♪Vibrato
"A arte é a mais bela das mentiras."
— Claude Debussy
♪♪♪
Entrei no café da esquina e pedi o melhor expresso que eles poderiam fazer para acompanhar um belo pedaço de bolo que implorava para ser comido.
Não tinha ninguém lá, o que parecia estranho. Havia me acostumado a ver todos os lugares indisponíveis, e agora apenas o barulho da máquina de café que ecoava.
Enquanto esperava minha dose de cafeína chegar, observei que a garota que o preparava era a mesma que conversara com Edward um tempo atrás.
— Boa tarde! — a cumprimentei quando trouxe meu pedido. — Como está?
Ela demorou alguns segundos para responder, sua expressão foi um pouco engraçada também, parecia incrédula.
— Estou bem — disse vagamente. Depois de uma resposta dessas pensei que a barista apenas voltaria para perto das máquinas e me ignoraria. — Você é a Lyra não é?
— Como sabe meu nome? — perguntei perplexa.
— Bem... é... — ela começou a se embolar toda. — Talvez eu tenha ouvido a conversa que você teve com o Edward...? — a encarei, tentando me lembrar se falei alguma besteira naquele dia. — Desculpa! Eu sei que a curiosidade matou o gato, mas Edward estava criando um diálogo bem ácido e aquilo me incomodou, fiquei com medo do que ele poderia lhe dizer... Esse homem tem que aprender a pensar antes de falar!
Soltei uma risada contida, ela tinha um jeito de falar que me entretinha. Era divertida.
— Naquele dia eu pensei a mesma coisa, mas agora acho que ele está certo. Mesmo que me machuque a alma assumir isso — suspirei.
— Meu Deus! Como eu sou idiota! Eu me chamo Frida, na verdade este é o meu segundo nome, o primeiro é Marta, mas não gosto muito dele.
— É um prazer Frida, e devo dizer que você faz um ótimo café! Algo muito importante para se manter uma amizade! — ela começou a rir e se sentou em um banco a minha frente. — Você conhece Edward, não é? Poderia me dizer um pouco mais sobre ele?
— Não me diga que está interessada no escritor...? — ela fez uma expressão idêntica a de Ara quando maliciava algo.
— Não estou interessada no sentido romântico, Frida — terminei meu café. — Mas ele me deixou intrigada sobre alguns assuntos...
— Então me diga: o que quer saber?
— O motivo do ódio pelos músicos.
Frida demorou alguns momentos para responder, seus olhos vidrando o nada.
— Eu acho que você está confundindo as coisas, Lyra... — falou com cautela. — Edward não odeia os músicos, só tem uma opinião mais realista do que a maioria das pessoas — ela deu de ombros e foi atender uma mulher que chegara.
Fiquei em silêncio, encarando minha xícara vazia. Será que Edward estava certo em julgar os músicos como seres tão ruins? Não conseguia acreditar fielmente naquela sua frase. Afinal, se isso fosse uma regra, escritores não passariam de seres iludidos, que sonham com uma realidade impossível.
— Frida, você concorda com o que ele pensa? — perguntei cautelosa, algo em seu tom de voz me fez imaginar que ela teria uma opinião parecida.
— De certa forma... — a barista parecia hesitante. — Eu não detesto os músicos, mas muitos que aparecem por aqui são prepotentes, arrogantes. Acham-se os melhores músicos de todo o universo — suspirou. — É esse o problema — ela deu uma pausa. — Preciso voltar ao trabalho. Foi um prazer conversar contigo, Lyra.
— Adorei nossa conversa também, Frida. Até logo!
Deixei o dinheiro no balcão e sai do café. O céu parecia uma tela sendo preenchida com tons de laranja, rosa e azul. Conseguia imaginar anjos pulando de nuvem em nuvem, colorindo cada uma com uma cor diferente.
O pôr e nascer do sol eram os momentos mais belos de se observar o céu, pois no nascer consegue-se ver o azul calmo surgir, traz uma tranquilidade e faz com que todos pensem: ainda temos tempo antes da lua aparecer. E no pôr do sol podemos ver a noite ganhar força, as estrelas brilharem ao lado da lua.
Acho que todas as coisas tem algo de belo. Só precisamos encontrá-lo.
Segui meu caminho para casa, a noite chegava e os pubs e bares enchiam em uma velocidade absurda. Era como se todos quisessem comemorar o final de semana com uma bela ressaca na manhã seguinte.
Fiquei tentada em parar em um pub que exalava um blues contagiante, meus dedos pulsavam no ritmo da música e meus passos seguiam o andamento.
Acho que é impossível parar um musicista. Afinal, a música está em todo lugar, até os sons mais aleatórios são capazes de produzir algumas batidas interessantes.
