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RESIDÊNCIA DE GLÓRIA, VILA LAURA, SALVADOR - BA

- Bom dia preta!

Glória e Luís eram casados a quase dez anos, muita coisa mudara nesse tempo, mas ele não abria mão de acordar sua esposa com beijos e um carinhoso bom dia e ela adorava esse ritual, se começasse o dia sem ele teria a certeza de que tudo naquele dia daria errado.

- Bom dia querido!

Ainda era cedo e eles permaneceram na cama até o despertador do celular de Glória tocar. Levantaram - se, tomaram banho e um bom café da manhã.

- Você devia acordar mais cedo pra comer com calma - disse Luís.

- Eu acordo cedo, mas você não me deixa levantar.

- Eeeu? - disse Luís fazendo - se de desentendido.

- É, você.

- Tenha mais força de vontade, ué!

- Vou tentar - prometeu Glória sorrindo para ele.

- Por falar em força de vontade, minha irmã vai passar uns dias aqui com a gente.

- Quando? - perguntou Glória desanimada.

- Ela chega no sábado.

- E o que ela vem fazer aqui?

- Matar a saudade do irmão?

- Será?! - disse Glória fingindo surpresa.

- Participar de uma conferência de psicólogos na UFBA.

- Ah tá.

- Você adora implicar com a Clarisse né?

- Não, só não concordo com algumas ideias dela.

- Por favor, tenta não brigar com ela.

- Fala isso para ela também.

- Vou falar.

- O café estava ótimo, mas temos que ir trabalhar.

- Jura?

- Ahã. - Deram mais alguns beijos antes de Glória sair.

Enquanto ia para o trabalho Glória pensava em seu marido, um professor de Língua Portuguesa numa escola de ensino médio, no auge dos seus 40 anos, 10 a mais que ela, meio gordinho e um amor de pessoa. Ele fazia de tudo para agradá - la e às vezes ela sentia que não retribuía o suficiente, queria passar mais tempo com ele, mimá - lo também, mas seu trabalho a impedia. A três meses atrás tiveram uma briga feia e ela decidira pedir demissão, porém ele não deixara, dissera que a demissão seria irreversível, que ela ia se arrepender e ele se sentiria culpado e isso acabaria com o relacionamento deles, mas ela ainda pensava muito na ideia da demissão.

***

DHPP, PITUBA, SALVADOR - BA

Quando Glória chegou ao DHPP, Mauro já a esperava em sua sala.

- Bom dia! - Ele a cumprimentou.

- Bom dia. Que foi? - Glória perguntou desconfiada.

- O quê?

- Você estava me esperando na minha sala, deve ter alguma coisa urgente pra me dizer. Desembucha!

- Só estava te esperando enquanto dava uma olhada no caso do nosso enforcado.

- E por que não me esperou na sua sala?

- Por que eu sabia que você não ia demorar e eu precisava discutir algumas coisas antes de falarmos com o irmão do Cláudio.

- Discutir o quê?

- Saiu o resultado da análise do papel encontrado no bolso da calça do enforcado.

- E?

- Sem digitais, DNA, nada.

- Então deve ter sido colocado lá pelo assassino.

- Que resolveu imitar a morte de alguma história usando aquele pobre coitado como cobaia? - zombou Mauro.

- Não - respondeu Glória irritada -, mas esse papel não foi colocado lá pra nada. Tem que significar algo.

- Pra quem?

- Pro assassino, pros dois, não sei.

- Se ao menos soubéssemos o que significa aquele texto ou quem o escreveu. Precisamos dar uma olhada no site do Cláudio - afirmou Mauro mexendo no computador de Glória como se fosse o seu.

Glória lançou - lhe um olhar que o fez levantar da cadeira onde estava e oferecê - la a ela, rapidamente. Ela odiava quando ele entrava em sua sala e agia como se fosse dele, mexendo em tudo sem a menor cerimônia, já reclamara várias vezes, mas nada mudava, era como falar com as paredes.

Glória abriu o navegador do PC e digitou o endereço do site de Cláudio e deu enter. Alguns segundos depois apareceu a página inicial do site, com o título bem grande, em preto, alguns botões de compartilhamento e vários links que levavam a outras páginas do site. Uma olhada rápida mostrou que haviam mais de cem publicações, pareciam ser todas de contos e a última fora publicada na manhã do dia em que ele morreu.

- Coloque o texto do papel misterioso na ferramenta de busca e vamos ver se aparece alguma coisa - sugeriu Mauro, olhando a tela por cima do ombro de sua parceira. E foi o que Glória fez.

Alguns segundos depois apareceu uma única publicação nos resultados da busca: O Guardião dos Inocentes. Era um conto sobre um homem que escondia pessoas perseguidas pela Santa Inquisição, ele fora preso, condenado e enforcado, era o terceiro de uma série de contos sobre a Santa Inquisição e estava na lista dos mais lidos de todo site. O texto do papel deixado no bolso da calça de Cláudio Nunes era o final desse conto.

- Muito bem, agora sabemos que foi o Cláudio quem criou o texto do papel, mas o que isso quer dizer? - indagou Mauro.

- Plágio? Talvez nossa vítima tenha plagiado a pessoa errada.

- Se for isso e descobrirmos quem ele plagiou, descobrimos o assassino.

- Vamos ver se aparece alguma coisa no doutor Google. - Glória abriu outra janela no navegador e digitou o texto no buscador, dando enter no fim, vários resultados aparecem, mas nada que tivesse a ver com o que procuravam, com exceção do link para o conto que tinham acabado de ler.

- O autor pode não ter um site muito conhecido, pode ter publicado numa página de alguma rede social, vamos ter que ver todos os resultados da busca.

- Não temos tempo pra isso.

- A menos que… - começou Glória sorrindo.

- Que o quê? Que cara é essa?

- Tem uma pessoa que faria isso mais rápido que nós dois juntos. - A investigadora olhou para o parceiro, erguendo uma sobrancelha e de repente ele entendeu.

- Não, nem pensar - rebelou - se o investigador.

- Pense, Mauro, ele...

- Não podemos - interrompeu Mauro -  pedir para um programador de computadores, suspeito de fazer parte de uma quadrilha que invadiu os computadores de uma empresa de crédito financeiro e roubou o dinheiro de vários clientes, que nos ajude numa investigação.

- Seu irmão já disse que foi enganado, que foi contratado por um site de cursos online para fazer tutoriais de como proteger seus eletrônicos com acesso a internet de invasões, que o site era uma farsa e que usaram o que ele ensinou para cometer os crimes que cometeram. Ele é inocente até que se prove o contrário.

- Eu acredito nele, mas usá - lo pode arruinar nossa investigação.

- Ninguém precisa saber que ele nos ajudou.

- Glória… - Mauro foi interrompido por alguém batendo na porta. - Entre - Ele Autorizou.

Glória o encarou, mas antes que pudesse dizer alguma coisa um policial entrou na sala e os avisou que o irmão de Cláudio havia acabado de chegar.

- Falamos sobre seu irmão depois - Glória disse a Mauro.

***

Geraldo Nunes não se parecia em nada com o irmão, fisicamente. Enquanto Cláudio era magro, cabelo cortado rente ao couro cabeludo e se vestia de forma mais formal, Geraldo era mais encorpado, embora não fosse musculoso, tinha um corte de cabelo da moda e vestia jeans e uma camisa polo. A morte do irmão estava presente em seu rosto cansado e em seus olhos tristes.

- Bom dia seu Geraldo, meu nome é Mauro, essa é a Glória e nós somos investigadores. Gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas sobre o seu irmão.

- Está bem, mas sem o "seu", não me envelheçam antes da hora. - Geraldo tentou brincar, mas o sorriso que deu era triste. - Me esqueci que tinham assassinado meu irmão e eu quis aproveitar esse momento - Explicou, tristemente.

- Nós entendemos - confortou - o Glória. - Fale - nos sobre o seu irmão.

- Meu irmão era um cara do bem, sempre na dele, incapaz de fazer mal a uma mosca, não entendo como alguém foi capaz de matá - lo.

- Todos com que falamos pensam do mesmo jeito, mas ele não pode ter sido morto por nada, ainda mais daquela forma.

- Talvez ele tenha irritado alguém que não devia, sem saber - sugeriu Mauro.

- Não havia ninguém irritado com ele que ele soubesse, ele teria me falado.

- E o livro que ele estava escrevendo?

- Que é que tem?

- Desagradou alguém?

- Não, ele nunca mostrou a ninguém, dizia que só mostraria quando estivesse pronto, mas nunca estava satisfeito com ele, sempre faltava alguma coisa, acabou não terminando.

- Era sobre o quê? - questionou Glória.

- Dois irmãos disputando o trono de um império após a morte do pai, se passa na idade média, é tudo o que eu sei.

- Seu irmão já foi acusado de plagiador ou imitador?

- Não, ele era um ótimo escritor, não precisava fazer essas coisas.

- Já leu O Guardião dos Inocentes publicado pelo seu irmão no próprio site?

- Não. Por quê?

- Encontramos um pedaço de papel, com o trecho final desse conto escrito, no bolso da calça do seu irmão e por isso achamos que a morte dele esteja relacionada a esse conto, entre outros motivos.

- Suspeitamos que ele tenha plagiado algum maluco que resolveu se vingar - completou Mauro.

- Não, meu irmão não precisava copiar ninguém. - Geraldo levou as mãos ao rosto, desconsolado. - A vida é injusta, Cláudio sempre sonhou em ser escritor, ser reconhecido pelos seus escritos, viver deles e agora que apareceu uma oportunidade pra ele, foi assassinado. É muito injusto.

- Que oportunidade? - Perguntou Glória.

