♪Compasso Amável
"Nunca quebre o silêncio se não for para melhorá-lo"
— Ludwig Van Beethoven.
♪♪♪
— O senhor está muito galanteador, Edward — comentei com meu olhar fixo na paisagem. — Alguma razão especial para isso?
— Tive um diálogo interessante com certo médico, isso me fez refletir sobre algumas coisas. — Deu de ombros.
— E o que ele disse? — falei curiosa.
— Acho que seria melhor perguntar diretamente a ele.
— Está bem... — Cruzei os braços, não iria dizer mais nada sobre aquilo, mas havia ficado muito curiosa sobre o que James falou.
— Você está chateada, Lyra? — perguntou e notei que me observava pelo canto do olho.
— Não, apenas curiosa.
— Infelizmente não posso sanar sua curiosidade desta vez.
— Você nunca pode — murmurei.
O escritor suspirou e notei suas mãos segurarem com mais força o volante.
— Já disse que não me sinto a vontade para comentar o assunto, por que insiste tanto? — falou irritado.
— Porque me interesso por você, Edward. Porque quero entendê-lo. — O encarei. — Não é motivo suficiente?
Ele não respondeu e continuou a dirigir.
A atmosfera ficara estranho depois disso, desconfortável.
— Se vamos continuar neste clima é melhor eu ir embora — disse. — Pode me deixar aqui mesmo, pegarei um táxi e voltarei para casa.
O escritor estacionou na primeira vaga que encontrou e delicadamente tocou meu braço.
— Você quer mesmo ir? — perguntou com uma voz suave.
— Se as coisas continuarem deste jeito, sim. — Abri a porta do carro e senti Edward segurar firmemente minha mão.
— Vamos fingir que nada daquilo aconteceu — murmurou. — Não vá embora, Lyra. Por favor. — Senti uma urgência no jeito em que falava.
Ponderei por um tempo, queria ficar, isso era um fato. Gostava da companhia de Edward, mas me incomodava sentir a barreira que ele de repente erguia. Era como se todo o tempo que passamos juntos não o fizesse confiar em mim.
Soltei o ar lentamente pela boca e cedi:
— Está bem. — Fechei a porta e coloquei o cinto novamente. — Mas um dia, muito em breve, vamos falar sobre esse assunto e finalmente esclarecer as coisas, porque não aguento ver essa barreira que você ergue toda vez que pergunto algo sobre o motivo de não gostar de músicos.
— Eu sei... — Suspirou. — Mas, por favor, não fique chateada por causa do meu receio de falar sobre essa história. Não é nada contra você, eu apenas não me sinto confortável ainda.
— Esperarei um pouco mais, Edward. Mas não esperarei para sempre.
— Só um pouco mais de tempo, é tudo que lhe peço e preciso. — Sorriu e beijou minha mão demoradamente. — E então esse mistério sem graça terminará.
— Pensei que o senhor gostasse de mistérios — comentei.
— Não quando ele me afasta de você. — Edward soltou minha mão e voltou a ligar o carro.
Fomos o resto do percurso em silêncio, mas desta vez em um agradável.
Entrei na casa e ouvi um abafado som de piano, reconheci a composição rapidamente: a terceira Consolação de Liszt. Era uma composição calma e um pouco melancólica que lembrava vagamente um dos Noturnos de Chopin, pelo que ouvi dizer, Liszt a compusera como um tributo a morte de Frédéric que ocorrera um ano antes da publicação da peça. Talvez esse seja o motivo da música ser tão triste e também tão bela.
Tive vontade de ir até a sala de música assistir Edgar tocar, porém sabia que, caso o fizesse, estaria invadindo sua privacidade. Então me contentei apenas de escutar de longe.
— Sempre que o escuto fico maravilhada — falei.
— Edgar é mesmo talentoso, mas não apenas isso, ele ama tocar — Edward encostou-se à parede e lançou um olhar para as escadas. — Desde que o conheci ele é assim, pergunto-me se sua paixão pela música irá mudar quando Elisa morrer.
— Ela vai morrer? — perguntei em um sussurro.
— Infelizmente... Mas não vamos tocar neste assunto, não quero que o clima fique mórbido.
Notei que o escritor murmurara algo em seguida, mas não consegui ouvi-lo. O encarei, pensando o que teria dito.
— Bom, que tipo de vinho a senhorita deseja? — disse ao andar em direção a cozinha.
— Surpreenda-me, Edward. — Sorri e o segui até o cômodo ao lado.
— Seu pedido é uma ordem, senhorita Scherzo. — Fez uma reverência e segurou minha mão, beijando-a.
Edward se afastou e saiu do meu campo de visão.
Sentei-me na cadeira e bati meus dedos na mesa descontraída, sem um ritmo definido. Observei a cozinha, repleta de tons marrons que se sobrepunham e deixavam o ambiente aconchegante. O estilo clássico era menos frequente neste cômodo, que puxava para uma decoração mais rústica.
Levantei e fui até a janela, de onde estávamos da casa era possível ver parte da garagem de um lado e o jardim de outro. Por um momento me perguntei que cuidava daquelas plantas para que fossem tão impecáveis. Tive vontade de ir até lá e ver que tipo de flores os dois moradores da casa guardavam, mas provavelmente não haveria muitas flores, todas tinham se escondido devido ao frio.
