5
RESIDÊNCIA DE GLÓRIA, VILA LAURA, SALVADOR - BA
- Bom dia preta!
Glória e Luís eram casados a quase dez anos, muita coisa mudara nesse tempo, mas ele não abria mão de acordar sua esposa com beijos e um carinhoso bom dia e ela adorava esse ritual, se começasse o dia sem ele teria a certeza de que tudo naquele dia daria errado.
- Bom dia querido!
Ainda era cedo e eles permaneceram na cama até o despertador do celular de Glória tocar. Levantaram - se, tomaram banho e um bom café da manhã.
- Você devia acordar mais cedo pra comer com calma - disse Luís.
- Eu acordo cedo, mas você não me deixa levantar.
- Eeeu? - disse Luís fazendo - se de desentendido.
- É, você.
- Tenha mais força de vontade, ué!
- Vou tentar - prometeu Glória sorrindo para ele.
- Por falar em força de vontade, minha irmã vai passar uns dias aqui com a gente.
- Quando? - perguntou Glória desanimada.
- Ela chega no sábado.
- E o que ela vem fazer aqui?
- Matar a saudade do irmão?
- Será?! - disse Glória fingindo surpresa.
- Participar de uma conferência de psicólogos na UFBA.
- Ah tá.
- Você adora implicar com a Clarisse né?
- Não, só não concordo com algumas ideias dela.
- Por favor, tenta não brigar com ela.
- Fala isso para ela também.
- Vou falar.
- O café estava ótimo, mas temos que ir trabalhar.
- Jura?
- Ahã. - Deram mais alguns beijos antes de Glória sair.
Enquanto ia para o trabalho Glória pensava em seu marido, um professor de Língua Portuguesa numa escola de ensino médio, no auge dos seus 40 anos, 10 a mais que ela, meio gordinho e um amor de pessoa. Ele fazia de tudo para agradá - la e às vezes ela sentia que não retribuía o suficiente, queria passar mais tempo com ele, mimá - lo também, mas seu trabalho a impedia. A três meses atrás tiveram uma briga feia e ela decidira pedir demissão, porém ele não deixara, dissera que a demissão seria irreversível, que ela ia se arrepender e ele se sentiria culpado e isso acabaria com o relacionamento deles, mas ela ainda pensava muito na ideia da demissão.
***
DHPP, PITUBA, SALVADOR - BA
Quando Glória chegou ao DHPP, Mauro já a esperava em sua sala.
- Bom dia! - Ele a cumprimentou.
- Bom dia. Que foi? - Glória perguntou desconfiada.
- O quê?
- Você estava me esperando na minha sala, deve ter alguma coisa urgente pra me dizer. Desembucha!
- Só estava te esperando enquanto dava uma olhada no caso do nosso enforcado.
- E por que não me esperou na sua sala?
- Por que eu sabia que você não ia demorar e eu precisava discutir algumas coisas antes de falarmos com o irmão do Cláudio.
- Discutir o quê?
- Saiu o resultado da análise do papel encontrado no bolso da calça do enforcado.
- E?
- Sem digitais, DNA, nada.
- Então deve ter sido colocado lá pelo assassino.
- Que resolveu imitar a morte de alguma história usando aquele pobre coitado como cobaia? - zombou Mauro.
- Não - respondeu Glória irritada -, mas esse papel não foi colocado lá pra nada. Tem que significar algo.
- Pra quem?
- Pro assassino, pros dois, não sei.
- Se ao menos soubéssemos o que significa aquele texto ou quem o escreveu. Precisamos dar uma olhada no site do Cláudio - afirmou Mauro mexendo no computador de Glória como se fosse o seu.
Glória lançou - lhe um olhar que o fez levantar da cadeira onde estava e oferecê - la a ela, rapidamente. Ela odiava quando ele entrava em sua sala e agia como se fosse dele, mexendo em tudo sem a menor cerimônia, já reclamara várias vezes, mas nada mudava, era como falar com as paredes.
Glória abriu o navegador do PC e digitou o endereço do site de Cláudio e deu enter. Alguns segundos depois apareceu a página inicial do site, com o título bem grande, em preto, alguns botões de compartilhamento e vários links que levavam a outras páginas do site. Uma olhada rápida mostrou que haviam mais de cem publicações, pareciam ser todas de contos e a última fora publicada na manhã do dia em que ele morreu.
- Coloque o texto do papel misterioso na ferramenta de busca e vamos ver se aparece alguma coisa - sugeriu Mauro, olhando a tela por cima do ombro de sua parceira. E foi o que Glória fez.