Meus pés se fixaram no chão por um tempo, meus olhos encaravam o mesmo local, no fim eu não consegui sair de lá. Era como se tudo naquele pub me chamasse, pedisse para que ficasse um pouco por lá.
Talvez beber um pouco de whisky ou conhaque fosse uma boa ideia. E era merecido um pouco de descanso depois de tantas emoções sentidas em apenas um dia!
Sentei-me próxima ao bar e segundos depois estava com uma taça cheia de conhaque nas mãos. O álcool queimava minha garganta e tirava o frio que sentia.
As conversas ao meu lado eram variadas, algumas muito interessantes e outras muito entediantes, mas qualquer tipo de diálogo me deixava com inveja. Nunca tive problema em ficar sozinha, porém esta noite me incomodava profundamente o isolamento. Sentia falta de ter uma companhia.
Mandei uma mensagem para James, convidando-o para se juntar a mim. E fiquei feliz ao saber que meu irmão nunca recusava uma noite de álcool.
Esperei por cerca de meia hora, tive tempo de terminar outra dose e nenhum sinal do Senhor Conquistador.
Já estava desistindo e quase puxando conversa com um homem rabugento que só sabia reclamar que sua cerveja em estilo belga estava com um gosto terrível.
— Você parece uma solteirona desesperada encarando esse cara — James apareceu ao meu lado com um sorriso brincalhão. — Ele vai achar que está com alface no dente se você não parar — sussurrou.
— James: a pontualidade em pessoa — brinquei. — E não estou encarando ninguém!
— Desculpe pelo atraso, é que aconteceu um problema chamado "Professor Demoníaco" — meu irmão foi para o lado e mostrou Edgar com o polegar.
— Por que ele está aqui?
— Pode perguntar diretamente para mim, senhorita Scherzo. Estou do seu lado — Edgar revirou os olhos. — E respondendo a sua pergunta, eu fui sequestrado pelo seu irmão.
— Sequestro é uma palavra muito forte, eu apenas te encontrei na rua e mudei os seus planos para esta noite de sexta-feira — James fez uma pausa. — E só para constar, você não se diverte há anos! Só fica trancafiado no seu quarto tocando aquela peça ridícula. Comece a viver, Adagietto! Já basta a Lyra, você não precisa se transformar no maníaco do piano!
— E por acaso eu sou a maníaca do piano?! — exclamei. — Como ousas, senhor Hersenen?! Isso é um absurdo!
— É a verdade, querida irmã — ele deu de ombros e pediu um whisky para o barman, seu acompanhante o seguiu.
— Vocês só conhecem esse tipo de bebida, não é possível! Por que não variam?
— Porque whisky é bom e nós gostamos — James falou como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— É uma resposta válida para a senhorita ou precisaremos completá-la? — Edgar sorriu.
— Por favor, mais uma dose! — pedi ao barman enquanto o mesmo trazia as bebidas dos meus acompanhantes.
— Cuidado para não ficar bêbada, maninha!
— Não se preocupe, eu sei me conter — mostrei meu sorriso mais confiante, porém não fui capaz de convencer ninguém. — Não me julguem! Vocês são piores do que eu!
— Talvez, mas nós somos adultos, Lyra. Quando você for mais velha aprenderá os bons e velhos truques de como não ficar de ressaca — James bebeu metade do álcool que tinha em seu copo.
— Não me trate como criança — revirei os olhos.
— Desculpe, senhora — Edgar provocou.
— Sério, por que você tinha que trazê-lo?! Ele é pior aqui do que nas aulas! Pelo menos no Conservatório ele não tenta ser engraçado, apenas cruel.
— Já disse que não sou cruel, apenas sincero e...
— E muito grosseiro também — completei resmungando.
— Bom ponto — comentou James erguendo seu segundo copo de whisky em um cumprimento.
— Você não está em posição de opinar como eu sou no Conservatório, James.
— Claro que estou!
— Você por acaso já assistiu alguma das minhas aulas? — meu irmão não o respondeu. — Foi o que pensei. E convenhamos que a opinião de Lyra não conta muito — ele deu de ombros.
— Me desculpe?! Mas quem é você para dizer que minha opinião não conta?! Você é apenas um...
— Parem de brigar — James revirou os olhos. — Estamos aqui para nos divertimos e ver vocês dois discutindo é bem entediante.
Começamos a conversar sobre coisas banais, meu irmão fazia suas clássicas piadas enquanto bebia cada vez mais whisky. Tinha a impressão que ele havia ingerido uns bons litros de álcool.
Sempre soube que James bebia mais do que o recomendado, mas nunca o vira exagerar daquela maneira. Algo havia acontecido, algo que queria esconder até de si próprio.
Edgar foi embora cerca de uma hora atrás, mas meu irmão e eu continuamos.
— Lyra, o que você acha de comprarmos um ornitorrinco lilás com crina de unicórnio?
