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Capítulo 17

–Chegaram a alguma conclusão, durante as férias? –perguntou Alma, sentada num dos sofás do sótão. Ia comendo bolachinhas de manteiga caseiras de dentro de um saco de pano que tinha trazido para a escola como um último pedacinho de casa. Pelas expressões que os colegas faziam, pareciam mesmo deliciosas.

Márcio abanou a cabeça, com as bochechas cheias como as de um esquilo. –Não fizemos nada. Prometemos que não íamos fazer sem vocês.

Érica olhou em volta. Eduardo acenava solenemente com a cabeça, confiando nos colegas, e Alma torceu o nariz em dúvida. Anastácia remexeu-se desconfortável no seu sítio, mas podia bem ser que estivesse só a sacudir a saia daquelas migalhas todas.

–Não acredito que voltaram a montar este sítio quando eu estive fora! –queixou-se Érica, inclinando-se mais para trás por entre as almofadas espalhadas pelo chão.

Eduardo ergueu uma sobrancelha, acabando de mastigar e engolir antes de falar. –Se não acreditas é porque não nos conheces tão bem quanto devias.

–A sério, até parece que nada aconteceu. –Ela, obviamente, ignorou-o.

–Pois. Mas eu até gosto deste sítio, –disse Alma, olhando em volta e, talvez sem nem pensar, pegando em mais uma bolacha. –Não quero que o deixem de usar por minha causa.

–Falando nisso, podemos todos fazer uma promessa uns aos outros? –perguntou Márcio. Aquilo suscitou o interesse do grupo; os olhos viraram-se todos para ele e Alma até parou de mastigar. Ele encolheu-se quase impercetivelmente sob o escrutínio, mas isso não o impediu de continuar o seu apelo. –Podemos prometer que nenhum de nós vai fazer magia sem os outros? Estamos nisto juntos. E, se todos precisarmos de concordar antes de lançar feitiços mais complicados, isso vai fazer com que não haja mais acidentes, certo?

Eduardo anuiu. –Certo. Nós sabemos que isto é perigoso, mas isso é só mais uma razão para trabalharmos todos juntos.

–E assim também vamos conseguir fazer projetos mais complexos sem correr tanto risco! –acrescentou Alma. –Espero bem que concordem com as coisas que eu sugerir mas, com essa ressalva... –Ela esticou-se e pousou a mão sobre a mesa de centro. –Digo que sim.

–Nada mais de esconder coisas uns dos outros, está bem? –disse Eduardo, sacudindo as mãos antes de colocar uma sobre a de Alma. –Não gosto de ficar fora da ação.

Márcio riu-se. –Não, não gostas. E eu acho óbvio que concordo com a minha própria proposta. –Pôs a mão sobre a do outro.

Anastácia remexeu-se um pouco mais no assento, desconfortável. Olhou entre os colegas, hesitando, erguendo a mão devagar enquanto ponderava se devia aceitar aqueles termos. Mas assim que olhou para Érica, a sua expressão alterou-se, ela levantou-se do lugar para pôr a mão sobre a do grupo e, olhando diretamente para ela, disse –Nada de segredos.

–Nada de segredos... –repetiu Eduardo, com uma pontada de dúvida na voz. Não era difícil adivinhar em que pensava: de certeza que era sobre o encontro misterioso sobre a tradução de um certo feitiço em latim que Anastácia tinha parecido tão hesitante em partilhar com o grupo. E, pela forma como olhava discretamente entre ela e Érica, notava-se bem que não sabia o que pensar. Talvez ainda houvesse tempo de o convencer a vir para o lado certo.

–Então, Érica? –disse Alma, chamando-a de volta à realidade. Por um momento, tinha-se esquecido que estava novamente física, que Anastácia não estava só adivinhar a sua posição, como já era costume, e que estava mesmo toda a gente a vê-la. Um erro que poderia ser perigoso, se se tivesse desleixado e deixado desaparecer.