- Uma editora organizou um concurso para escolher cinco livros inéditos para serem publicados por ela e o do meu irmão foi o quinto colocado.

- Ele enviou o livro para essa editora? - Geraldo pensou por alguns segundos e respondeu:

- Sim, a sinopse, o prólogo e os três primeiros capítulos fizeram parte da inscrição.

- Alguém mais sabe que ele ganhou esse concurso?

- Acho que não, eu fui o primeiro a saber e ele me pediu pra não contar nada pra ninguém por enquanto.

- E quando foi isso?

- Um dia antes dele ser assassinado.

- Qual o nome da editora?

- Ãããh… Não me lembro. 

- Tudo bem - disse a investigadora, entregando - lhe o seu cartão - Se lembrar do nome ou de alguma coisa que possa nos ajudar me ligue.

- Sim, claro.

- Obrigado por falar conosco - agradeceu Mauro.

Despediram - se, Geraldo foi embora e os investigadores retornaram à sala de Glória.

- Temos duas hipóteses: um plagiado vingativo e violento ou um concorrente inconformado também violento - afirmou Glória.

- Eu apostaria mais na segunda, mas precisamos ter certeza de que não foi a primeira.

- Isso nos leva à nossa conversa de antes do Geraldo chegar.

- Eu já disse que não.

- Mauro, nós podemos encontrar a editora do concurso, mas não temos tempo para analisar todo o site do Cláudio e nem os resultados da busca no Google sobre o suposto plágio, precisamos de ajuda. 

- Podemos pedir a algum outro investigador para fazer isso.

- Tá todo mundo ocupado e qualquer um deles levaria muito tempo para ver tudo. Seu irmão é programador, talvez consiga fazer isso mais rápido do que eles.

- O Renato não é o único programador do mundo.

- Anda homem, eu já disse, ninguém precisa saber que ele nos ajudou.

- Não Glória.

- Se você não quer falar com ele eu falo, pra que é que eu tenho uma boca e um celular? - decidiu Glória ligando seu celular. Mauro tomou - o da mão dela antes que ela pudesse fazer a ligação.

- Tá bom, tá bom, eu falo com ele.

- Agora! - ordenou a investigadora, pegando seu celular de volta.

Mauro pegou o seu próprio celular e ligou para o irmão, esperando não se arrepender depois.

***

RESIDÊNCIA DOS PAIS DE MAURO, DIAS D'ÁVILA - BA

Renato estava firmemente preso nos braços de Morfeu quando ouviu, distante, um som semelhante ao toque do seu celular, sentiu o deus do sono largá - lo à medida que o som ficava mais alto. Jurou que mataria quem o acordou, olhou a tela do celular e descobriu quem seria a sua vítima.

- Que é? - resmungou meio grogue.

- Bom dia pra você também. Não acha que está meio tarde pra você ainda tá dormindo? - perguntou Mauro, do outro lado da linha. Renato deu uma olhada na tela do celular e respondeu:

- São só 11 e meia. O que você quer Mauro?

- Tá certo. Preciso da sua ajuda com uma coisa.

- O que eu ganho?

- A eterna gratidão do seu irmão gêmeo.

- Não, obrigado.

- Eu tentei. - Renato ficou confuso até perceber que seu irmão estava falando com outra pessoa e não com ele, sorriu ao imaginar com quem ele estaria falando.

- Mauro? - ele chamou

- Oi.

- Dá um cheiro na Glória por mim.

- Vai… - Alguém interrompeu Mauro.

- Meu marido não ia gostar disso. - Renato reconheceu imediatamente aquela voz.

- Glória meu amor, que bom ouvir sua voz.

- Nós precisamos de você Renato, por favor - pediu Glória docemente. Renato não conseguia dizer não para aquela mulher.

- Do que vocês precisam amor? - ele perguntou.

- Primeiro que você não me chame de amor, segundo que descubra se um texto foi plagiado e terceiro, que revire um site de cabeça para baixo e veja se encontra algo nos comentários dele que possa estar relacionado a um homicídio. Acha que consegue?

- Vou tentar, as três coisas.

- Acha que vai demorar muito?

- Não sei. Eu te ligo quando tiver alguma coisa.

- Pode ligar pro seu irmão também.

- Você é mais agradável.

- Vou mandar pro seu e-mail algumas informações que você vai precisar. Até mais.

- Até.

Renato abriu o seu e-mail e leu o que Glória havia lhe mandado. O texto que ele devia descobrir se era plágio ou não, era pequeno, de um tal de Cláudio Nunes, mais abaixo estava o endereço do site que ele devia analisar, era do mesmo autor do texto. Teria muito trabalho para analisar todos os resultados da busca que faria na internet pelo texto e todos os comentários do site, que parecia ser bastante acessado. Por isso ele foi até a cozinha, tomou seu café da manhã e voltou ao quarto com uma garrafa de café e muitos biscoitos. De barriga cheia e bem abastecido para quando a fome bater, pôs - se a trabalhar.

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