— Eu conheço esse seu olhar, Lyra — comentou o escritor ao aparecer.
— E este meu olhar significa o quê? — Virei um pouco o corpo para vê-lo melhor, ele estava com duas taças de cristal e uma garrafa de vinho, possivelmente branco, em mãos. Colocou-os em cima da mesa e andou até o meu lado.
— Que a senhorita está interessada em algo, que quer algo.
— Se eu descobrisse que o senhor tem uma bola de cristal guardada no seu quarto não ficaria nenhum pouco surpresa. — Voltei a olhar para a janela, dando as costas para Edward.
— Só tem um jeito de descobrir. — Sorriu.
— Está propondo algo indecente, senhor Siwen? — Arqueei a sobrancelha.
— Eu nunca disse o que iríamos fazer lá dentro, a senhorita que imaginou algo indecente.
— Para começo de conversa, foi você que fez a frase soar maliciosa! — exclamei apontando um dedo em sua direção.
— Não me culpe pelos seus pensamentos, Scherzo. — Edward segurou minha mão e a virou, deixando o dedo indicador apontado para mim. — Culpe a si mesma.
O escritor se afastou e foi até a mesa.
— Da última vez que vi você e uma garrafa de vinho tinto juntos, não terminou muito bem, então optei pelo branco, espero que não se importe.
Edward deu uma risada sem graça e serviu as duas taças. A cor do vinho era dourada devido ao envelhecimento e contrastava com os tons marrons da cozinha. Ele me entregou uma das taças e ergueu a sua.
— Podemos ir ao jardim, Edward? — perguntei enquanto tomava o primeiro golo da bebida. — Fiquei curiosa para ver que tipos de flores existem lá.
— Você curiosa? Que surpresa, Lyra — comentou, fazendo-me revirar os olhos.
Ele sorriu e vi sua mão se erguer por uma fração de segundo antes de ser enfiada nos bolsos da calça.
— Vamos almoçar primeiro, aí poderemos ficar quanto tempo você quiser sem que nada nos incomode.
— E o que o senhor deseja cozinhar? — Deixei minha taça na mesa e andei até o outro lado, ficando mais próxima do escritor. — Que não seja nada muito difícil, por favor. Não compartilho de seus dotes culinários.
— Não se preocupe. — Deu risada. — Vamos fazer algo bem simples, que tal espaguete ao pesto?
— Minha função será moer as nozes, que tal? Assim não estrago o prato. — Brinquei, mas claro que tinha um pouco de verdade.
Para ser sincera, a única coisa que sabia fazer era macarrão, porque o resto era um belo desastre. Entretanto, minhas massas eram ótimas, pelo menos se não a colocássemos no comparativo.
Edward olhou para o alto e suspirou, parecia ter reprimido um comentário.
— Vou pegar os ingredientes na despensa, você pode esperar aqui, se quiser. — Deu um beijo na minha bochecha e começou a andar, mas antes de entrar na despensa olhou para trás. — Ou você pode vir comigo. — Deu um sorriso e saiu do meu campo de visão.
Fiquei na cozinha sozinha com minha taça de vinho.
Peguei-me pensando na conversa que tive com James sobre dar o primeiro passo.
Talvez devesse contar logo a ele o que sentia e acabar com esse jogo. Não queria continuar com esses cortejos que nunca davam em nada.
Edward voltou carregando mais ingredientes do que seus braços conseguiam e fui a sua direção ajudá-lo. Colocamos tudo em cima da mesa.
— Se eu soubesse que seria tanta coisa teria ido te ajudar — comentei.
— Bom, nada caiu e é isso que importa. Vamos começar?
Assenti e comecei a organizar os itens em ordem que seriam utilizados enquanto Edward pegava alguns utensílios no armário.
— A senhorita arrumou bem — disse. — Estou impressionado.
— Confesse, você me achava muito desorganizada.
— Um pouco, não vou negar, mas mudei minha opinião. — Edward se aproximou de mim e sussurrou. — Entretanto, um pouco de desordem faz bem de vez em quando, senhorita Scherzo.
— Concordo, senhor Siwen — falei e peguei minha taça, em seguida tomei mais um gole do vinho. — Você tem um bom gosto para vinho, escritor.
— Eu tenho um bom gosto para tudo, querida Lyra. — Sorriu.
— Convencido o senhor... — Olhei para o alto e suspirei. — Enfim, vamos começar a cozinhar logo?
Edward assentiu e iniciamos a tarefa de preparar uma refeição decente.
O escritor deixou uma panela cheia de água no fogão para ferver e foi preparar o molho junto comigo, não que molho ao pesto fosse difícil, pelo contrário, era extremamente fácil.
Lavei as folhas de manjericão e as sequei cuidadosamente antes de colocá-las junto com o alho e o pinoli. Depois Edward acabou no comando do molho e eu fiquei mexendo o espaguete para que não grudasse um no outro.
Uma ajudante de cozinha.