Podia estar a castigar-se em pensamentos, mas isso não a impediu de sorrir docemente e de erguer ambas as mãos. –Eu não posso fazer magia, lembram-se? –disse, abanando-as. –Não sei porque haveria de ter poder de decisão sobre os feitiços que vocês fazem.

–Talvez porque tu és a única pessoa aqui que sabe o que faz? –sugeriu Eduardo.

–Vá lá, junta-te! –disse Alma. –Estou a ficar com a mão toda suada.

Érica riu. –Se insistes.

E, a cada movimento que fez para se levantar de entre as almofadas e a cada passo que deu para se aproximar do empilhado de mãos sobre a mesinha de centro, não tirou os olhos de Anastácia.

–Nada de segredos, –disse, esperando soar alegre o suficiente para que apenas a reencarnada percebesse a ameaça, pontuada pelo leve apertar da mão abaixo da sua.

Anastácia tremeu um pouco, mesmo quando Érica, Alma e Márcio soltaram um viva ao libertar as mãos. Eduardo juntou-se ao coro, sem grande entusiasmo, com os olhos semicerrados em direção à reencarnada.

Aquilo não era tão mau para Érica quanto Anastácia parecia ter inicialmente pensado. Era mau fazer uma promessa para depois não a cumprir? Claro. Mas Érica nunca poderia contar a verdade toda ao grupo, fosse como fosse, e esconder mais um ou menos um segredo pouca diferença lhe fazia. Mas Anastácia? Anastácia era uma mulher de honra, uma miúda honesta, uma rapariga de bem. Se esconder o que sabia dos colegas não lhe estava já a pesar na consciência, de certeza que o faria a partir desse momento. E, quanto mais a via, mais certeza Érica tinha de que ela escondia muita coisa.

Com sorte, ela tinha conseguido esconder ou destruir tudo o que pudesse ser útil à reencarnada. Mas agora, mesmo com azar, ela ver-se ia, mais cedo ou mais tarde, a partilhar tudo com os colegas. E Érica fazia parte dessa promessa. Estaria lá nesse momento.

–O dia está-se a acabar. –Ela não se voltou a sentar sobre as almofadas. –Por mais divertido que seja estar convosco, eu tenho mesmo de ir.

Eduardo deu um aceno frouxo na sua direção, e Alma e Márcia despediram-se em condições. Mas Anastácia não teria nada a ver com isso.

–Eu vou contigo.

–O quê? –perguntou Érica.

A outra encolheu os ombros. –Eu levo-te ao portão.

Érica quis protestar mas, sob o olhar atento de Eduardo, só encolheu os ombros. –Não vejo porque não. Anda.

Por mais que, por fora, ela estivesse a ser a representação física da calma, por dentro tinha a mente num rebuliço infindável. O que é que a reencarnada lhe queria? E, a cada passo que davam escadas abaixo, a cada momento que passavam naquela arrecadação escura à espera de que ninguém estivesse lá para as ver sair, ela só conseguia imaginar justificações piores e piores ainda para aquilo.

Oh não. E ela não podia sair da escola, não sem ter de sofrer as consequências de ter o universo a puxá-la de volta lá para dentro pedaço a pedaço. Seria isso que ela queria?

– O que fizeste nas férias, –foi a primeira coisa que a reencarnada lhe perguntou, quase casualmente, como se não fosse capaz de sentir a tensão palpável no ar à medida que avançavam juntas por aqueles corredores afora.

–Honestamente, –respondeu ela, de forma nada honesta, –estive de castigo o tempo todo. Os meus pais continuam fora, mas assim que a governanta os conseguiu contactar, mandaram logo de volta uma lista completa de instruções de como me punir.

Anastácia até parecia ter pena dela. –A sério? Nem quiseram saber se estavas bem?

Érica encolheu os ombros. –Já estou habituada. Juro que se eu morresse eles nem iriam ao meu funeral.

