♪Uma Partita de Bach
" O tempo é o melhor decisor, e a paciência o mais excelente professor."
— Chopin.
♪♪♪
Ainda me surpreendia com a beleza que era a casa de Edgar. A primeira vez que vim, não prestei muita atenção nos detalhes, mas tudo parecia se encaixar perfeitamente em tudo. Era como se tivessem programado cada mísero detalhe.
— Pare de babar, eu sei que minha casa é maravilhosa. — Edgar comentou em um tom mais brincalhão do que sério.
— Andar com James influência o seu modo de falar ou é impressão minha?
— Impressão sua.
Ele abriu a porta e acendeu a luz, como sempre, tudo estava tão perfeitamente arrumado que senti que deveria me esforçar mais ao arrumar minha casa.
— Faxineira! Trouxe visitas! — gritou Edgar.
— Já disse para não me chamar assim, inferno! — Edward gritou de algum canto da casa.
— Me diga... Por que faxineira? — Perguntei contendo o riso.
— Não sei, pergunte ao seu irmão. Ele que deu esse apelido ao Edwen. Eu só achei divertido e decidi usar também.
E foi só falar no diabo que ele apareceu.
James estacionou o carro e desceu.
— Edward, o que você queria mostrar ao James mesmo? — Gritou Edgar.
O escritor desceu depois de alguns minutos com o livro marrom na mão.
James já estava sentado no sofá.
— Ei, Edwen — chamou. — Tem café?
— São onze da noite, James! Mas é óbvio que ele... — Comecei a falar.
— Fiz, quer uma xícara?
Decidi fechar minha boca naquele momento e só abrir quando chegasse em casa.
— Claro!
— Quer também, Lyra?
Demorei um tempo para responder, mas depois disse que sim.
Ninguém recusa uma xícara de café nesta vida.
— Edwen, que parte você quer que eu leia? — Meu irmão seguiu o escritor em direção à cozinha.
— Capítulo doze, tem um marcador mostrando onde está.
Edgar também começou a ir até a cozinha e decidi ir junto, não ficaria sozinha observando aquela sala muito bem decorada. E eu também queria café.
— Depois de ler me diga se parece uma cena real entre os dois, não consigo imaginar isso acontecendo neste lugar chamado Terra, mas... Nunca se sabe.
Edward me entregou minha xícara e esperou James terminar de ler e afastar o livro para entregar a dele.
— Cuidadoso como sempre. — James deu risada. — Enfim, sobre a cena... Eu acho que está sem emoção, tipo... Rosa está apaixonada por ele, isso é óbvio, mas não consigo sentir o que ela está sentindo. E a descrição do beijo foi péssima, você por acaso já beijou de verdade, Edward? — Deu risada e depois lançou um sorriso sacana para o escritor. — Ou vou ter que te mostrar como é um bom beijo?
— Se quiser beijar alguém, beije o pianista ali. — Apontou para Edgar. — Eu não estou interessado, mas uma demonstração deixaria a cena mais realista...
— Sem chance! — Edgar respondeu logo de cara. — Se quer tanto uma demonstração veja alguma comédia romântica água com açúcar! Não peça para os outros encenarem sua cena, não somos atores.
— Ao vivo é melhor para perceber as coisas, mas não vou forçar ninguém. — Edward terminou sua xícara de café e a encheu novamente. — Então, James? O que você acha que deixaria a cena mais interessante?
— Primeiro você deveria mudar o cenário. Sério, quem beija uma pessoa em um estábulo cheio de bichos? Deve ser uma merda! Escolha um lugar mais privado, ou você sai por aí beijando as pessoas na frente do banheiro do shopping? Acho que não.
Soltei uma risadinha e observei enquanto os dois discutiam sobre o tal capítulo doze.
— James parece entender das coisas... — Comentei.
— Ele é um ótimo conselheiro amoroso, isso ajuda muito o Edward com cenas mais românticas ou emotivas. Se algum dia você precisar de ajuda nos seus relacionamentos não hesite em pedir conselhos ao seu irmão. — Edgar tinha um sorriso minúsculo no rosto.
— Ele é tão bom ajudando a vida amorosa dos outros que se esquece de cuidar da dele. — Suspirei.
Edgar me olhou com desconfiança.
— Eu não sei como anda a vida amorosa de James, acho que ele não me contará a respeito tão cedo, mas não quero que ele fique esperando. E principalmente, não quero que ele se machuque. Se alguém o machucar, independente de quem seja...
— Não se preocupe, Lyra. Eu matarei o culpado antes disso.
— Mesmo se o culpado for você? — Murmurei.
Não tinha certeza se ele escutou, mas se sim, fingiu que não.
Edward e James conversaram por quase meia hora e pareciam longe de terminar.
— Edgar, posso ir à sala de música?
— Sim, só não mude nada de lugar. A sala é a última do segundo andar, não é difícil de achar.
Assenti e sai da cozinha. Seguindo as instruções, subi a escada, andei até o final do corredor e abri a última porta.
Ainda chovia e o silêncio era agradável naquele momento.
Fui até as estantes e observei todas aquelas partituras, organizadas em ordem alfabética e em tipos de composições. As sonatas eram as primeiras, seguidas pelos concertos, duetos e depois eram solos de violino.
Observei atentamente as partituras para violino, cerca de noventa por cento estavam escritas em alemão. Será que Edward era alemão? Ou seus familiares eram de lá? Ou ele era apenas um fanático pela língua?
Corri o olhar pelo cômodo e parei o olhar em um objeto próximo à janela, um lustroso violino. Me aproximei do instrumento com cautela, tinha medo de Edward aparecer e me crucificar por encostar em seu violino.
Porém, minha curiosidade falou mais alto.
Peguei o violino e o arco, me surpreendi ao ver que não era tão leve quanto imaginava, toquei todo o corpo do instrumento, mas evitei as cordas para que nenhum som ecoasse. Coloquei o violino no ombro, um pouco desajeitada, confesso e olhei para a janela que me refletia.
E mais ao longe, refletiu outra silhueta.
— Você está segurando errado. — A voz de Edward recoou e eu congelei onde estava.
Ele caminhou em minha direção, não parecia irritado. O que me deixou um pouco mais tranquila, tive medo de ser morta por um escritor naquele momento.
Talvez ele apenas crie um personagem baseado em mim e mate na primeira oportunidade para não ter que sujar as próprias mãos.
Ele estava bem próximo e eu já estava quase entregando o violino para ele.
— Sua postura está errada.
Senti uma de suas mãos nas minhas costas e depois nos meus ombros. Em seguida ele mostrou como o violino deveria ficar.
— Pronto.
— Posso tocar alguma nota? — Perguntei hesitante.
— Sim, mas saiba que o som... — Eu passei o arco por uma das cordas no momento em que ele falou. — Sairá horrível.
E ele estava certo.
— Acho melhor devolvê-lo ao dono.
Entreguei o violino para Edward que o guardou. Voltei a observar as partituras, alguns compositores eu nunca havia ouvido falar e outros eu amava quase todas as composições.
Meu olhar se virou para Edward, ainda era difícil pensar que ele e o senhor Capriccioso eram a mesma pessoa. Acho que eu só acreditaria se...
— Por que estou com a impressão que a senhorita quer ouvir uma peça?
— Eu não sei... É tão óbvio assim?
— Como eu disse — Ele pegou o violino e o colocou nos ombros. — A senhorita não é muito discreta.
E então, com um sorriso, me pergunta:
— Que peça gostaria de ouvir?
Não demorei muito para responder.
— Bach, uma partita de Bach.
O escritor apenas assentiu e começou a tocar, não precisou de uma partitura para seguir.
E então a música invade meus ouvidos, música de verdade, e não o ruído que eu reproduzi quando "tentei" tocar.
O arco dançava na mão de Edward, acertava com precisão a nota. O instrumento parecia tão leve para ele.
Eu estava vidrada, hipnotizada.
No começo parecia errado ver aquele escritor que tanto detestava os músicos, tocar tão lindamente e de um jeito que poucos conseguiam.
Mas enquanto o ouvia, parecia certo que esses sons pertencessem a ele.
Edward não gostava dos músicos, mas não podia negar que ele mesmo era um, um musicista esplêndido ainda por cima. Todo o seu corpo transbordava música, não era apenas seus dedos que desciam e subiam nas cordas para fazer os acordes, não era apenas o arco que ele segurava. Seus ombros, pernas, tronco e principalmente rosto mostravam a música de uma maneira completamente diferente.
Reparei em algo novo também.
O senhor Capriccioso era melancólico.
Sua música carregava machucados, conseguia sentir isso, mas ao mesmo tempo era como se uma agulha viesse e costurasse os cortes e o resultado era algo completamente diferente e único.
Era uma história, a história dele sendo exposta tanto em melodia quanto em linhas.
Era um escritor violinista.
Nem um, nem outro, era os dois ao mesmo tempo.
Era a tristeza e a felicidade ao mesmo tempo.
A vitória e a derrota.
A perda e o ganho.
Era contraditório.
Era Edward.
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