♪Marcha Fúnebre
"Deixe-me ouvir, uma vez mais, esses sons que foram, durante tanto tempo, minha consolação e alegria."
— Mozart
♪♪♪
Era uma noite difícil, não consegui dormir até que Edward pegasse no sono, o que levou boa parte da noite. Ele estava cansado, e foi apenas por isso que conseguiu dormir aquele pouco tempo. Eu, por outro lado, acabei desistindo de dormir.
Ele dormira no meu colo e quando tentei sair para que ficasse mais confortável, Edward abriu os olhos.
— Te acordei? — sussurrei.
— Aonde vai? — perguntou sonolento.
— Beber água — menti. — Pode voltar a dormir, daqui um minuto eu volto.
Edward assentiu e deitou na cama assim que levantei, mas quando voltei da minha ida a cozinha. Ele parecia mais desperto.
— Por que não dormiu?
— Perdi o sono. — Edward se sentou. — Mas você deveria dormir.
— Você está mais cansado do que eu — respondi e notei que minha a voz soava um pouco ríspida. Suavizei meu olhar e toquei sua mão. — Vá dormir, Edward, por favor, descanse.
— E você?
— Vou ficar bem, minha prioridade agora é você.
Edward deu um sorriso fraco e voltou a se deitar, mas algo me dizia que ele não descansaria.
Sentei na cadeira ao lado, que havia trazido da cozinha ao voltar, e o encarei.
Em seguida, o escritor se virou para mim, pensei que diria algo, sua boca se mexeu, mas me enganei.
Permanecemos em silêncio, até que me levantei e sai do quarto.
Fui até a sala, abri a porta da frente e me sentei. O vento e a noite saudando-me com o frio, porém não me importei. Estava sufocante permanecer por lá.
Não sei quanto tempo fiquei ali, sozinha, mas, em certo momento, Edward apareceu.
— Vai pegar um resfriado se continuar ai fora — comentou.
— Você deveria estar dormindo — retruquei.
— Pare de bancar a mãe, Lyra. — Edward revirou os olhos.
— Então vá descansar. — O observei de relance. — Sei que deve ser difícil fazer isso, mas pelo menos tente.
— Eu já tentei — disse. — Não estaria aqui se tivesse conseguido.
— Então tente de novo, amanhã será um dia longo.
— E é por isso que não consigo dormir... — Suspirou e sentou ao meu lado.
Decidi não responder nada, afinal, o que diria? Tudo que passara pela minha cabeça eram as piores respostas.
Depois de um tempo, Edward quebrou o silêncio.
— Você comeu alguma coisa?
— Eu é que deveria te perguntar isso. Você não deve ter ingerido nada nessas últimas doze horas.
Levantei e fui até a cozinha procurar algo para Edward comer.
— Vou preparar um chocolate quente, está bem? — falei.
— Pode se sentar, Lyra — disse. — Eu cozinho.
— Mas...
— Cozinhar é uma boa distração.
O olhar que Edward me dera fora rápido, mas carregado de tristeza e fui incapaz de discordar.
Me sentei e o observei. Estava preocupada, não sabia como reconfortá-lo ou fazê-lo se sentir melhor.
Era frustrante.
Durante todo o tempo que ele estava concentrado, não dissemos nada. Apenas quando Edward terminou de nos servir, que uma conversa se iniciou.
— Você foi me visitar hoje mais cedo, não? — comentou.
— Quanta prepotência... — Revirei os olhos, depois de um tempo completei. —Na verdade, eu fui visitar meus pais, passei pela sua casa por pura coincidência.
O escritor me encarou, a surpresa clara em seu rosto.
— Por que ficou tão surpreso? — Arqueei a sobrancelha.
— Apenas não imaginei que você seria capaz de ir lá. — Havia um tom de indiferença em sua voz, mas decidi ignorar. — Como foi o reencontro?
— Foi... melhor do que eu esperava — admiti. — Claro que as coisas não serão as mesmas, mas estou disposta a tentar.
Edward não respondeu e se concentrou em seu prato, ainda intocado.
— Precisa comer alguma coisa, Edward.
— Não estou com muito apetite.
Suspirei.
— Mas seu corpo precisa de nutrientes. — Toquei sua mão.
Edward acariciou meus dedos, não me encarava de jeito nenhum.
— Quer conversar? — perguntei tão baixo que por um instante pensei que ele não tivesse me escutado.
— Não.
