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♪Andamento Sutil

"Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia."
— William Shakespeare.

 ♪♪♪   


Cuidei do machucado de James da melhor maneira possível e quando terminei, deixei escapar a pergunta que queria dizer a tempo:

— Por que Edgar te bateu? — Notei que meu irmão começaria com o mesmo papo de sempre. — Não adianta dizer "não é algo que você precisa saber Lyra", porque isso passou do nível de ser apenas entre ele e você.

— Está bem. — Suspirou. — Resumidamente, disse para Edgar aceitar logo o que vai acontecer com certa pessoa e ele não gostou.

— Está falando de Elisa, não? — falei. — O que aconteceu para que ela ficasse nesse estado?

— Essa é uma história longa demais para ser contada, muito menos por mim. Terá que ouvir da boca de Edgar, ou de seu namorado se você conseguir convencê-lo a contar. — James se levantou. — Mas recomendo pedir a história ao protagonista, não ao coadjuvante.

— Primeiro, Edward não é meu namorado e segundo, não pediria para ele me contar sobre um assunto que não diz respeito a ele. — Também fiquei de pé. — Que tipo de pessoa você pensa que eu sou?!

— Do tipo curiosa. — Sorriu de canto. — E ele é sim seu namorado, o que mais seria?

— James, nós nos beijamos há poucas horas atrás. Não venha me falar de namoro.

— E nessas horas vocês já tiveram até a primeira briga e a reconciliação. Acho que a sua noção de tempo está um pouco diferente — disse. — Fico imaginando quanto tempo até o pedido de casamento, alguns dias?

— Foi você quem pediu para "agilizar as coisas", só estou cumprindo com o que me pediu. — Edward estava na batente da porta, segurando algo atrás de si.

— Isso é uma meia verdade, Edwen.

— Mas continua sendo verdade. — O escritor esboçou um sorriso de canto. — Então acho bom que pague por essa parcela de sinceridade.

— Não se preocupe. Caso eu esqueça, Edgar me lembrará de modo quase sutil — falou meu irmão. — Certo, senhor "estou escondido, mas estou ouvindo tudo"? — E de fato, instantes depois Edgar apareceu ao lado de seu colega-mãe. — Sempre imaginei que Lyra seria a primeira a ter este tipo de comportamento, pelo visto me enganei.

— Eu estou aqui, escutando tudo, James. — Lancei-lhe um olhar irritado. — Parece que você quer um par para este seu olho roxo.

— Não quis ofendê-la, irmãzinha, mas não podemos negar que você é a mais curiosa.

— Todo mundo já me disse isso, podemos mudar de fita? — Revirei os olhos.

— Mas é a verdade, querida Lyra.

— Me chamar de querida não suaviza a frase, Edward. — Suspirei.

— A intenção não era suavizar. — Sorriu.

— Podem ir parando, porque não sou obrigado a ouvir essas "briguinhas fofinhas de casaizinhos apaixonadinhos" — James fez uma voz hilária, como se estivesse falando com um bebê ou um cachorro.

— Você diz isso, mas adoraria estar no nosso lugar — brinquei.

— Não obrigado, eu passo, o Edward não é um partido tão bom quanto você acha, Lyra.

— Na verdade, deve ser um dos piores — acrescentou Edgar. — Lembro quando falava: "tenho pena da pessoa que namorar esse escritor", hoje, sabendo com quem Edwen namora, sinto pena dele.

— Coitada da Lyra, ela não tem culpa de ser tão... tão...

— Não ouse terminar esta frase, Hersenen — ameacei.

— Mas ela não fica lindinha quando está brava? — James continuou a brincar e a fazer voz de criança. — Vamos Edward, concorde comigo!

— Edward, não fale nada.

— Se me dão licença, eu prefiro não intervir — falou o escritor e em seguida saiu, ele simplesmente foi embora me deixando sozinha com aqueles dois monstros.

— Edgar, confesse que a Lyra fica lindinha quando está brava.

— Ela ficaria "lindinha" se fizesse algo de útil, ou se voltasse para a própria casa, o que parece não ter mais.

— Não exagere, Edgar. — Suspirei. — Não fico tanto tempo aqui.

— Você quem não percebe, daqui a pouco a verei antes de dormir e depois que acordar. — Edgar estremeceu. — Deus me livre desta desgraça!

Forcei uma risada debochada.

— Engraçadinho. — Fiz uma careta.

— E você, Edgar? Pelo que me lembro, você ainda não se desculpou pelo soco que deu no meu irmão.

— E o que você quer que eu faça? Dê um buquê com um cartão: "sinto muito"?!

— Não seria uma má ideia — comentou James coçando a barba. — O que acha de me trazer alguns chocolates também?

— Nos seus sonhos.

— Bom, nos meus sonhos você já fez isso. — Sorriu. — Quer saber o que aconteceu depois? — Seu sorriso aumentou e ficou mais malicioso.

— Eu passo.

— Só diz isso porque Lyra está aqui — disse. — Irmãzinha, poderia nos dar licença por um momento? Seu professor gostaria de se desculpar em particular.

— Você faz as coisas soarem pior do que deveriam.

— Isso, querido Edgar, depende do quão maliciosa uma mente pode ser. — James seguiu o olhar de Edgar e me encarou com graça. — Lyra é uma humana pura que desconhece os prazeres e pecados mundanos, tanto que se apaixonou por um ser assexuado.

— James...

— Não precisa terminar a frase, eu sei que você adoraria dar uma volta pelos corredores e bisbilhotar todas as portas até encontrar o quarto do seu amado. — James falou tudo isso enquanto me empurrava até a saída e, quando conseguiu, fechou a porta na minha cara.

Observei o corredor e a escada, o correto seria não examinar nada e ir para a sala, esperar sentada no sofá analisando os detalhes daquele tapete persa ou qualquer outro objeto, mas o correto não parecia nenhum pouco atrativo e de fato, eu era mais curiosa do que deveria.

Havia um espelho no final da passagem, mas não me ocupei com meu reflexo e sim com a porta entreaberta que ele mostrava, me aproximei da mesma com calma e dei duas batidas.

Uma música vinha de dentro, infelizmente, não de um violino e sim de um piano. Pela sutileza, era uma obra de Schubert, possivelmente uma sonata.

Abri um pouco mais a porta e vi Edward, com seus óculos redondos, tirando algumas partituras da prateleira e a colocando em cima do piano, cerca de quatro, ele as observou com uma mão no queixo e mudou a ordem que as organizara, depois tirou um bloquinho de notas e anotou algumas frases. Estava concentrado e sequer percebera que eu estava ali, com os olhos cravados em suas ações.

Pensei então em como o que James dizia a respeito de Edward era equivocado, pelo menos para mim. E me estranhava ver que os outros não enxergassem os charmes característicos do escritor, ele era bonito, ao menos eu o considerava, e me incomodava que os outros achassem hilário o fato dele conseguir se relacionar romanticamente com alguém.

Ou talvez eu não o conhecesse o suficiente para entender o motivo que aqueles dois tinham, talvez Edward tivesse manias insuportavelmente irritantes que nenhum ser humano na Terra aguentaria.

Bom, não podia negar que ele conseguia ser muito desagradável quando queria e que minha primeira impressão foi uma das piores que poderia ter, mas mesmo assim...

Acho que a paixão realmente nos cega para a vida.


Edward continuava a analisar as partituras, havia eliminado duas, caminhou até o outro lado da sala e pulou para outra parte da música.

Foi então que eu a reconheci, era a sonata que havíamos comentado na livraria, Andantino, o segundo movimento da sonata n.20 de Schubert.

Ele estava procurando uma música para a competição.

Ele...

Milhares de adjetivos passaram pela cabeça, mas nenhum ficou por tempo suficiente para que conseguisse colocá-lo numa frase. Ele estava fazendo aquilo por mim, invés de estar escrevendo, o que pensei que estaria.

Abri um pouco mais a porta e entrei na sala de música com calma.

— Então era aqui que o senhor estava... Quanta irresponsabilidade deixar sua acompanhante sozinha.

Edward olhou na minha direção e com um sorriso convincente disse:

— Ela não estava sozinha.

— Mas as companhias não eram das melhores. — Andei despretensiosamente até a cauda do piano e apoiei meu peso nele.

— Confesso que às vezes podem ser inconvenientes, principalmente quando estão juntos, mas no fundo são boas pessoas. — Se aproximou.

— Quando querem. — Abri um sorriso pretensioso e o encarei.

— Sim, quando querem. — Sorriu. — Quanto tempo estava me observando?

— Você percebeu? — O encarei um pouco surpresa.

— Como já disse, a senhorita não é muito discreta.

— E pode parar de dizer, estou cansada de ouvir isso toda hora.

— Perdoe-me, mas é a verdade, querida Lyra.

— Me chamar de querida não melhorará as coisas, Edward.

— E a intenção não é melhorar, é tirar o foco de uma coisa e colocar em outra. — Passou os dedos pelo meu braço, acariciando-o.

— Bom, saiba que minha atenção está focada em apenas uma coisa agora. — Sorri.

— E o que seria?

— Seria isto — sussurrei e, ficando na ponta dos pés, o beijei.

— É a senhorita que está se tornando uma galanteadora.

— Digamos que tive um bom professor — brinquei. — Mas me diga, por que você decidiu procurar peças para minha competição enquanto eu discutia com aqueles dois seres maquiavélicos?

— Prometi que a ajudaria a escolher alguma coisa hoje, e pensei que você voltaria com James. Falando nele, o horário de almoço deve ter acabado há uns quinze minutos atrás.

— Isso não é problema nosso. Quem vai se atrasar para o trabalho será ele.

— Vou avisá-lo, se ele sair logo, poderá culpar o trânsito pelo atraso. — Edward saiu logo em seguida da sala.

— Seu papel de mãe está indo longe demais, senhor Siwen... — Suspirei e me sentei na poltrona próxima à janela.

O sol iluminava, até demais, o cômodo, e me aquecia enquanto esperava por Edward. Observei o canto onde deveria estar o violino, mas não o encontrei, onde será que estava? No quarto de Edward? Ou em algum esconderijo secreto para que ninguém o encontrasse?

A última era, obviamente, a menos provável, mas a mais divertida, me entreteu enquanto aguardava o escritor.

Ele não demorou a voltar, o que foi bom porque minha história estava se transformando em algo mirabolante, que incluía Edward ser um agente secreto que para pegar os criminosos tinha que tocar seu violino mágico.

— E então, mamãe? — disse. — Missão cumprida?

— Pare de me chamar assim, Lyra. — Revirou os olhos.

— Desculpe, você prefere apenas mãe? — brinquei.

Em resposta, Edward murmurou alguma coisa, mas não consegui entender o que era, e se aproximou do piano, pegou as duas partituras de antes e as entregou a mim.

— São duas sonatas de Schubert, a de número vinte e vinte e um. Minha escolha pessoal seria Andantino, mas talvez seja melancólica demais. Também há Allegro Ma Non Troppo que é muito boa e mais agitada... Vai depender de seu estado de espírito. — Virou as costas e depois de alguns segundos de hesitação, acrescentou. — Mas acho que deveria perguntar a Edgar o que ele recomendaria. Eu posso ter participado de algumas competições, mas eram de violino, então o melhor seria pedir ajuda para ele.

— E quem disse que ele me ajudaria? Está claro que Edgar não me apoia, não faz sentido pedir sua opinião.

— Ele pode não achar que foi a melhor decisão, mas te ajudaria.

— Duvido muito.

— Só há um jeito de descobrir. — Ficou novamente a minha frente e sorriu.

— Não, obrigada. Não vou falar com ele.

— Bom... — Suspirou. — No fim é você quem decide, mas deveria...

— Já tivemos essa conversa antes, Edward. Eu não vou conversar com Edgar e você pode parar de me atormentar com isso.

— Está bem, Lyra. Não vou mais discutir com sua teimosia.

— Bom mesmo. — Cruzei os braços.

Abri a partitura da sonata no. 20 e li o começo do primeiro movimento, depois pulei para o segundo, que Edward parecia gostar bastante, Andantino e demorei-me nas linhas.

— Por que gosta tanto deste movimento, Edward? — perguntei baixinho.

— Uma vez, quando estava triste, uma amiga a tocou para mim. — O escritor sorriu com a lembrança. — Me lembro de ter ficado indignado, "como você pensa em me reanimar com uma música tão melancólica?" perguntei, e ela apenas disse que ao final daquela música, a minha tristeza desapareceria junto com a última nota.

— E funcionou?

— Sempre funciona. Tornou-se meu mantra desde então, sabe? — comentou com um olhar um pouco triste. — É por este, e outros motivos, que tenho uma preferência pelas composições mais tristes e melancólicas. 

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