Alguns segundos depois apareceu uma única publicação nos resultados da busca: O Guardião dos Inocentes. Era um conto sobre um homem que escondia pessoas perseguidas pela Santa Inquisição, ele fora preso, condenado e enforcado, era o terceiro de uma série de contos sobre a Santa Inquisição e estava na lista dos mais lidos de todo site. O texto do papel deixado no bolso da calça de Cláudio Nunes era o final desse conto.
- Muito bem, agora sabemos que foi o Cláudio quem criou o texto do papel, mas o que isso quer dizer? - indagou Mauro.
- Plágio? Talvez nossa vítima tenha plagiado a pessoa errada.
- Se for isso e descobrirmos quem ele plagiou, descobrimos o assassino.
- Vamos ver se aparece alguma coisa no doutor Google. - Glória abriu outra janela no navegador e digitou o texto no buscador, dando enter no fim, vários resultados aparecem, mas nada que tivesse a ver com o que procuravam, com exceção do link para o conto que tinham acabado de ler.
- O autor pode não ter um site muito conhecido, pode ter publicado numa página de alguma rede social, vamos ter que ver todos os resultados da busca.
- Não temos tempo pra isso.
- A menos que… - começou Glória sorrindo.
- Que o quê? Que cara é essa?
- Tem uma pessoa que faria isso mais rápido que nós dois juntos. - A investigadora olhou para o parceiro, erguendo uma sobrancelha e de repente ele entendeu.
- Não, nem pensar - rebelou - se o investigador.
- Pense, Mauro, ele...
- Não podemos - interrompeu Mauro - pedir para um programador de computadores, suspeito de fazer parte de uma quadrilha que invadiu os computadores de uma empresa de crédito financeiro e roubou o dinheiro de vários clientes, que nos ajude numa investigação.
- Seu irmão já disse que foi enganado, que foi contratado por um site de cursos online para fazer tutoriais de como proteger seus eletrônicos com acesso a internet de invasões, que o site era uma farsa e que usaram o que ele ensinou para cometer os crimes que cometeram. Ele é inocente até que se prove o contrário.
- Eu acredito nele, mas usá - lo pode arruinar nossa investigação.
- Ninguém precisa saber que ele nos ajudou.
- Glória… - Mauro foi interrompido por alguém batendo na porta. - Entre - Ele Autorizou.
Glória o encarou, mas antes que pudesse dizer alguma coisa um policial entrou na sala e os avisou que o irmão de Cláudio havia acabado de chegar.
- Falamos sobre seu irmão depois - Glória disse a Mauro.
***
Geraldo Nunes não se parecia em nada com o irmão, fisicamente. Enquanto Cláudio era magro, cabelo cortado rente ao couro cabeludo e se vestia de forma mais formal, Geraldo era mais encorpado, embora não fosse musculoso, tinha um corte de cabelo da moda e vestia jeans e uma camisa polo. A morte do irmão estava presente em seu rosto cansado e em seus olhos tristes.
- Bom dia seu Geraldo, meu nome é Mauro, essa é a Glória e nós somos investigadores. Gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas sobre o seu irmão.
- Está bem, mas sem o "seu", não me envelheçam antes da hora. - Geraldo tentou brincar, mas o sorriso que deu era triste. - Me esqueci que tinham assassinado meu irmão e eu quis aproveitar esse momento - Explicou, tristemente.
- Nós entendemos - confortou - o Glória. - Fale - nos sobre o seu irmão.
- Meu irmão era um cara do bem, sempre na dele, incapaz de fazer mal a uma mosca, não entendo como alguém foi capaz de matá - lo.
- Todos com que falamos pensam do mesmo jeito, mas ele não pode ter sido morto por nada, ainda mais daquela forma.
- Talvez ele tenha irritado alguém que não devia, sem saber - sugeriu Mauro.
- Não havia ninguém irritado com ele que ele soubesse, ele teria me falado.
- E o livro que ele estava escrevendo?
- Que é que tem?
- Desagradou alguém?
- Não, ele nunca mostrou a ninguém, dizia que só mostraria quando estivesse pronto, mas nunca estava satisfeito com ele, sempre faltava alguma coisa, acabou não terminando.
- Era sobre o quê? - questionou Glória.
- Dois irmãos disputando o trono de um império após a morte do pai, se passa na idade média, é tudo o que eu sei.
- Seu irmão já foi acusado de plagiador ou imitador?
- Não, ele era um ótimo escritor, não precisava fazer essas coisas.
- Já leu O Guardião dos Inocentes publicado pelo seu irmão no próprio site?
- Não. Por quê?
- Encontramos um pedaço de papel, com o trecho final desse conto escrito, no bolso da calça do seu irmão e por isso achamos que a morte dele esteja relacionada a esse conto, entre outros motivos.
- Suspeitamos que ele tenha plagiado algum maluco que resolveu se vingar - completou Mauro.
