Capítulo 2
"Recomeçar é começar de novo.
Mudança é fazer diferente de tudo."
Aquela noite eu escrevi em meu caderno.
Passos para mudar minha vida.
1 – Parar de comer "porcaria" por raiva e frustração.
2 – Comer comida saudável.
Na verdade, eu fiz uma lista enorme, mas sabia que não cumpriria nem metade se começasse com tantas mudanças. Por isso, no dia seguinte quando refiz a leitura, risquei mais da metade. Ter coerência entre a vontade e a prática, era o mais importante para não me perder pelo caminho.
Resolvi que eu precisava analisar de novo as opções de empregos. Depois de olhar por horas aqueles sites de empregos e jornais eu não decidi por nada, pois o medo permanecia presente em mim. Abri meu currículo e fiz algumas mudanças. Coloquei no final uma observação que era gorda. Assim não surpreenderia mais ninguém. Entretanto, apaguei antes de mandar na empresa selecionada. Pensei melhor, caso tivesse retorno eu falaria antes de um contato pessoal.
Mandei.
Uma hora da tarde, meu telefone tocou e uma senhora muito simpática queria conversar comigo sobre minhas disponibilidades para uma entrevista. Gelei.
E agora? Falava ou não? Sim! Era preciso para eu não passar por velhos constrangimentos.
— Tenho apenas uma pergunta quanto ao cargo.
— Sim, pode perguntar — respondeu atenciosa.
— Existe alguma restrição dessa vaga, caso a pessoa seja acima do peso, gorda mesmo?
Ela não respondeu de imediato.
— Você está perguntando se a pessoa for gordinha, se ela é apta ao cargo?
— Sim. Pois, sou gorda mesmo.
— Hum... Não. Aqui estamos à procura de uma pessoa com competência e é isso que mostra seu currículo.
— Se for assim.
— Mas, por acaso você tem problema de locomoção, ou algo que o peso te atrapalhe no trabalho.
— Não, senhora. É porque além de gorda sou alta. E já tive alguns problemas com minha aparência.
— Vamos fazer o seguinte. Você venha para a entrevista e conversamos pessoalmente. Isto porque, estamos selecionando ainda.
Percebi que o tom e a conversa mudara um pouco. Aquele entusiasmo e simpatia inicial deixaram de existir.
— Tudo bem.
— Estou vendo aqui agora. Você não mencionou uma rede social.
— Porque não possuo uma.
— Ah, tudo bem. Posso marcar para amanhã à tarde?
— Sim.
— Está marcado às quatorze horas, o local é o que se encontra no site, caso você não possa vir, avisa-nos com duas horas de antecedência, por favor.
— Combinado. Obrigada.
Assim que ela desligou, eu tive um mau pressentimento, mas precisava ir e conferir.
Abri meu endereço eletrônico, e havia recebido alguns e-mails, um deles, uma pessoa pediu orçamento para traduzir para o inglês um artigo. Eu tinha feito um cadastro em uma agência com meu perfil de trabalho. Verifiquei o conteúdo e devolvi com o valor. Na mesma hora ela ligou e fechamos três deles.
Passei o dia trabalhando nisto, a noite tinha tudo pronto. Pensei em enviar, mas achei prudente deixar para o dia seguinte. Talvez ela pensasse que meu trabalho foi mole demais. Afinal, nem conferi minha conta corrente, onde ela depositaria metade do combinado.
Paula veio em casa tomar um banho e saiu novamente para uma sessão de fotos, iria cobrir uma exposição de artes. Convidou-me para ir. Disse a ela que não haveria a menor possibilidade que eu saísse de casa, nem sob tortura chinesa. Ainda bem que podia me esconder atrás desse trabalho, isto porque ela não sabia que já se encontrava pronto.
À noite entrei na internet para jogar online com alguns garotos, eles achavam que eu era um menino, — Joy — Quem imaginaria que era Joíris? Ninguém! E eu, sempre os derrotava. Uma garotada de uns 14 ou 15 anos, talvez.
No dia seguinte, como era de imaginar acordei tarde, pois fiquei na internet até não sei que horas. Tomei um banho e resolvi que almoçaria antes da minha próxima entrevista de emprego. Não conhecia bem a cidade e muito menos o local da empresa. Esqueci de perguntar para Paula no dia anterior e pela manhã não a encontrei. Precisaria sair com bastante antecedência.
Primeira barreira.
O ponto de ônibus.
Odiava os olhares a mim quando chegava aos locais públicos. Nunca conseguia passar despercebida.
Entrei no ônibus, mas resolvi ficar em pé, mesmo tendo lugar para eu sentar, isto porque é muito constrangedor dividir o acento com alguém.
Uma senhorinha olhou para mim e fez um sinal com a mão para eu aproximar, em seguida, se ajeitou na cadeira e me ofereceu espaço para sentar do seu lado. Para evitar os olhares eu cheguei perto, então ela falou:
— Minha filha era gordinha assim como você e nunca aceitava sentar com ninguém, apenas comigo. E pode me apertar aqui, sou acostumada — Sorriu afetuosa. —, assim mato saudades de minha menina.
— Ela não mora mais aqui? — perguntei, somente por educação.
Ela olhou para as mãos enlaçadas uma na outra e depois para mim, respondeu:
— Ela partiu há um ano — falou triste.
Partiu! O que ela queria dizer? Morreu? Ou foi para longe? Não perguntei nada. Nestas horas, é melhor ficar calada a falar besteira.
— Ela odiava seu peso, fez de tudo para emagrecer. Tomou muitos remédios, mas um dia... — parou de falar e ficou quieta. — Ela não aguentou.
O que eu poderia falar? Sinto muito, mas ainda tinha dúvidas se a mulher tinha se matado.
— Ela era muito depressiva, sabe? — Fiz sim com a cabeça. — Nós tentamos ajudar, mas a sua dor era muito grande. Tudo muito difícil... Ela preferiu o caminho mais fácil para apagar a dor. Foi essa a frase que ela me deixou.
— Eu sinto muito — foi o que consegui dizer. — Sei como é difícil.
— Minha filha, eu posso te dizer uma coisa? — Balancei a cabeça que sim. — Nunca deixem que as outras pessoas pisem em você. Se falarem alto, responda mais alto ainda. Se te difamarem ou criticarem por causa da sua aparecia e de seu peso, mostre o que você tem de melhor, mas nunca, nunca mesmo deixe de gostar de você em primeiro lugar. Hoje vejo que foi isso que faltou na minha íris.
— Íris?
— Sim, minha filha chamava Íris.
— O meu nome é Joíris, junção de dois nomes. Meu pai Jorge e minha mãe Íris.
— Então você nunca mais vai esquecer a minha menina.
Concordei e respirei fundo pensando nesta moça. Olhei para fora do ônibus e tentei me localizar. Não poderia perder o ponto onde deveria descer.
— Sabe senhora, eu já passei por muitas situações ruins por causa da minha altura e do meu peso. Mas em nenhuma ocasião eu pensei em tirar minha vida. Ficar sem sair de casa e ter uma vida social, sim, mas sei lá, acho que sou covarde até para isso.
— Que nada! Isto mostra que você tem é muita coragem. Vou te falar mais, não é somente você e minha Íris. Hoje existem muitas pessoas sofrendo caladas sem força e vontade de gritar. Mostrar que elas existem e querem fazer parte da sociedade. É um mundo cruel para quem é diferente. As leis punem o racismo, mas esquecem que o preconceito é muito mais amplo. Gordos, deficientes, velhos e tudo que saem do padrão normal.
Fiquei petrificada com as palavras daquela senhora. Nem minha psicóloga com tantas frases de efeitos e palavras de apoio, tinha me feito pensar e ter aquele sentimento ainda. Meu coração ficou apertado no peito, e pela primeira vez me sentia pequena diante daquela grande senhora pequenina em estatura.
Olhei de novo onde estávamos e percebi que aproximava onde deveria descer.
— Muito obrigada pelas palavras. Gostei muito de conhecê-la...
— Maria, — Ela sorriu. — Maria dos Anjos.
Fixei meu olhar em seus olhos meigos e simples. Uma cor de castanho normal, mas com um brilho onde misturava tristeza com sabedoria.
Tive meu segundo insight.
Precisava fazer algo por mim e por outras pessoas.
******
E você já se sentiu excluída por algum motivo? É péssimo não é mesmo? Quer contar para nós? Entre no nosso grupo História de vida.
Votem, cometem... Quero saber o que estão achando dessa história. Joiris é uma ficção, porém a cada dia eu conheço mais Joiris pela vida...
Hoje vamos apresentar a Elizângela Martins Lopes Brito
Comerciante 40 anos, 21 anos de casada. Mãe de quatro filhos lindos e mora Araguaína, em Tocantins.
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