Curto e grosso.
— Edward, eu sei que você está passando por um momento difícil — suspirei —, mas não é motivo para ser tão rude comigo. Só quero te ajudar.
— Eu sei... — murmurou.
— E você veio aqui porque precisava ter alguém ao seu lado, não é? — rebati. — Eu estou aqui, Edward, por que não conversa comigo?
— Eu não tenho o que falar... — continuou a murmurar. Finalmente, levantou o olhar.
— Você é um escritor que não encontra palavras para dizer, apenas para escrever — comentei.
— Demorou a perceber, não? — respondeu irônico.
— Por que é tão difícil para você dizer o que sente?
Edward desviou o olhar e ficou quieto por tanto tempo que desisti de esperar por um resposta, muito menos uma satisfatória.
— Me desculpe, parece que você esperou por uma declaração da minha parte até agora.
— É claro que esperei! — exclamei. — Eu sempre me abri para você, pensei que faria o mesmo comigo.
— Eu me abri com você, Lyra — respondeu. — Ou você acha que eu saio por ai contando a estranhos sobre a minha "mãe"?
— Você sabe que não foi isso que quis dizer. — O encarei. — Estou falando de seus sentimentos, Edward. Eu sempre disse abertamente o que sinto por você, por que não pode fazer o mesmo?
— Porque eu não me expresso por palavras, está bem? — A rispidez de suas palavras não me passou despercebida. — E você não é capaz de perceber o que sinto através de ações? Ou só sente afeto por meio de palavras?
— Eu apenas gostaria que você conversasse mais sobre isso comigo. — Tentava manter a calma, esse não era o momento para começar, ou terminar, uma discussão. — Desde que te falei o que sinto, você nunca correspondeu de forma verbal...
— Porque, como já disse, eu não sou bom com essas coisas.
— Você disse que iria se declarar no dia que nos beijamos, ou se esqueceu disso?
— Lyra...
— Vamos conversar sobre isso mais tarde — interrompi. — Quando as coisas se acalmarem, e você não estiver tão instável.
Edward iria responder, mas o impedi, sabendo que poderia causar um dano maior.
— Neste momento você não está no seu melhor estado. Não acho uma boa ideia abordarmos este assunto agora, vamos deixar de lado por um tempo.
Ele não voltou a dizer nada, também não comeu quase nada e me perguntei se dormiria novamente.
Voltamos para o quarto.
Edward se aproximou da janela, estava distraído, sua mente voava longe, mas logo se virou para mim. Esperei que dissesse algo, porém ele apenas me encarava.
— O que foi? — perguntei.
— Nada... — Desviou o olhar. — É só que...
Pensei que tinha o visto dar um passo a frente, mas me enganei. Ele abriu a boca diversas vezes, mas nenhum som saiu.
— Você quer um pouco de privacidade, não? — disse. — Vou para a sala.
— Lyra...
Não esperei que terminasse a fala e sai.
Decidi tocar um pouco de piano, tanto porque precisava praticar, quanto pelo clima que a música trazia, conveniente ao momento.
A partitura já estava lá, e o piano, mais uma vez, me chamava, de braços abertos, pronto para me abraçar.
Toquei a primeira nota, parecia-me ao mesmo tempo certo e errado tocá-la, mas continuei.
Era uma melodia pungente em seu início, um contraste com seu meio forte, dramático e, principalmente, instável; refletia muito bem o estado de Schubert quando a compusera e o meu enquanto a tocava. Era hipnotizante e misterioso, prestes a irromper uma tempestade, parecia colocar a serenidade contra a violência, e, talvez até, razão contra loucura. O scherzo era leve e bem humorado, no entanto, apesar de tudo, havia os arpejos que apareciam como uma variante, das mais sinistras, no final do Andantino.
Suspirei ao som da última nota.
— Sempre imaginei que fosse boa, mas confesso que me surpreendi. — Edward estava encostado na batente da porta, os braços cruzados, observando-me pelo canto do olho.
Ele se aproximou e ficou atrás de mim, em seguida beijou o topo da minha cabeça.
— Desculpe — falou. — Prometo que me esforçarei a dizer meus sentimentos por você.
— Eu também deveria ser mais compreensiva, desculpe.
Peguei sua mão e a trouxe para próximo do rosto e a beijei. Edward passou o outro braço e me abraçou por trás, a cabeça apoiada nas minhas costas.