— Já passou da hora de ir para casa, não acha? — falei. — Você veio de carro?
— Não quero dormir agora! — ele fazia birra igual uma criança de cinco anos.
— Mas você vai — suspirei cansada.
— Só mais cinco minutinhos então! — James fez a típica cara de cachorro sem dono.
— Não. Vamos agora para casa.
Agarrei seu braço e o levei até a saída do pub. A rua estava repleta de táxis e não foi difícil escolher um para a viagem.
— Qual o endereço, moça? — perguntou o motorista enquanto encarava meu irmão com ares suspeitos. Talvez com medo que ele vomitasse em seu carro? Provavelmente.
Falei qual era o nosso destino e começamos a nos locomover. James falou besteiras durante todo o caminho, algumas que consegui compreender e outras que não faziam sentido algum.
A Avenida Ophelin nunca perdia seu brilho. Os prédios gigantescos mantinham a classe e beleza de sempre, infelizmente não tive muito tempo de apreciar o lugar antes de James sair correndo feito louco e me arrastar junto.
Demorei cerca de quinze minutos para conseguir levá-lo até seu apartamento.
Acendi as luzes da sala e senti a mesma sensação de sempre. Aquela organização que sempre invejei. Não havia nada fora do lugar, nem mesmo um fio de cabelo. Totalmente impecável. Queria que minha casa fosse desse jeito.
— Posso assistir TV? — perguntou James se jogando no sofá e pegando o controle da televisão logo em seguida.
— Não, já está tarde — arranquei o objeto de sua mão, ele tentou recuperá-lo, mas sem sucesso.
— Por favor, Lyra! — juntou as mãos, implorando.
— Você é um bêbado insuportável, James! — revirei os olhos. — Como é possível um homem de trinta anos se tornar uma criança tão irritante?!
Fui para o corredor cambaleando, eu deveria ter parado na quarta taça de conhaque. Mas como não o fiz, aqui estou eu, bêbada, cuidando de outro bêbado.
Abri a última porta do corredor e acendi a luz do quarto. Procurei em uma gaveta específica por alguma muda de roupas que havia esquecido meses atrás. Por sorte elas continuavam lá, mas havia outras roupas além das minhas.
— Quando trouxer uma garota aqui, deixe as roupas delas junto com as suas — murmurei.
Sai do quarto e dei de cara com James, que segurava uma garrafa de rum lacrada.
— Chega de beber — tentei agarrar a bebida, mas não consegui.
— Lyra, me deixa quieto — ele revirou os olhos, seu comportamento mudando drasticamente. — Você não deveria sequer estar aqui. Por que não vai embora logo?
— Eu estou aqui para cuidar de você — foi minha vez de revirar os olhos. — Agora me dê a droga dessa garrafa! Não quero que vomite no tapete!
— Eu não vou vomitar, sou muito...
O final da frase ficou perdido junto com o vômito que ele despejara no chão.
— O que você estava dizendo? — ele não respondeu. — Já chega por hoje, James. Tome um banho e vá dormir — suspirei.
Ele me obedeceu e minutos depois já estava deitado na cama.
Limpei a bela sujeira que o anfitrião provocara e fui para o quarto de hóspedes.
Vesti uma camisola antiga e me joguei no colchão.
— Que dia longo...
Acordei com o nascer do sol, sem sono para voltar a dormir. Minha cabeça latejava de dor graças às bebidas de ontem, mas ainda tinha condições de levantar.
Fui até a cozinha e preparei algo para o café da manhã, claro que antes tomei um remédio para amenizar minha dor de cabeça.
Por um milagre, a geladeira não estava vazia e me deu algumas ideias do que cozinhar.
Depois de fazer algumas panquecas e um magnífico chocolate quente, não me atreveria a fazer café, ouvi o barulho de uma porta se abrindo.
James entrou no cômodo com uma belíssima cara de morto-vivo, suas olheiras deixando-o ainda mais pálido.
— Bom dia, Príncipe Adormecido — falei.
— Então é você que estava aqui... — meu irmão parecia aliviado.
— Sim, fui eu. Você não engravidou ninguém, não tem com o que se preocupar.
Ele se sentou e massageou as têmporas.
— Quer um remédio para dor de cabeça?
— Sim, por favor — James me encarou por alguns instantes, confuso.
— Você não se lembra de nada, não é?
— É óbvio. Só espero não ter feito nada estranho ontem...
— Você queria comprar um ornitorrinco lilás com crina de unicórnio, então a resposta é sim.
Ele esboçou um sorriso e levou um pedaço de panqueca para sua boca.
Foi então que a campainha tocou. Olhei para James, que não parecia fazer ideia de quem seria a esta hora.
Caminhei até a entrada do apartamento e abri a porta.
— Que surpresa te ver por aqui, Lyra.
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