Capítulo 18
Quando o dia seguinte chegou e Érica se sentou na mesa onde os colegas tomavam o pequeno-almoço, era imediatamente óbvio que havia ali algo de errado. As conversas pararam e todos os olhos se viraram, em uníssono, para ela. Ainda mal tinha puxado a cadeira para se sentar, e já estava desconfortável.
–Que foi? –perguntou.
Alma virou a sua atenção de volta para a comida —uma triste tosta branca com feijão— e o resto do grupo seguiu-lhe o exemplo.
–Nada, –garantiu Márcio.
Ela ergueu uma sobrancelha, mas não se atreveu a dizer nada. Tinha algumas suspeitas do que estava a acontecer ali, mas não queria dar à reencarnada nada que pudesse usar em seu favor.
–Já agora, queres-nos ajudar a traduzir um texto em latim?
–Edu! –Anastácia pontapeou-o sob a mesa e, sobre ela, parecia absolutamente ultrajada.
–Que foi? –exclamou o loirinho, ainda mais surpreendido que a outra.
E os olhares que voaram sobre a mesa garantiram a Érica que a reencarnada tinha contado a todos.
A sério, ela tirava os olhos da reencarnada por uma noite, uma noite só e, na manhã seguinte, tinha logo que lidar com isto tudo? Será que não ia mais poder relaxar por um momento que fosse?
–Ok, o que é que me estão a esconder? –Érica cruzou os braços e encostou-se para trás. Quando os colegas hesitaram, acrescentou –fizemos uma promessa de que não ia haver segredos, não foi?
–São só devaneios de Anastácia, –disse Alma.
–Pois, –concordou Eduardo. –Vês, estás errada, –disse para a reencarnada. –Ela não sabe nada sobre esse feitiço.
–Qual feitiço?
–A Anastácia acha que tu conheces o feitiço dos sonhos dela. Ou melhor, que já o conhecias, –encobriu Márcio.
Érica olhou a colega com cuidado, à procura de alguma quebra na ilusão, algo que lhe dissesse o que a outra estava a pensar. Mas Anastácia só cerrava os lábios com força, silenciosa.
–Nós combinamos que não haveria segredos, não foi? –disse ela, baixinho. Isso fez a outra hesitar.
–Tu não estás a esconder nada de nós, Érica? –perguntou Eduardo, casual. Meteu uma garfada de comida à boca, ainda olhando para ela.
Érica abanou a cabeça. –Eu cumpro as minhas promessas.
O loirinho fez uma careta, mas Alma e Márcio sorriram. Érica virou o olhar para a reencarnada, cuja resolução estava a fraquejar. Acreditava nela?
–Está bem, –sussurrou Anastácia. –Estamos a tentar ajudar o fantasma de Arabela; bem, eu estou, desde as férias. E pensei que tu talvez pudesses ajudar. Mas não te queria pedir nada porque és externa e, se quiseres fugir deste problema, podes sempre ir-te embora; mas nós não. E porque costumamos fazer este tipo de coisas durante a noite. E porque...
Ela não o negaria: aquela era uma boa desculpa. Fez beicinho –Pois! Agora só me querem no grupo porque precisam da minha ajuda, é?
–Sim, –admitiu Eduardo. Márcio deu-lhe um encontrão no braço, mas isso só fez o loirinho rir. –Que é? Quem diz a verdade não merece castigo!
Bem, sim. Já estava a ficar suficientemente difícil catalogar as suas próprias mentiras, não lhe apetecia nada acrescentar-lhes as dos outros.
–Tudo bem. Do que precisam?
–Foi tão fácil assim? –comentou Alma. Érica ignorou-a.
–Primeiro de tudo, o que é que sabes sobre... –Anastácia tirou um lápis e rascunhou um pequeno símbolo sobre o guardanapo. –...isto?
Ela ergueu uma sobrancelha, virando o desenho para si. –É a tua marca de nascença?
