Capítulo 4
Assim que passei pelas portas largas de madeira do House Der's, o som ambiente da música country se misturando ao som das conversas alegres de alguns clientes não era algo muito familiar para mim numa sexta-feira, já que normalmente eu estava com hóspedes no hotel.
Durante o pequeno percurso da porta ao balcão, fui cumprimentando alguns conhecidos que estavam por ali. O bar se tornou ponto de encontro da garotada da cidade, mas também era possível encontrar os beberrões mais antigos, que não dispensavam um chopp barato e uma boa rodada de sinuca.
O lugar era bem rústico, como quase tudo em AnderWood. No teto, vários ventiladores giravam sem parar e, nas paredes, vários quadros e letreiros luminosos pendurados. Apesar das inúmeras mesas espalhadas pelo salão, meu canto preferido era o velho balcão. Assim que me aproximei, arrastei um banco alto e me sentei, batucando com os dedos na superfície de madeira envernizada ao ritmo da música, enquanto admirava a grande estante de bebidas variadas atrás de Paul, o qual estava do outro lado preparando seus famosos coquetéis.
— Quem é vivo sempre aparece! — Meu amigo de infância e dono do bar me cumprimentou com um aperto de mãos caloroso.
— Cada vez que eu venho aqui nessa espelunca, essa estante tá mais chamativa.
— E mesmo assim você pede o mesmo de sempre… — Paul me encarava rindo, colocando um copo grande de vidro na minha frente e me servindo com uma boa e velha cerveja.
— Isso se chama bom gosto. — Ao dar o primeiro gole, o frescor do líquido gelado descendo pela minha garganta, me fez fechar os olhos e curtir aquela sensação.
— Paul, dois Texas Tea* pra mesa 3.
Virei meu tronco lentamente para conferir de onde vinha aquela voz. Uma jovem, trajando uma camisa vermelha amarrada na cintura, caminhou em direção ao balcão e parou ao meu lado, depositando ali a bandeja redonda de inox que carregava nas mãos. O cabelo loiro preso em uma trança caía perfeitamente pelo seu ombro direito.
— Se lembra da Rose? — Paul estava parado medindo algum tipo de bebida num copo dosador e me encarando. Levei mais uma vez a cerveja à boca, dando um último gole, e então olhei em direção à mulher.
— Eu deveria?
— Ora Henry, ela é filha da dona Ana Johnson, que trabalhava na cafeteria do Woddy. Depois que a mãe se aposentou, Rose finalmente resolveu procurar trabalho. — A loira fuzilou meu amigo com os olhos, enquanto ele ria divertido e me servia mais cerveja.
— E a pobre coitada veio parar justamente aqui? Corajosa ela… — Paul arremessou o pano de prato que estava em seu ombro em minha direção.
— Vocês dois podem parar com as piadinhas sobre mim, como se eu não estivesse aqui? E eu me lembro de você. — A jovem se aproximou e tocou no meu ombro. — É o dono do hotel da rodovia né...
— Em carne e osso, senhorita… — Disse enquanto arrastava o banco para trás e me levantava. — Agora, se me dão licença, preciso tirar a água do joelho.
Saí caminhando em direção aos banheiros que ficavam no lado oposto de onde eu estava, atrás das duas mesas de sinuca, onde alguns bêbados gritavam e xingavam a cada bola encaçapada. Ao passar pela porta, me apoiei na pia e encarei meu reflexo no espelho. Eu suava frio; arregacei as mangas da camisa branca que usava e me curvei, abrindo a torneira e jogando uma quantidade considerável de água no rosto.
Voltei a me encarar no espelho, enquanto puxava algumas folhas de papel toalha que ficavam no dispenser pregado à parede. Sequei toda a água que escorria pelo meu rosto e pescoço e voltei para o bar. Eu precisava me controlar.
Ao passar pelo salão, acabei notando um clima estranho em uma das mesas que Rose atendia. Havia quatro rapazes sentados, já bastante alterados pelo álcool, e um deles a puxava pelo bolso do jeans, que não lutava contra.
— Algum problema aqui, senhorita? — Parei ao lado da jovem, encarando os quatro homens, que olharam em minha direção e sorriram cinicamente.
