♪Valsa Sentimental
"Tive que trabalhar duramente. Quem trabalha assim duramente conseguirá chegar igualmente longe."
— Johann Sebastian Bach
♪♪♪
— Que bobagem, Henri. — Revirei os olhos. — Não estou apaixonada, apenas... curiosa sobre um determinado assunto.
Henrique deu de ombros, não havia aceitado minha resposta, duvidei sequer se havia considerado-a verdade em algum momento, provavelmente não.
— Um dia você não conseguirá mais negar. E falo isso por experiência própria. — Ele se virou na direção de outro cliente e começou a trabalhar.
Paixão...
Um sentimento estranho que surge de repente, sem nenhuma justificativa aceitável.
Um sentimento incapaz de ser negado.
Todas as sensações que se sente quando está apaixonado... Nenhuma delas acontecia quando conversava ou pensava no escritor.
Não estava apaixonada por Edward.
Porém até mesmo para mim esta resposta saia oscilante.
James me disse uma vez que existem paixões diferentes, para pessoas diferentes.
Sempre acreditei nesta frase. Afinal, as pessoas expressam seus sentimentos de formas distintas.
Deixei o dinheiro em cima da bancada e sai do café.
O vento suave e gélido acariciava meu rosto, era quase como um pequeno sussurro, um aviso para me preparar porque dias piores viriam.
Andei pelo caminho de sempre, virei a mesma esquina que virava todos os dias.
Eu realmente tinha uma rotina sem graça, senhorita Barcarola. E talvez estivesse na hora de mudar...
Apenas talvez, ainda não tinha certeza.
Mudar nem sempre é para o melhor, por isso que sempre preferi o cotidiano.
Não teria surpresas ruins... mas também perderia as boas.
Voltei para casa pensativa, refletindo sobre mudanças e rotinas, não cheguei a nenhuma conclusão durante o percurso e deixei de lado esse dilema.
Abri a janela do quarto e deixei o sol iluminar o cômodo, observei meu armário por um tempo, questionei se seria necessário mudar de roupa, afinal James era uma caixinha de surpresas e poderia me levar em qualquer lugar que lhe passasse pela cabeça.
Mas no fim, escolhi permanecer com meu vestido bege. Separei um casaco para levar e o deixei em cima do piano, poucos minutos depois a campainha tocou.
— Bom dia, Lyra. Está pronta para o melhor almoço da sua vida? — James sorria, o típico sorriso incapaz de não retribuir.
— Estou mais do que pronta.
Peguei minha bolsa e vesti o casaco. Sai de casa e tranquei a porta, depois entrei no carro e perguntei:
— Em qual restaurante iremos?
— Você verá...
— James! — exclamei. — Me conte, você sabe que não gosto de surpresas!
— Se eu contar não terá mais graça, Lyra! — Ele deu partida no carro. — Vamos, me deixe surpreendê-la uma vez!
— A última vez que você tentou me surpreender nós quase batemos o carro!
— Correção: você quase bateu o carro.
Revirei os olhos.
— A ideia tinha sido sua! Uma aula de direção surpresa, que ótimo programa de domingo aquele!
— Mas foi divertido, pelo menos eu dei muita risada! — James estava se segurando para não rir.
— Foi horrível, James. Horrível.
— Não exagere, Lyra.
— É a verdade, você não sentiu o desespero que senti!
— Admito que não, mas não precisava fazer tanto drama, isso foi há anos atrás.
— Mesmo assim, não guardo boas lembranças...
James não respondeu mais nada e focou sua atenção nas ruas e no sinal que abria.
Mesmo que ele achasse minha reação exagerada, era como havia me sentido.
Naquele dia, estávamos em um bairro mais afastado da cidade, era um lugar que, de acordo com meu amado irmão, seria fácil aprender a dirigir, mas não deu muito certo.
Quase batemos em um poste porque acabei acelerando demais – o acelerador era muito mais sensível do que esperava. E isso me deixou ainda mais insegura para tirar a carta.
Mesmo antes desse acontecimento já tinha medo de dirigir, o que aconteceu foi apenas um extra que pesou para minha decisão.
Me surpreendi quando James estacionou o carro na garagem de seu apartamento, meu irmão não era conhecido por seus dotes culinários. Mesmo que não sejam ruins, não chegavam a ser maravilhosos.
Nós subismo de elevador e assim que abriu a porta gritou:
— Surpresa!
Ele balançou as mãos de um modo que lembrava um passo de jazz.
— O que acha de nós cozinharmos desta vez? Prometo que será divertido.
O apartamento estava impecavelmente organizado como sempre, e no balcão que dividia a sala de jantar da cozinha havia vários ingredientes separados e um livro de receitas ao lado.
— Vejo que o senhor já preparou tudo — falei com um sorriso no rosto.
— Quase tudo, falta cortar os legumes. E só para constar, a cebola é por sua conta.
— Quer dizer que o grande James não quer dar uma choradinha com a cebola? Tenho certeza que ela adorará ouvir seus foras, como aquele que você levou do garçom...
— Na verdade, ele ainda não me respondeu.
— E duvido que vá. — Me aproximei do balcão e li o título da receita que iríamos fazer. — Vamos nos arriscar ao fazer um yakisoba?
— Vamos! E outra, não é um prato muito complicado de fazer, tenho certeza que conseguiremos e sairá algo delicioso!
— Eu não criaria tantas expectativas... — Brinquei. — É mais provável que comeremos uma massa estranha.