Anastácia abanou a cabeça. –Não. Quer dizer sim, mas não só. É uma parte do ritual que a matou, é a indicação do feitiço. Não me parece ser um diagrama...
Érica ponderou o que dizer. Se eles não sabiam nada daquilo, podia bem mentir, inventar uma história qualquer para o significado do símbolo, distraí-los e levá-los pelo caminho errado. Ou podia só dizer que não o conhecia, que não fazia ideia.
Mas ela teria de alguma maneira os convencer a fazer o ritual que já tinha preparado, e talvez a forma mais fácil disso fosse convencê-los de que era tudo ideia deles.
–É a chave de Ankh. É um símbolo egípcio que simboliza a vida e, em parte, a chave do mundo dos mortos, –respondeu. Depois deslizou o papel de volta a Anastácia. Estava séria. –O que raio é que vocês andam a fazer para precisarem disto?
–Espera, –interrompeu Alma, virando-se para Anastácia com um brilho matreiro no olhar. –Viste o ritual? Viste onde é que eles tiveram de marcar a instrução, o símbolo?
Taci acenou. Garantidamente, já tinha pensado naquilo antes. –Sim. E sim, é no mesmo sítio onde eu tenho a marca.
–Que achas que isso quer dizer? –perguntou Alma. –Pode ser que estejam de alguma forma ligadas? Se calhar é por isso que tens os sonhos!
–Disseste que havia três pessoas no sonho, certo? –perguntou Márcio.
–Eu e mais dois amigos, sim. Bem, não sei se são amigos, tendo em conta tudo o que aconteceu...
–Eles também marcaram o símbolo, certo? E se tu estiveres ligada a um dos outros dois, e for por isso que Arabela está interessada em ti?
–Achas que eles também estão aqui presos? –perguntou Márcio, receoso.
–Se estivessem, saberíamos, não achas?
Anastácia demorou a responder, demorou a processar a informação. Acenou lentamente com a cabeça, e depois virou o olhar para Érica. –Podes-nos traduzir o texto do feitiço? Está em latim, e eu tenho estado a passar pequenas partes, mas demora imenso. Não sei como nem porque é que és fluente, mas...
Érica acenou com a cabeça, nem deixando a outra terminar. –Eu faço-o. Mas com uma grande condição: têm que me jurar, por tudo o que vos é sagrado, que não vão fazer seja o que for que está lá escrito. Se precisa de brincar com a vida e com a morte, é porque não é seguro.
–Prometo, –disse Anastácia, sem nem sequer hesitar. Alma e Márcio seguiram-lhe, mas Eduardo demorou, fazendo-se de distraído pela pouca comida que ainda lhe restava no prato.
–Estou a falar a sério. –Olhava diretamente para ele. –Não sei o que é que te está a passar pela cabeça, ricaço, mas tens de prometer. É perigoso.
–Como é que sabes isso? Ainda nem sequer leste o texto.
–Não preciso, –garantiu ela, mais séria ainda. –Há consequências, graves consequências em mexer com coisas deste género. E eu não quero que vocês se magoem por minha causa.
Érica surpreendeu a si mesma com a honestidade das suas palavras. Era verdade. Ela não queria que os colegas se magoassem por causa dela.
–Como é que sabes isso?
–Eduardo! –queixou-se Márcio.
Isso pareceu chegar-lhe, porque o loirinho ergueu os olhos do prato, e até pousou o garfo antes de olhar com atenção para Érica. Com a expressão mais verdadeira, menos gozona que ela alguma vez lhe tinha visto na face, ele disse –Prometo.
Érica ainda hesitou por um segundo, mas acabou por acenar com a cabeça. –Está bem, então. Vamos ter ao sítio do costume, depois do almoço? Vou comer a casa, hoje, mas tentar voltar cedo. Algo me diz que vou precisar do tempo.
Anastácia sorriu. –Obrigada.
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