Prólogo
[Atenção, o livro a seguir contém cenas de tortura física e psicológica.]
"Mais uma jovem está desaparecida em AnderWood. Já é o terceiro caso em duas semanas, e a polícia local tem vasculhado o bosque e os arredores à procura de pistas que possam ajudar nas investigações."
Henry assoviava e batia a ponta da caneta repetidas vezes no balcão de madeira, atento ao noticiário que passava na TV da recepção do hotel o qual ele gerenciava.
Lá fora, o som áspero dos cascalhos sendo arrastados pelos pneus do Chevelle preto no estacionamento fizeram o homem se levantar, e espiar pela pequena fresta da cortina marrom que cobria a janela na lateral da bancada.
Os cabelos loiros da jovem se alvoroçavam com o vento frio daquela noite, enquanto ela descia do carro com uma pequena mala na mão, batendo a porta do motorista e trancando o veículo. Deslizando os dedos pela alça, ela ajeitou a bolsa no ombro e andou em direção à entrada com dificuldade, à medida que seus saltos finos se afundavam nas pedras.
O sino da porta sendo aberta fez Henry endireitar a postura. Os olhos verdes do homem analisaram a mulher dos pés à cabeça, enquanto ela caminhava a passos lentos até o balcão.
— Boa noite senhorita! Seja bem-vinda ao Motel Ander's. — Ele apoiou as duas mãos na superfície e encarou a jovem parada ali na sua frente.
— Boa noite e obrigada! — Respondendo de forma educada, ela depositou as chaves do carro em cima da bancada e conferiu o relógio pendurado na parede que marcava 20:45hrs.
— Em que posso ajudá-la?
— Acabei de chegar na cidade e preciso de um quarto, por gentileza.
— Claro, serão quantas noites? — Henry se virou e destrancou uma gaveta de aço do arquivo, retirando de lá alguns papéis.
— Ainda não tenho uma data definida para sair, vim a trabalho e sem previsão para terminar por enquanto.
— Interessante... Trabalha com o quê, senhorita...? — Ele perguntou enquanto preenchia algum tipo de ficha, esperando que a mulher dissesse seu nome.
— Hellen... Hellen Parker. Eu sou jornalista e vim apurar alguns fatos sobre os assassinatos das últimas semanas com a polícia local.
— Um trabalho desafiador para uma moça tão jovem. — Henry a fitou com curiosidade, empurrando o papel em sua direção para que ela assinasse. Saindo de trás do balcão, ele caminhou em direção a uma extensa escadaria, girando um molho grande de chaves nos dedos.
A jovem ficou alguns segundos hipnotizada, mordendo a ponta da caneta, enquanto observava o corpo forte e bem delineado do homem à sua frente. Ela balançou a cabeça, tentando dissipar certos pensamentos, e terminou de assinar a papelada rapidamente, deixando-as em cima do balcão.
— O jantar será servido por volta de 21:30 hrs no salão principal, que fica logo ali, à direita da escada. — Ele dizia enquanto subia os degraus.
— Ah que ótimo! Só vou tomar um banho rápido e desço em seguida.
Assim que chegaram ao topo, eles viraram à esquerda e pararam de frente a uma porta de madeira com os números 137 gravados em uma pequena chapa de metal, no corredor onde ficam os quartos. Ele a destranca e dá passagem para que Hellen possa entrar.
Assim que passa pelo homem que está apoiado no batente da porta, a jovem sente um arrepio instantâneo por todo seu corpo. Ela tenta controlar a respiração, entrando apressada para o interior do cômodo. Henry era um homem que despertava bastante interesse nas mulheres pelo porte físico, cabelos loiros e olhos esverdeados que possuía.
— Aqui estão suas chaves, senhorita. - Ele estende o braço e deposita o chaveiro na mão de Hellen, deixando os dedos resvalarem nos dela. A jovem morde o lábio inferior e abaixa a cabeça instantaneamente. — No banheiro tem toalhas e produtos de higiene. Caso precise de algo mais, o telefone está ao lado da cabeceira, basta apertar o 0 e a chamada será encaminhada para a recepção.
— Obrigada...?
— Henry.
— Obrigada... — A voz saiu fraca e ela pigarreou, retomando a frase. — Obrigada Henry.
— Não agradeça ainda. — Ele a encara por alguns segundos, sorrindo apenas com os lábios, e sai do quarto logo em seguida, batendo a porta atrás dele.
Hellen dá um pulo com a batida, que no mesmo instante a tira de seus devaneios.
— Juízo dona Hellen, nada de se envolver, chega de problemas. — Diz a si mesma enquanto caminha até a cama, depositando a mala.