— Confiança, minha querida irmã! Confiança! — James se aproximou e bagunçou meus cabelos. — Não sei se já comentei, mas seu cabelo ficou mais bonito assim. — Toquei em uma mecha, tinha adorado o resultado desde o primeiro dia, mas ouvir elogios era sempre bom. — Algum motivo específico para ter cortá-lo?
— Motivo específico?
— Sim, dizem que quando alguém corta o cabelo é porque quer se livrar de algo ou coisa parecida... Não consigo lembrar exatamente o que minha ex dizia sobre esse assunto...
— Ex-namorada? Por acaso eu perdi este capítulo da sua vida? — Arqueei a sobrancelha.
— Não foi nada muito duradouro. — Ele deu de ombros e se aproximou do fogão.
— Por acaso as roupas que encontrei no dia que dormi aqui também eram dela?
— Sim, eram. — James colocou uma panela cheia de água no fogo. — Ela disse que viria buscar, mas acho que esqueceu... ou apenas não queria olhar para a minha cara de novo.
— E mais uma história não contada para Lyra Scherzo. Se somássemos todas que perdi daria uma coletânea. — Murmurei.
— Lyra... — James se virou para mim, iria começar o seu discurso de sempre. O lancei um olhar cortante e pela primeira vez, isso o calou.
— Eu sou uma coadjuvante até na minha própria vida! — andei de um lado para o outro da sala. — Você nunca entenderá James, porque você é sempre importante na vida das pessoas ao seu redor. A impressão que tenho é que você é mais importante na minha história do que eu mesma... E isso é tão frustrante...
— Isso não é verdade. — James parou o que estava fazendo e me encarou. — Você conseguiu muitas coisas por mérito próprio, principalmente na música.
— Tudo que eu consegui até agora foi com a sua ajuda ou a de Edgar. Até mesmo nesta estúpida competição quero pedir ajuda a ele! Tudo que faço, tenho a impressão que não consegui sozinha e não é apenas agora, desde que era criança. "Você conseguiu isso por causa dos seus pais", foi por isso que sai, mas essa frase ainda me persegue, só que agora não são meus pais e sim, você! Será que um dia sentirei que alcancei algo por mérito próprio? Ou estarei fadada a ficar nas sombras, como a coadjuvante que sou, por toda a minha vida? — Desabei no sofá.
Lágrimas escapavam de meus olhos, lágrimas frustradas e perdidas que não sabiam para onde ir, lágrimas tão desesperadas quando a minha voz.
Eu queria gritar, mas meu choro era silencioso e apenas James o observava, em silêncio. Por fora nada ecoava, mas por dentro meu corpo inteiro ressoava e gritava.
James se sentou ao meu lado e lentamente me envolveu em um abraço, continuou sem dizer uma palavra, duvido sequer que teria algo bom a expressar, era até melhor que permanecesse calado. Não enxugou minhas lágrimas, provavelmente pensou que não tinha este direito e eu era obrigada a concordar.
Não conseguia expressar em minutos o tempo que chorei. Talvez tenha sido apenas cinco minutos, talvez uma hora, era incapaz de dizer. Permaneci imóvel, não impedi as lágrimas de caírem e não mostrei o rumo que deveriam seguir, apenas a senti escorregarem de meu rosto.
Será que estava exagerando? Essa pergunta ressoou na minha mente, mas não sabia como respondê-la.
Como sempre, tinha mais perguntas do que respostas.
Estava fadada a morrer de curiosidade, talvez tenha sido esta a praga que Edward lançara em mim.
Edward.
Senti meu coração descompassar quando seu nome surgiu em minha mente. Não tinha motivos para me sentir assim, entretanto era incapaz de me expressar de outra maneira.
O que havia de errado comigo? Por que em um momento como aquele meus pensamentos focaram nele?
Não conseguia responder meus próprios questionamentos, mas já estava começando a me acostumar.
Me levantei e encarei James:
— Perdi o apetite.
— Você vai embora...? — Ele parecia desapontado.
— Sim, preciso ficar sozinha. — Suspirei.
— Você está sempre sozinha, Lyra. Será que não percebe? — Murmurou e em seguida ergueu os olhos na minha direção. — Todos os dias você se tranca no seu quarto junto ao seu piano e não sai. Você nunca dá uma iniciativa.
— Isso não é verdade...
Comecei a dizer, mas ele logo me interrompeu:
— Quem é que sempre convida a outra? Quem decide fazer uma festa, um jantar ou um piquenique?
Não o respondi, meu irmão estava certo.
— É por isso que você se perde no papel principal e se torna uma secundária. Você fica parada esperando as coisas acontecerem, é apenas uma espectadora e essa foi a sua escolha. Ninguém está roubando seu papel, Lyra, você é que o está perdendo com o passar do tempo.
Fui em direção à porta e me virei:
— Bom dia, James.
— Pode ignorar o que digo, porém isto é a mais pura verdade.
Sai do apartamento.
Meu rosto estava limpo, sem lágrimas. Com exceção de uma que se encontrava na minha bochecha esquerda, ela parecia confortável ali e hesitei em enxugá-la de imediato.
Apenas a removi quando entrei no elevador e notei a minha nítida cara de choro.
Era patético. Eu era patética.
James estava certo, não tinha iniciativa para nada.
Precisava mudar isso, havia cansado de viver nas sombras.
Mas como mudar?
Foi naquele momento que tive uma ideia.
Ainda precisava de ajuda com a competição, mas não precisava buscar auxílio com Edgar.
Poderia ser outra pessoa. Certo, Senhor Capriccioso?
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