— Quer participar da festa também grandão? Se os outros concordarem a gente divide a putinha aí com mais u…
Eu nem dei chance do babaca terminar a frase. Dei um soco bem no meio da cara, fazendo com que ele caísse no chão, e o barulho estrondoso da cadeira se chocando com o piso foi o suficiente pra voltar toda a atenção do bar para nós. Quando os outros três fizeram menção em levantar, alguém parou do meu lado, tentando acalmar os ânimos.
— Já chega, né pessoal? — Paul apontava uma mão para os quatro enquanto colocava a outra no meu peito me empurrando para trás. — Bora Henry, sem confusão aqui.
Me livrei das mãos do meu amigo e saí pisando duro em direção à porta. Já do lado de fora, fui até meu carro e chutei a roda com toda a raiva que me consumia.
— Você enlouqueceu? Quem você pensa que é pra armar um show daqueles? — Rose agarrou meu braço, me fazendo virar e encará-la; ela espumava pela boca.
— Acho que agora é a hora que você diz obrigado, né?
— Obrigado?? Quer que eu me ajoelhe?? Você acha que eu sobrevivo do mísero salário aqui dessa espelunca e gorjetas? — Ela gritava parada na calçada, sem nenhum resquício de vergonha.
— Vocês me dão nojo! São mesmo todas iguais… — Cuspi em direção ao chão e me virei, entrando no carro e dando partida.
Com o cotovelo esquerdo apoiado na janela do buick, a cada dez minutos eu conferia a hora no meu relógio. Meus olhos estavam apertados formando uma linha fina, observando de longe as portas do House Der's. O escuro da noite e minha sede de vingar cada segundo de dor que me foi causado se unificaram em um só objetivo.
Passaram-se três horas desde que eu havia saído do bar. Vi praticamente todos os clientes saírem, inclusive os quatro idiotas, menos ela… Até que as portas se abriram e a vi caminhando para fora, guardando alguma coisa na bolsa pendurada no ombro. Conferi uma última vez a hora no relógio, que marcava 23:49. Esperei que ela avançasse por algumas quadras, dei partida no carro e então a segui.
Na rua deserta, o único barulho que se ouvia era dos saltos de suas botas se chocando contra o chão. O vento alvoroçava seus cabelos, já não mais trançados. Ela caminhava pela calçada apressada, de cabeça baixa, olhando para os próprios pés.
— Muito tarde pra uma moça bonita andar sozinha na rua.
Ela deu um pulo pelo susto e me encarou com raiva nos olhos.
— Você estava me vigiando?
— Vigiando não, esperando…
— E por qual motivo você estaria me "esperando"? — Ela fez sinal de aspas com os dedos enquanto falava.
— Eu não sou muito bom nisso, mas acho que te devo um pedido de desculpas.
— Olha aqui, cara, tanto faz, eu mal conheço você e tô pouco me lixando pro que você acha. Só vaza e me deixa em paz… — Ela começou a andar novamente e eu voltei a segui-la lentamente com o carro.
— Me deixa pelo menos te dar uma carona. O Paul jamais me perdoaria por saber que te deixei por aí sozinha.
— Vai tentar me "salvar" de novo? Dá um tempo, me poupe da sua bondade. E não se preocupe com o Paul, eu mesma aviso que recusei sua carona.
— Tudo que tem de linda tem de burra…
Ela parou na calçada levando as mãos na cintura sem acreditar no que eu tinha acabado de dizer. Em nenhum momento demonstrou medo, era abusada e petulante em todos os sentidos. Deixei o motor ligado e saí do carro batendo a porta. Subi na calçada, parando a poucos centímetros dela, que me olhava com o nariz empinado por ser bem mais baixa que eu.
— Se você encostar em mim eu grito!
— Ah você vai gritar, mas não aqui… — Em questão de segundos, levei minha mão à sua boca e nariz, tampando-os e a agarrando contra meu corpo. Ela se debatia incansavelmente tentando se soltar, mas à medida que o ar foi lhe faltando, seus movimentos incontrolados foram cessando, até que, finalmente, todo o peso de seu corpo caiu em meus braços.
Carregando o pequeno corpo desmaiado de Rose nos ombros, passei pela porta da recepção e girei algumas vezes a chave, trancando-a. Caminhei para o salão principal e fui em direção à mesa. Somente com um braço livre, puxei uma cadeira e coloquei a garota, que automaticamente caiu com o tronco na superfície de madeira. Andei até a outra ponta e me sentei; apesar de odiar esperar, não me restava outra opção.