Anastácia olhou-a por um momento, antes de se arrepender e voltar os olhos para o caminho que faziam de volta ao átrio da escola.

Avançaram por mais um bocado, em silêncio. Érica não se atrevia a começar ela uma conversa, por medo de dizer algo de errado, e a reencarnada estava perdida numa ginástica mental qualquer, a julgar pelas expressões faciais que fazia. Quando finalmente falou, garantiu primeiro que cada sílaba era enunciada perfeitamente, como se tivesse praticado aquilo um milhar de vezes mentalmente antes de se atrever a dizê-lo em voz alta.

–Como é que sabes tanto do projeto?

Érica foi tão apanhada de surpresa que até riu. –É só isso?

A outra franziu o cenho. –Como assim é só isso?

–Pela forma como estavas a olhar para mim, até parecia que me ias assassinar ou coisa do género!

–Nunca! –queixou-se Taci, com a face retorcida numa tal expressão de choque que Érica até esteve quase para acreditar nela. Ou para se rir.

–Relaxa, –respondeu, agarrando o corrimão enquanto descia as escadas do átrio. –Eu estou vivinha da silva, e planeio em assim continuar. Mas o que é que te deu para te lembrares disso agora? Aconteceu alguma coisa durante as férias?

–Não, –respondeu ela, um pouco agressiva demais.

Érica abanou a cabeça. –Vá lá, acabamos de prometer que não íamos guardar mais segredos, não é? O que aconteceu?

A cara da outra ficou vermelha. Felizmente para ambas, tinham acabado de chegar à porta da escola. Infelizmente para Érica, tinha que inventar uma desculpa qualquer para a reencarnada não garantir que ela saía mesmo da escola.

–Eu levo-te ao portão, –disse Anastácia, não querendo que a conversa acabasse ali.

Érica abanou a cabeça. –Está a chover, –constatou. A verdade é que aquilo não passava de uma chuvinha molha-tolos, e ir até ao portão e voltar era uma viagem de poucos minutos. Não era lá grande desculpa.

–Não me importo, –disse a colega, abrindo a pequena porta de madeira embutida na maior. Estava assim construída exatamente para que o frio não pudesse entrar todo de uma vez, mas isso não impediu a reencarnada de levar com uma rajada de vento logo no focinho. Estava um gelo lá fora!

–Fecha isso! Temos de esperar por Harlan e temos, que ele vem de boleia comigo. –Empurrou a porta para a fechar, e a outra não resistiu. –Conhecendo-o, deve estar enfiado num canto qualquer a ler e distraiu-se com as horas. Vou procurá-lo.

Mas a outra, não a querendo deixar ir, agarrou-lhe o braço. Érica soltou-se imediatamente, reagindo por instinto, e silvou-lhe de tal forma que a reencarnada ficou congelada de medo. Mas Érica sabia lá o que é que ela teria sentido! Achava que estava física, mas aquilo aconteceu tão rápido que lhe seria impossível ter a certeza.

–Só te ia pedir para ficares aqui, –disse Anastácia, quase num sussurro. Tinha as mãos erguidas em rendição.

Não devia mesmo ter tocado em Érica.

–Eu não sei onde ele está, e também não quero chegar a casa demasiado tarde.

Anastácia baixou as mãos devagar, mas não relaxou. –Vá lá? Ele lê tão rápido que não deve demorar a aparecer por aí.

Érica sorriu. Pois, com isso concordava.

Desde que não tivesse que sair do portão da escola, ficaria bem. E por agora, quanto menos suspeita agisse melhor seria para ela.

–Está bem, –cedeu. –Estavas-me a contar sobre o que aconteceu durante as férias?

Anastácia relaxou infinitesimamente, quase sorrindo. –Não, tu estavas-me a contar o porquê de não conseguires fazer o projeto.