Observei Edward, ele estava concentrado no que fazia e não parecia notar que eu o encarava de forma nada discreta.
Foi então que virou sua cabeça em minha direção e abriu um sorriso convincente. Desviei o olhar e voltei a mexer o macarrão como se nada tivesse acontecido.
Terminamos de comer tranquilamente, conversamos um pouco sobre coisas casuais e também sobre algumas peças que poderia apresentar na competição.
— Você queria ver o jardim, não é? — comentou enquanto colocava os pratos na pia.
— Não é melhor lavarmos a louça antes? — perguntei enquanto terminava minha segunda taça.
— Não se preocupe, essa é a obrigação de Edgar — falou ao segurar minha mão e me guiar para fora da cozinha.
— Bom, então deixarei que o professor congele as mãos com a água fria. — Brinquei.
Estava mais frio do que antes, perguntei-me quando começaria a nevar. Sempre gostei da neve, mesmo que a mesma seja um empecilho de vez em quando. Entretanto ela sempre carregava beleza, uma beleza fria e cortante. Era apreciada de longe e temida de perto.
Da porta da despensa era possível ter um deslumbre de parte do jardim.
Ele estava totalmente simétrico, era como se tivesse um imenso espelho que refletisse um dos lados.
Algumas das plantas haviam perdido suas folhas e ostentavam apenas galhos secos, que ficariam muito mais bonitos com o branco da neve que ainda não chegara. Não havia muitas cores e de onde estava não conseguia ver nenhuma flor, se é que alguma florescera neste inverno.
Comecei a andar para ver mais o jardim e Edward me acompanhou em silêncio.
Ao me aproximar do centro, notei que havia uma mesa redonda com quatro cadeiras, todas feitas de madeira. Havia muitos viburnos que, com o seu branco, realçavam o rosa e vermelho das camélias.
— É muito bonito aqui... — Sorri ao me sentar em uma cadeira.
— Concordo, Edgar se esforça para deixar este lugar o mais bonito possível.
— É ele quem cuida do jardim? — perguntei um pouco surpresa.
— Sim, você tem que ver este lugar durante a primavera. É simplesmente magnífico.
— Imagino... — comentei e em seguida, ficamos em silêncio.
Bati meus dedos na perna. Este parecia um bom momento para se declarar... mas como?
Nunca fui a melhor com palavras e duvido que dissesse algo digno de uma declaração romântica literária, que fizesse qualquer um se emocionar. Não era boa me expressando de outro jeito que não fosse a música.
Soltei o ar lentamente enquanto pensava em como dizer o que sentia.
— Edward — o chamei, o coração acelerado, com o andamento todo adiantado. — Preciso lhe contar uma coisa. — Levantei-me, sem aguentar ficar parada.
— Pode falar, Lyra — disse enquanto observava uma das camélias.
— Eu estou apaixonada por você.
Edward estava de costas para mim e não fui capaz de ver sua reação, se é que esboçou alguma. Virou para minha direção, não conseguia decifrar o que seus olhos cinza como este dia expressavam.
— Tem certeza? — perguntou. — Tem certeza que não está apaixonada pela idealização de um músico? Que não está apaixonada apenas pelo "Senhor Capriccioso", o violinista que você conheceu antes mesmo de saber que ele, na verdade, era eu? — Deu uma pausa. — Porque se esse for o caso, serei forçado a partir seu coração antes que ele se quebre ainda mais pela desilusão.
— Não me apaixonei apenas por um músico, me apaixonei por você, Edward. Pelo maravilhoso, e assassino, escritor que você é. — Dei um passo para frente. — Não me apaixonei por uma imagem inventada de alguém que toca violino, e sim por um homem cheio de defeitos e falhas que adora transformar a própria vida em um mistério. — Me aproximei mais um pouco. — Não me apaixonei apenas pelo escritor, ou apenas pelo violinista, me apaixonei por ambos. Pela contradição que o senhor é. — Mais um pequeno passo e estava a apenas alguns centímetros dele. — Me apaixonei por você, Edward Siwen, não por uma miragem. Então não duvide dos meus sentimentos.
Falei tudo aquilo rápido e agora estava respirando rápido para recuperar o ar. Meu coração batia tão forte no peito que não duvidaria que fosse capaz de sair.
Minhas mãos tremiam, não conseguia explicar o porquê, mas não paravam. Senti Edward segurar uma delas com delicadeza.
— Não duvidarei, Lyra — falou, abaixando seu rosto até ficar na minha altura e tocando seus lábios nos meus.
Senti que meu coração parou durante uma página inteira e não apenas um compasso.
Minha mente ainda trabalhava para processar o que acontecia, mas meu corpo foi um pouco mais rápido e não me deixou sem nenhuma reação.
Foi um beijo delicado que ainda guardava um suave sabor de vinho. Seus lábios eram macios e se moviam com calma enquanto eu os acompanhava.
Criamos um próprio ritmo, uma própria melodia, que ressoava apenas na nossa cabeça. Era uma sintonia perfeita, era uma dança perfeita. Era melhor do que qualquer piano e violino juntos. Era um dueto entre duas pessoas diferentes e, por que não dizer, contraditórias?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro