele. — Um café?
— Não! Obrigada. Preciso ir — Comecei a andar e ele andou junto.
— O que vai fazer agora?
— Vou para casa.
— Então por que não aceita meu convite?
Parei, olhei para ele intrigada.
— Qual sua idade?
— Dezoito.
— Corta essa? — Voltei a andar — Nem quinze anos você tem.
— Eu pareço mais novo mesmo, mas tenho sim.
— Deixa-me ver sua identidade — pedi achando graça.
Ele remexeu nos bolsos e depois falou:
— Tudo bem. Dezesseis — Abriu a carteira e me mostrou.
Era isso mesmo, dezesseis anos, mas parecia menos.
— E você?
— Eu tenho dezenove, mas acredita se quiser, não vou mostrar nada.
— E seu telefone?
— O que tem?
— Vai me dar o número?
Dei risada. Porém, uma imagem muito nítida e ácida veio a minha mente. Alan. Aquele garoto que me seduziu e acabou comigo.
Olhei para rua e atravessei para pegar um taxi.
— Está livre? — perguntei já entrando no veículo.
— Ei, Joíris, somente o número — pediu ainda atrás de mim.
Falei para o motorista começar a sair com o carro e em seguida passei o endereço.
Aquelas lembranças não podiam voltar a me atormentar de novo.
🌸🌸🌸
Aonde vamos parar com tanta intolerância?
Um olhar de discriminação fere mais que um corte, uma facada. Machuca a alma que chora e não é consolada.
🌸🌸🌸
Hoje quem nos encanta com sua forma, curvas e beleza é a Sheila Cordeiro, 28 anos, Agente Administrativo.
Obrigada Sheila pela confiança.
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