Ela abanou a cabeça, sorrindo. Encostou-se à parede, fazendo por relaxar na esperança de que Anastácia fizesse o mesmo. –Não me lembro de nada disso.

Funcionou. Bem, pelo menos parcialmente. A colega também se encostou à parede, mas com o ombro, não com as costas, provavelmente para ainda manter sob olho, e a uma distância que, noutras circunstâncias, poderia até ser considerada rude. –A séria, –disse, baixinho. –Disseste que houve um feitiço que correu mal e que desde aí não conseguiste fazer mais nada, certo?

Érica demorou até acenar com a cabeça, tentando-se lembrar da mentira exata que tinha contado há tanto tempo atrás. Será que aquilo era uma armadilha? –Certo.

–Nós vimos o que aconteceu à Alma quando alguma coisa correu mal. Só alguém louco ou desesperado faria algo daquele tipo e, ouvindo as precauções todas que nos tentas obrigar a seguir, não consigo... –A mais pequena hesitação. – imaginar-te a fazer algo assim.

–Tento?

Anastácia riu, relaxando um pouco mais. –Achas mesmo que alguém as segue quando não estás cá?

Érica abriu a boca para tentar retaliar, mas, sejamos honestos, contra factos não há argumentos. Voltou a fechá-la sem dizer nada, o que só fez Taci rir mais.

–Nunca explicaste como é que aprendeste, nem quando, nem porquê. Acho que estou só curiosa quanto a tudo isso, –continuou ela.

Érica resmungou. –Isso não tem nada contigo. Já pensaste que eu se calhar sou tão cuidadosa assim exatamente por causa de coisas que correram mal?–Anastácia desviou o olhar. Érica suspirou. –Não sei porque é que isto veio à tona agora, mas se calhar é mesmo melhor tirares o nariz das coisas que não te pertencem.

–Não é preciso seres rude, –respondeu-lhe ela. –Não te queria ofender.

Érica fechou os olhos por um momento, e depois desviou a cara. Fingia dor. Realmente, aquilo era surpreendentemente fácil de se fazer. As mentiras misturavam-se com a realidade e, por mais que isso as tornasse mais credíveis, ela não gostava de brincar com os seus próprios sentimentos. Só com os dos outros.

–Aconteceu alguma coisa? –Anastácia estava quase a pousar-lhe a mão no ombro, num gesto de conforto mas, felizmente para ambas, reconsiderou a tempo.

–Foi há muito tempo, –garantiu Érica. –Não importa. Mas tenham cuidado com o projeto, está bem? Às vezes as coisas acabam mesmo mal.

Anastácia parecia compreender.

–Bem! –disse Érica, desconversando. –Já te disse o que queres saber. Agora é a tua vez: qual é este grande segredo do que estiveste a fazer nas férias?

Ela pareceu quase ofendida com aquilo. –Tu não me disseste nada!

–Isso é completamente irrelevante. Agora: conta!

Isso voltou a pôr Anastácia tensa. Ela abanou a cabeça. –Só mais sonhos estranhos, é tudo.

Érica ergueu uma sobrancelha. Ela não achava mesmo que a reencarnada lhe confessasse o que tinha visto naquele sótão assombrado, mas também não estava à espera daquilo. O que é que os sonhos teriam mostrado à reencarnada para a pôr assim tão curiosa?

–Voltaram?

Anastácia encolheu os ombros. –Nunca saíram. Acho que só me habituei.

–Alguma coisa de interessante? –Virou-se para ela, sussurrando como se de um segredo se tratasse. Esperava que o seu interesse parecesse inocente e genuíno, que a outra não soubesse as razões dele.

–A mesma coisa de sempre. Normalmente, apenas cenas da vida de Arabela, ela a ter aulas e aprender magia e a fazer tudo o que nós fazemos, só que há oitenta anos atrás. É um bocado esquisito acordar e lembrar-me que sou eu, não ela. E sempre com a marca de nascença a doer.

–Não achas que se calhar és ela?

Os olhos da reencarnada abriram-se muito, mas ela tentou logo disfarçar. –Tipo reencarnação? Não pode ser. Se ela está presa como fantasma na escola, não pode ter reencarnado. Não faz sentido!

Pois, não fazia, se se acreditasse que as premissas estavam certas. Mas Anastácia não parecia estar a partir desse princípio.

Érica encolheu os ombros. –Pois. Era uma boa teoria!

A outra lançou um riso forçado. –Pois.

–O Harlan continua a não aparecer, –queixou-se Érica. Claro que ele não apareceria. A esta hora, já devia estar trancado na salinha secreta, lendo. –Está a ficar tarde. Eu tenho mesmo que ir à procura dele.

–Eu vou contigo.

–Não vale a pena, –garantiu ela. –Vocês também estão quase a ter que ir jantar, e eu já te roubei mais tempo do que o necessário. Vejo-te amanhã?

–Mas...

–Até amanhã! –disse Érica, nem sequer esperando por uma resposta antes de andar acelerada até um dos corredores de salas que, a estas horas, já deviam estar vazios. Ela só precisava de um cantinho discreto onde ninguém a pudesse ver desaparecer.

Nem se lembrou de ver se a reencarnada a tinha seguido mas, felizmente, já estava a flutuar invisível antes de ela sequer virar a esquina.

Érica teria de ter mais cuidado. A colega estava a ir de "ligeiramente irritante" para "perigosa" mais rápido do que seria espectável. Ali havia gato, e a única coisa que ela podia fazer era esperar que estivesse escondido com o rabo de fora para que ela o pudesse tirar do saco de vez. Realmente, a viva tinha sido surpreendentemente boa a esconder os seus segredos de uma presença que, tanto quanto ela sabia, podia sempre estar consigo, mas Érica estava agora a trabalhar para mudar isso.

Por isso, enquanto Anastácia se foi juntar aos colegas antes de ir para a cantina, Érica aproveitou para dar um saltinho ao quarto dela.

Já fazia algum tempo que não ia lá. O papel que antes o identificava tinha sido dali tirado, mas ela tinha atravessado aquela porta vezes suficientes para não se perder. Por dentro, o quarto parecia exatamente igual. O lado de Ulisse estava menos desarrumado que da última vez, mas a cama continuava desfeita e os sapatos espalhados pelo chão. Por contraste, a cama de Anastácia estava imaculadamente feita, com a almofada bem batida e uma única muda de roupa passada e dobrada aos pés da cama. Os sapatos estavam alinhados sob a cama, junto com as malas já há muito vazias.

Mas a secretária estava coberta de papéis, de trabalhos, de notas e desenhos. Érica pensou que fosse do estudo: a de Ulisse estava completamente vazia, e ela sabia que essa colega costumava passar o tempo a estudar na biblioteca ou nos jardins, quando o clima deixava.

Claro que Érica se pôs logo a remexer naquilo tudo. Tinha de haver alguma coisa de útil entre todos aqueles papéis não tinha? Entre as notas de história, de matemática, de filosofia... de latim e de grego? Não achava estranho que houvesse feitiços ali pelo meio, que houvesse páginas de notas em como criar diagramas para eles ou de variações de pagamento. Na verdade, nem se deu ao trabalho de os ler a todos. Havia ali páginas de um jornal desbotado, montes de anotações sobre ele, mas nada que Érica não soubesse já que a reencarnada tinha.

Desta vez, a outra tinha sido ligeiramente mais inteligente que antes. Ou mais paranoica? Fosse como fosse, as gavetas da secretária estavam trancadas e, mesmo depois de muito bisbilhotar, Érica não conseguiu encontrar a chave. Infelizmente para ela, a fantasma não tinha nenhum problema em abrir fechaduras que não lhe pertenciam.

Uma das gavetas estava cheia de lápis, canetas e outras coisas que tais, todas organizadas por cor, por tipo e por tamanho. Típica Anastácia. A segunda tinha livros da escola, para ali atirados quase ao acaso. Isso, para Érica, cheirava a turro, e por isso claro que se pôs a remexer e a procurar mais a fundo.

Bingo. Estava tudo assim posto para tentar esconder o diário de sonhos. No fundo daquela pilha desempilhada, o modesto caderno quase que passava despercebido. Se não soubesse do que estava à procura, Érica talvez nem sequer o tivesse encontrado!

Érica sabia que a outra tinha ficado paranoica, mas não tinha percebido o quanto até aquele momento. Além de trancado, além de escondido debaixo daquela distração toda, o diário estava escrito em código. Ou talvez já nem fosse um diário? Não havia nada que se parecesse com datas, símbolos codificados ou não, mas havia a cópia de vários feitiços diferentes, alguns já passados a limpo, uns codificados e outros não, uns acompanhados de ilustrações e diagramas. Havia gotas de sangue, pequenos cortes de papel em algumas das páginas. Aquele caderno parecia ter sido mesmo muito usado —e muito discretamente, acrescente-se, para ela não ter reparado— desde que Érica o tinha visto da última vez.

Passou as páginas uma a uma. Bem, para quem tinha começado por ter uma aversão à magia, Anastácia tinha realmente mudado. Érica reconheceu alguns dos feitiços, ou pelos diagramas ou pelo facto de não estarem codificados. Uns feitiços que a faziam poder ver através de ilusões, outro que permitia ver "a verdade", significasse isso o que significasse. O feitiço que magoou Alma, aquele que a devia deixar ver o passado. Muitos e muitos capítulos e notas sobre assombrações, fantasmas, almas penadas. Vezes e vezes sem conta, o feitiço que matou Érica. Um que lhe permitiria falar com as almas dos mortos, que Érica nunca tinha visto funcionar. E, surpreendentemente, a reencarnada parecia ter sido honesta quanto a querer ajudar o fantasma de Arabela, porque, entre as páginas gastas, escritas e apagadas e voltadas a escrever, estava um feitiço similar aos primeiros rascunhos do que Érica andava a criar. Um que a deixaria sair dali.

Ela quase sentiu uma pontada de culpa, quase. Talvez Anastácia a quisesse mesmo ajudar? Talvez...

Oh não.

Érica estava agora a vasculhar naquele bolsinho colado ao interior da contracapa que o caderno tinha. Aquilo, sim, era preocupante. Nenhum dos feitiços era tão problemático para ela quanto àquela coleção de papéis.

Recortes do obituário de Arabela. Uma pequena fotografia da defunta, mais nova e muito mais sorridente. Notas que tinham passado nas aulas. O símbolo de Anhk, a chave da morte, que tinha sido parte do processo que matou Arabela e que .

Uma fotografia de eles os três, juntos.

Érica tinha as mãos a tremer. Não. Não! Aquilo não podia ser! Estava a correr tudo tão bem, estava a correr tão bem, porque é que a reencarnada andava a meter o nariz onde não lhe pertencia? Se não tivesse cuidado, ia acabar sem ele! Oh, como apetecia a Érica arrancar-lho da cara!

A foto era velha. Era antiquíssima. Estava desbotada pelo tempo, com as bordas a quebrar. Harlan já mal tinha cara, e a de Érica tinha sido tornada irreconhecível por causa das dobras e desdobras que aquele papel tinha sofrido ao longo dos anos. Onde raio é que a reencarnada tinha sequer encontrado aquilo?

Érica empurrou o caderno para dentro da gaveta, fechou-a com um baque, lançou a fotografia por debaixo da porta antes de a atravessar para a poder apanhar do outro lado e, com ela amassada na mão, flutuou rápido demais pelos corredores e para lá para fora, para poder entrar na salinha escondida com ela na mão.