Ela se senta na beirada do colchão, retirando a pequena bolsa do ombro e pegando o celular. Desliza o dedo indicador sobre a tela do aparelho e abre o Whatsapp. Desde que pegou a estrada, não havia falado com mais ninguém e a quantidade de mensagens não lidas era grande. Ela passa os olhos superficialmente pelas conversas, joga o celular na cama e finalmente vai para o banho.
Ao entrar no banheiro, ela se apoia na pia e encara seu reflexo no espelho. O rosto está abatido e cansado devido às longas horas de viagem. Ela encosta na parede e com a ajuda dos próprios pés retira o scarpin; se livra das roupas, faz um coque frouxo nos cabelos e caminha pela cerâmica gelada até entrar no box.
O barulho de aço enferrujado ecoa pelo banheiro enquanto ela gira lentamente o registro do chuveiro. Aos poucos, a água morna começa a cair pelo seu corpo e ela fica alguns minutos desfrutando daquela sensação.
Após finalizado o banho, Hellen se enrola em uma toalha e caminha de volta para o quarto. O ambiente era rústico, sem muitos móveis ou decorações, apenas um frigobar velho no canto da parede, o qual fazia um barulho irritante enquanto o motor trabalhava.
Ela para de frente à mala, deslizando os dois zíperes para lados opostos, escolhe uma roupa confortável e se veste, pegando, em seguida a nécessaire de maquiagens, aplicando um pouco de pó, blush e batom. A loira é aquela típica mulher que gosta de chamar a atenção por onde passa, e nunca abre mão de estar bem apresentável. Em cima da cama, o celular acende a luz da tela discretamente; o aviso de bateria baixa aparece no visor. Distraída, Hellen termina de se arrumar e sai do quarto.
Enquanto desce vagarosamente os degraus da escadaria, deslizando os dedos pelo corrimão, Hellen repara na decoração em volta; alguns quadros pendurados com uma quantidade considerável de poeira, uma tintura um pouco desbotada nas paredes e um piso já gasto pelo uso despertam a curiosidade da jovem pela falta de limpeza no local.
Assim que chega ao térreo, ela vira à direita e vai em direção ao salão indicado por Henry. Não havia porta, era um lugar amplo e estava pouco iluminado. Possuía uma mesa de madeira enorme com lugares para acomodar umas vinte pessoas, mas somente Henry se encontrava sentado na ponta.
Assim que avista a jovem, ele se levanta.
— Hellen, me dê a honra de sua companhia. — Ele caminha até ela, parando logo atrás de suas costas, depositando as duas mãos em seus ombros e conduzindo-a em direção a uma cadeira vazia.
— O restante dos hóspedes não virão para o jantar? — A jovem pergunta desconfiada.
Silêncio.
— Não se preocupe com eles, logo aparecem. — Ele sussurra próximo ao ouvido dela.
O lugar era escuro, iluminado somente por algumas velas que estavam acesas em alguns pontos da mesa. Henry puxa uma cadeira, que range ao se arrastar pelo piso, e faz um gesto com a mão para que Hellen se sente.
A jovem se aproxima e aceita o gesto, sentando-se. Henry pega o guardanapo de pano que estava em cima do prato de porcelana e deposita no colo de Hellen, em seguida retornando para seu assento, logo ao lado da mulher.
— Gosta de ostras, senhorita Parker? - O homem pergunta, retirando o cloche de cima da travessa. — 'Bon appetit!'
As ostras estavam dispostas sobre o gelo, em uma travessa metálica grande e redonda, decoradas com algumas fatias finas de limão e cortadas em cruz.
— Então, Hellen, como pretende apurar as informações que precisa? — Educadamente, o homem serve a convidada com algumas conchas, e em seguida se serve.
— Bem, logo pela manhã, irei até à delegacia tentar colher algumas informações. Depois, pretendo conversar com alguns moradores. — A jovem pega uma conchinha e vira na boca.
— E você acha que o delegado irá te ajudar com alguma coisa? — Henry pega uma garrafa de vinho que estava dentro de um balde com gelo e gira o saca-rolha lentamente.
— A polícia não costuma colaborar muito com a imprensa, por isso, pretendo falar com os moradores e ver o que consigo.
— Aqui é uma cidade pequena, as fofocas se espalham distorcidas, então fique atenta, nem tudo é como parece. — O homem vira a garrafa em direção à taça, mas acaba derramando o líquido no colo da jovem.
Hellen dá um pulo quando o líquido gelado ultrapassa o jeans e entra em contato com a sua pele.
— Oh minha nossa, me desculpa! - Henry levanta apressado, pegando um guardanapo e limpando a jovem.
— Tudo bem, tá tudo bem, não se preocupe. — Hellen segura a mão do homem e os dois se encaram. — Eu só preciso de um banheiro pra tentar amenizar isso aqui.
— Claro... É bem ali. — Ele aponta para uma porta que fica mais ao fundo.
— Com licença, eu já volto.
A jovem se levanta e anda pelo salão em direção ao banheiro; ela para em frente à porta que está entreaberta e empurra. Hellen entra dentro do cômodo escuro e um cheiro pútrido faz com que ela leve as mãos ao nariz, tentando amenizar o odor. Seus pés acabam esbarrando em alguma coisa no chão, fazendo-a se apoiar em algo gelado de mármore, que lembra uma pia. Ela passa uma das mãos pela cerâmica fria da parede, procurando algum interruptor de luz, e quando finalmente encontra e acende, o cenário à sua frente é devastador.
Três jovens de cabelos claros, que aparentavam ter entre 20 a 25 anos, amontoadas no chão como se fossem sacos de cimento. Todas estão mortas, com vários cortes pelo corpo, e uma delas estava estripada com as mãos decepadas. O banheiro estava cheio de moscas e todo ensanguentado.
Hellen dá um grito estridente e alguns passos para trás, batendo as costas contra o mármore. Ela se vira num impulso para correr dali, mas Henry está parado na porta, apoiado no batente, com as mãos nos bolsos.
— Eu preciso limpar isso... — Ele diz calmamente, analisando a cena. — Elas eram assim como você, senhorita Parker. — Ele, então, se aproxima da jovem e para de frente a ela, passando os dedos levemente pela sua bochecha.
Hellen o encara com pavor, revelando grandes olhos azuis, que aos poucos vão sendo tomados pelo preto das pupilas dilatadas. Ainda agarrada na pia, suas pernas mal conseguem mantê-la de pé, enquanto o peito sobe e desce rapidamente, soltando o ar desesperado de seus pulmões.
— Vocês, mulheres, acham que podem brincar com o sentimento de um homem como eu. — Henry abaixa a cabeça, e cola sua testa na de Hellen. — Acham que podem nos quebrar e depois tentar consertar de alguma forma... — Os olhos do homem estavam apertados formando linhas grossas em sua testa, como se sentisse dor a cada palavra cuspida. Ele apertou a mandíbula com força, rangendo os dentes, e voltou a falar em tom baixo, porém grave. — Mas antes de consertar, eu acabo com vocês primeiro.
As testas se descolam e ele parte para cima da jovem, emaranhando uma mão em seus cabelos e puxando-a bruscamente. Ela se debate contra o chão, com as duas mãos agarradas na dele, tentando sem sucesso escapar das garras daquele louco.
Henry arrasta a moça por todo salão, em direção a uma porta que dá acesso ao fundo do hotel. Enquanto Hellen faz movimentos bruscos tentando se soltar ele a segura com mais força, caminhando a passos rápidos para a área externa da propriedade. Um pouco mais ao fundo do quintal, uma piscina com cerca de 4 metros de profundidade, vazia e abandonada, se tornará o pior pesadelo de Hellen. Ele se aproxima da beirada e joga a jovem, sem nenhum resquício de piedade.
Um barulho de osso se partindo e um grito alto de dor faz um sorriso se estampar no rosto do louco. Com o impacto da queda, a jovem acaba quebrando a perna e se retorce no chão.
— As noites aqui costumam ser frias... - Parado na borda da piscina, ele desabotoa botão por botão da camisa social preta, deslizando a peça pelos ombros tatuados e largos, deixando à mostra seu abdômen escultural; embola a peça de forma desajeitada e joga em direção à garota. — Se cubra com isso, cortesia da casa.
Ele se vira e sai caminhando tranquilamente para dentro do hotel, com as mãos nos bolsos, assoviando uma música aleatória como se estivesse encarnado o próprio demônio.
Hellen desmaia de dor.
Fugir já não é mais uma opção, agora lhe resta somente sobreviver, cercada apenas por um silêncio terrível e constante.
Mais um dia se inicia na cidade e Henry, como de costume, caminha tranquilamente até à recepção e se senta atrás do balcão, apontando o pequeno controle remoto em direção à televisão presa à parede, ligando-a.
"A polícia procura pistas de mais uma jovem desaparecida em AnderWood. Há mais de dez dias a família de Hellen Parker não consegue contato..."
Neste instante, o sino da porta sendo aberta indica que chegou algum novo cliente. O homem levanta e se apoia no balcão com um sorriso amigável no rosto.
— Bom dia! Seja bem-vinda ao Motel Ander's.
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