Aos poucos, Rose foi voltando a si. Com as duas mãos apoiadas na mesa, ela tentava se levantar, aparentemente ainda tonta.
— Como se sente, senhorita Johnson? — Levei minha taça de vinho à boca enquanto ela me observava, piscando repetidas vezes, tentando recuperar a visão.
— Aonde é que eu tô, seu louco?
— A senhorita está no meu hotel, inclusive… — Ergui a taça, brindando com o ar. — Seja bem-vinda ao Motel Ander's.
— Você só pode tá de brincadeira.
Ela se levantou bruscamente, fazendo a cadeira cair no chão e saiu caminhando, ainda desnorteada, pelo salão. Me levantei em seguida e fui seguindo-a calmamente, eu estava sem camisa e descalço, somente com meu jeans preto e a taça entre meus dedos. Devido à pouca iluminação do salão, ela acabou entrando no primeiro lugar que viu.
— Porta errada, docinho. — Passei a mão pela parede, buscando o interruptor, e acendi as luzes, revelando a cozinha. — Inclusive, não gosto de ninguém aqui.
Dei mais um gole no vinho e deixei a taça na pia ao meu lado. Rose estava apoiada numa bancada de mármore logo à frente; fui caminhando até ela.
— Olha aqui, seu desgraçado, eu juro que eu vou grit…
O tapa que dei na cara dela estralou, ecoando por toda a cozinha. Ela levou a mão no rosto e me olhou assustada.
— Vamos começar com a primeira regrinha. — Segurei suas bochechas com a mão, apertando sua pele e fazendo-a olhar para mim. — Regra n° 1: Você vai calar essa sua boquinha.
Passei a mão pelos seus cabelos, agarrei por entre meus dedos e comecei a puxá-la pela cozinha. Ela arranhava meu braço enquanto lutava para se livrar de mim.
— Regra n° 2: — Joguei a mulher contra a pia, parando atrás dela, prensando-a com o meu corpo. Agarrei sua mão direita e coloquei em cima do mármore, segurando-a firme pelo pulso, enquanto abria a primeira gaveta e puxava de lá um cutelo com a minha mão que estava livre. — Você não vai deixar marcas em mim. — Sussurrei próximo ao seu ouvido.
Ergui a mão um pouco acima da minha cabeça, segurando o objeto pelo cabo, e com um movimento único acertei quatro dedos da garota, que deu um grito agonizante pela dor. Soltei a mão decepada que jorrava sangue no chão e agarrei a outra, repetindo o mesmo golpe.
— Regra n°3: — Joguei-a no chão e fiquei a observando se contorcer por alguns segundos. Me livrei do cutelo e peguei uma faca de cabo branco que estava na mesma gaveta. Puxei o pano de prato pendurado na parede e comecei a passar pelo meu peito e rosto, limpando as gotas de sangue que havia respingado em mim. — Nenhuma mulher como você merece viver.
Me curvei e a agarrei novamente pelos cabelos, arrastando-a pelo chão da cozinha e deixando um rastro vermelho pelo caminho.
— "And i was thinking to myself, this could be heaven or this could be hell…" Conhece essa música, senhorita Johnson?
À medida que eu cantarolava, a melodia da canção se misturava ao choro já quase que inaudível da garota. Parei de frente o banheiro do salão e empurrei a porta que estava entreaberta. Larguei-a num canto do cômodo e me agachei do seu lado.
— "Welcome to the hotel california, such a lovely place, such a lovely face…" — Passei a ponta da faca por toda a bochecha, descendo pelo pescoço até chegar à jugular. Pressionei a ponta com força e encarei os olhos azuis de Rose perdendo a vida. Em questão de segundos, senti a poça de sangue atingir meus pés. Soltei a faca no chão e me levantei, erguendo a barra da calça para não a sujar.
— Eu lavei essa droga de banheiro ontem.
Apaguei a luz e bati a porta atrás de mim.
Henry balançou a cabeça como se quisesse afastar as lembranças daquela noite. Ele guardou rapidamente o pedaço de papel com o nome de Rose no envelope e enfiou na gaveta, trancando-a.
*Texas Tea: Bebida texana feita de tequila, rum, vodka, gim, wisky, xarope de açúcar com limonada e coca-cola.
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