Harlan era a única pessoa que a podia acalmar naquele momento. E, pela sobrevivência da reencarnada, ela devia rezar para que ele o fizesse.

O pânico crescia-lhe no peito, imiscuído com raiva e tristeza e luto e sabe-se lá bem mais o quê. Estava tudo a cair aos pedaços! Estava tudo a cair aos pedaços, e tudo por causa daquela abelhuda intrometida que não tinha nada que ver com nada. Depois daquele tempo todo, depois de todo aquele tempo, Érica só queria uma coisa: sair daquela maldita escola. Seria isso pedir demais?

Abriu a janela de rompante, sem cerimónias.

–Raios, credo, o que estás a fazer?

–Ela sabe, –disse ela, fechando a janela atrás de si.

–Ela quem? Sabe o quê?

–Ela sabe, –repetiu Érica, atirando o velho pedaço de papel sobre o colo de Harlan, por cima do livro em que ele estava a trabalhar.

E ele? Ele estacou no lugar imediatamente ao ver aquilo. Baixou o lápis devagar, devagarinho para depois, com as mãos trémulas, pegar a fotografia pela bordinha e a olhar mais de perto. Parecia que não acreditava no que os próprios olhos lhe estavam a dizer.

–Onde é que encontraste isto?

–Dentro do caderno de Anastácia.

Ao contrária do que Érica estava à espera, Harlan não a repreendeu por andar a remexer nas coisas de outrem. Nem tampouco ergueu os olhos para a olhar, para ver o seu medo e desespero por ter encontrado aquilo. Estava focado apenas na fotografia, passando-lhe os dedos por cima como se para garantir que era real, que era física, que existia mesmo.

Depois, sussurrou. –Porque é que tinhas que ir remexer assim no passado?

Érica fechou os olhos, tentando acalmar-se. Harlan não tinha culpa de nada daquilo. Tinha sido arrastado com ela, ele estava certo quanto a isso; e a fotografia parecia estar a magoá-lo a ele muito mais que a Érica. Talvez porque Érica odiava Arabela; tinha-a odiado desde o momento que percebeu que era por causa da covardice dela que estavam todos mortos.

Mas Harlan? Harlan ainda a amava. A morta ainda era para ele uma amiga que tinha perdido num acidente trágico, demasiado nova, e a ferida ficava fresca sempre que ele sequer se lembrava dela.

Se aquilo irritava Érica? É claro. Tinham problemas muito maiores e muito mais prementes que um pedaço de terra que um dia tinha sido um corpo humano. Mas não se atreveria a dizer nada disso em voz alta. Harlan tinha direito à sua dor. Deus sabia que Érica também tinha a sua.

Por isso só se deixou flutuar, sentada no ar, esperando que ele decidisse falar. Se não o fizesse, ela esperaria na mesma.

Não demorou muito até que ele aclarasse a garganta —o que não funcionou quase nada. Quando ele falou, ainda tinha a voz embargada— e lhe perguntar –Onde é que encontraste isto?

–Dentro do caderno de Anastácia, –disse ela. Ele ainda não tinha erguido os olhos do velho pedaço do papel, talvez por não querer que a amiga lhe visse a expressão.

–Há mais?

Érica hesitou. –Não encontrei mais, mas é possível.

Ele acenou com a cabeça, e depois ergueu-a finalmente. –Não fazes ideia onde ela a possa ter arranjado?

Ela acenou que não com a cabeça. Ele deu outra olhada à fotografia, e depois virou-lhe a face contra o caderno que tinha ao colo, talvez para não ter mais que a ver.

Mas, ao ler a qualquer nota escrita no verso, a expressão mudou-se-lhe. Aquilo não era mais dor, aquilo era raiva. E, num segundo, a velha fotografia estava rasgada em pedaços sob as suas mãos.

Érica levou uma mão à boca aberta.