Senti uma lágrima cair, tentei me virar para sua direção, mas ele me impediu, abraçando-me com mais força.
— Não quero que me veja assim — murmurou.
— Está tudo bem, Edward. — Acariciei sua mão. — Chorar alivia a alma.
Fiquei de frente para ele e toquei sua bochecha, Edward desviou o olhar. Enxuguei uma lágrima que escorria e finalmente tive a atenção daqueles olhos cinza.
— Eu te amo — falei. — E vou sempre estar ao seu lado.
Edward segurou minha mão que estava perto do rosto.
— Não espero que diga essas palavras de volta para mim, não hoje. Só quero que saiba.
— Eu sei, Lyra... — sussurrou, escondendo o rosto no meu ombro. — Eu sei...
Acordei no quarto.
Edward dormia próximo a mim, metade do meu corpo estava em cima dele e provavelmente seu peito fora meu travesseiro.
Não conseguia lembrar em que momento adormeci na sala ou como cheguei até a cama, mas já sabia muito bem quem me levara.
O observei por um tempo.
Era estranho vê-lo com a camisa amassada e por cima da calça, o cabelo também estava desarrumado, parecia quase outra pessoa. Passei a mão pelo seu cabelo, tentando ajeitar os fios.
Edward abriu os olhos lentamente, não me parecia muito desperto.
— Desculpe, te acordei?
Ele negou com a cabeça, mas era óbvio que sim.
— Vou preparar o café. — Tirei uma mecha de cabelo de seu olho e me levantei. — Pode continuar a dormir, se quiser.
Fui para a cozinha.
Não passara sequer cinco minutos quando Edward apareceu.
— Desta vez sou eu quem fará o café. — O expulsei da cozinha. — O café vai demorar um pouco, por que não vai tomar um banho? Quando voltar tudo estará pronto.
— Está bem, mamãe.
— Usando o próprio apelido contra mim? Não pensei que fosse tão baixo, Capriccioso.
Edward sorriu e passou a mão pelo meu cabelo antes de ir em direção ao banheiro.
Continuei a preparar o melhor café da manhã que seria capaz.
Algumas torradas, panquecas e um bom chocolate quente, porque não seria louca de servir o meu café. Mesmo se tentasse, sairia algo horrível, e de amargo já bastava o que acontecera ontem.
Terminei de pôr a mesa no mesmo momento que ouvi a porta do banheiro abrir.
— Chegou bem na hora... — Minha voz vacilou quando o olhei.
Seu cabelo estava molhado, algumas gotas caiam na camisa não abotoada e eu parei de prestar atenção nos detalhes. Sabia que não estava sendo discreta, nem me importei em ser.
Se fosse em outro momento...
— Lyra, você está babando? — Achou graça.
— Estou — disse — pelas panquecas — completei rapidamente. — Elas estão ótimas, sabia? Por que não vem prová-las?
— Eu adoraria.
Edward deu um sorriso, mas desapareceu rápido demais. Foi até a cozinha em silêncio e se sentou.
— Eu não sei fazer um bom café, então vamos ter que sobreviver de chocolate quente. — Servi duas xícaras com leite e entreguei uma a Edward.
— Tudo bem, não quero café hoje.
O encarei perplexa. Ele nunca recusaria um café.
Peguei uma torrada e a dei ao escritor.
— Edward, você precisa comer.
— Eu sei — disse ao tomar um pouco de chocolate quente. — Mas estou preocupado com Edgar, tenho certeza que ele não comeu nada.
— Você precisa se preocupar consigo também, não é só ele que está sofrendo.
— Eu posso estar de luto também, mas...
— Esse é o seu problema — interrompi. — Você está sempre tão ocupado tomando conta dos outros que se esquece de se cuidar... — Suspirei. — Edgar já é grande o suficiente para tomar conta de si mesmo.
— Lyra, não é uma questão de Edgar saber se cuidar, mas sim dele não querer — respondeu. — Você o conhece, sabe que tenho razão em me preocupar.
— Eu sei, mas... — comecei. — Por que você não pode ser egoísta uma vez na vida e curar a própria tristeza antes de curar a do outro?
— Eu sou egoísta com coisas demais, Lyra. — Ele sorriu, um sorriso diferente que não era capaz de descrever. — E não curamos a dor nos isolando, se fosse assim Edgar estaria bem.
— Vamos vê-lo então quando terminarmos de comer, está bem? Então trate de se alimentar.
— Sim, senhora.
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