Ele era sempre tão meticuloso em guardar tudo, um verdadeiro crente no poder do conhecimento. Em todo o tempo que o tinha conhecido, a única outra vez em que tinha destruído fosse o que fosse, tinham sido os livros que levaram à sua morte. Mas uma fotografia antiga? Uma última memória de alguém com quem ainda se importava? Nunca!

–Vais-me dizer o que é que a reencarnada estava a fazer com isto? –Ergueu o punho cerrado com a maioria dos fiapos de papel lá dentro.

–Ela sabe, –repetiu Érica. –De nós. Ou se não sabe suspeita e está quase a descobrir. Não faço ideia onde é que ela arranjou isso, a sério, –prometeu.

Harlan levantou-se, deixando os papéis sobre os quais escrevia cair ao chão. Depois abriu a janela e, sem cerimónias, deitou os pedaços da fotografia ao vento. –Fizeste alguma coisa, Érica?

Ela abanou a cabeça, pensando em todas as interações que tinha tido com Anastácia à procura de algo que não batesse certo. –Nada que eu não te tenha já contado. Ela anda estranha há já algum tempo, mas não pensei que fosse por causa disto.

–Tu nunca pensas, Érica, –sussurrou ele. Trancou a janela e depois voltou a se atirar sobre a sua poltrona.

Ela nem sequer foi capaz de tomar ofensa a isso.

–E o que é que vais fazer quanto a isso?

Érica hesitou. –Não te preocupes, eu não a quero magoar...

Ele deu uma risada seca. –Agora quero eu.

–Acho que tenho só que ignorá-la, não lhe dar nenhuma munição. Se eu não a conseguir convencer a fazer o ritual, algum dos outros há de o fazer.

–Não estás preocupada com o facto de ela saber?

–Estou, –admitiu Érica. –Mas o que é que ela pode fazer? Ninguém vai acreditar nela.

Harlan revirou os olhos. –Sei lá, Érica. Obrigar-te a sair da escola? Magoar-te quando estás física? Empurrar-te das escadas abaixo e ver o que acontece?

–Credo! Ela seria incapaz disso.

Ele riu secamente. –Parece que tu nunca tiveste ideias parecidas. Mas, mesmo que nada disso lhe tenha passado pela cabeça, será que ela não sabe nada de nada sobre fantasmas e magia para te magoar dessa forma?

Érica hesitou. Ela sabia isso tudo, sim, era inegável. –Mas ela não me quer magoar, –disse ela, mais para si mesma do que para Harlan. –Ela nem moscas mata. Só me quer fora daqui, e a melhor maneira de fazer isso é fazendo aquilo que eu quero que ela faça. Não perco em nada.

–Eu não teria tanta certeza disso. Se ela anda a descobrir jornais, livros, e fotografias, sabe-se lá que mais é que vai desenterrar.

....................

Nota da Autora:

Capítulo longo demais? Capítulo longo demais.

Sei que capítulos compridos se dão excepcionalmente mal no Wattpad, sei que este foi mega aborrecido mas, ainda assim, aqui está. Já estou naquela fase em que estou a escrever para mim (e um pouco para os meus personagens) e para mais ninguém. Se vocês ainda por cá andam, fixe, senão, não tenho qualquer tipo de problema com isso.

Estamos na fase final. Sei que, se tiver de editar este livro, terei mesmo que mudar os timings da história para que se alinhe melhor com o ano escolar. Quem é que usa semestres? E agora que a história está tão perto do fim e as coisas de começam a encaixar, ainda só estamos a meio do ano? Não pensem muito nisso, tá?, que eu também não vou pensar.

O que estão a achar da forma como isto se está a desenvolver? Há demasiados saltos lógicos? Fui muito subtil nas digas, ou fui forçada demais? (Aposto na segunda.) Estão a gostar cada vez mais ou cada vez menos de Érica ou, pior, simplesmente não se importam com ela?

Sla, sla, gente. Falarei convosco depois. Até lá: beijinhos!

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