- Não, meu irmão não precisava copiar ninguém. - Geraldo levou as mãos ao rosto, desconsolado. - A vida é injusta, Cláudio sempre sonhou em ser escritor, ser reconhecido pelos seus escritos, viver deles e agora que apareceu uma oportunidade pra ele, foi assassinado. É muito injusto.
- Que oportunidade? - Perguntou Glória.
- Uma editora organizou um concurso para escolher cinco livros inéditos para serem publicados por ela e o do meu irmão foi o quinto colocado.
- Ele enviou o livro para essa editora? - Geraldo pensou por alguns segundos e respondeu:
- Sim, a sinopse, o prólogo e os três primeiros capítulos fizeram parte da inscrição.
- Alguém mais sabe que ele ganhou esse concurso?
- Acho que não, eu fui o primeiro a saber e ele me pediu pra não contar nada pra ninguém por enquanto.
- E quando foi isso?
- Um dia antes dele ser assassinado.
- Qual o nome da editora?
- Ãããh… Não me lembro.
- Tudo bem - disse a investigadora, entregando - lhe o seu cartão - Se lembrar do nome ou de alguma coisa que possa nos ajudar me ligue.
- Sim, claro.
- Obrigado por falar conosco - agradeceu Mauro.
Despediram - se, Geraldo foi embora e os investigadores retornaram à sala de Glória.
- Temos duas hipóteses: um plagiado vingativo e violento ou um concorrente inconformado também violento - afirmou Glória.
- Eu apostaria mais na segunda, mas precisamos ter certeza de que não foi a primeira.
- Isso nos leva à nossa conversa de antes do Geraldo chegar.
- Eu já disse que não.
- Mauro, nós podemos encontrar a editora do concurso, mas não temos tempo para analisar todo o site do Cláudio e nem os resultados da busca no Google sobre o suposto plágio, precisamos de ajuda.
- Podemos pedir a algum outro investigador para fazer isso.
- Tá todo mundo ocupado e qualquer um deles levaria muito tempo para ver tudo. Seu irmão é programador, talvez consiga fazer isso mais rápido do que eles.
- O Renato não é o único programador do mundo.
- Anda homem, eu já disse, ninguém precisa saber que ele nos ajudou.
- Não Glória.
- Se você não quer falar com ele eu falo, pra que é que eu tenho uma boca e um celular? - decidiu Glória ligando seu celular. Mauro tomou - o da mão dela antes que ela pudesse fazer a ligação.
- Tá bom, tá bom, eu falo com ele.
- Agora! - ordenou a investigadora, pegando seu celular de volta.
Mauro pegou o seu próprio celular e ligou para o irmão, esperando não se arrepender depois.
***
RESIDÊNCIA DOS PAIS DE MAURO, DIAS D'ÁVILA - BA
Renato estava firmemente preso nos braços de Morfeu quando ouviu, distante, um som semelhante ao toque do seu celular, sentiu o deus do sono largá - lo à medida que o som ficava mais alto. Jurou que mataria quem o acordou, olhou a tela do celular e descobriu quem seria a sua vítima.
- Que é? - resmungou meio grogue.
- Bom dia pra você também. Não acha que está meio tarde pra você ainda tá dormindo? - perguntou Mauro, do outro lado da linha. Renato deu uma olhada na tela do celular e respondeu:
- São só 11 e meia. O que você quer Mauro?
- Tá certo. Preciso da sua ajuda com uma coisa.
- O que eu ganho?
- A eterna gratidão do seu irmão gêmeo.
- Não, obrigado.
- Eu tentei. - Renato ficou confuso até perceber que seu irmão estava falando com outra pessoa e não com ele, sorriu ao imaginar com quem ele estaria falando.
- Mauro? - ele chamou
- Oi.
- Dá um cheiro na Glória por mim.
- Vai… - Alguém interrompeu Mauro.
- Meu marido não ia gostar disso. - Renato reconheceu imediatamente aquela voz.
- Glória meu amor, que bom ouvir sua voz.
- Nós precisamos de você Renato, por favor - pediu Glória docemente. Renato não conseguia dizer não para aquela mulher.
- Do que vocês precisam amor? - ele perguntou.
- Primeiro que você não me chame de amor, segundo que descubra se um texto foi plagiado e terceiro, que revire um site de cabeça para baixo e veja se encontra algo nos comentários dele que possa estar relacionado a um homicídio. Acha que consegue?
- Vou tentar, as três coisas.
- Acha que vai demorar muito?
- Não sei. Eu te ligo quando tiver alguma coisa.
- Pode ligar pro seu irmão também.
- Você é mais agradável.
- Vou mandar pro seu e-mail algumas informações que você vai precisar. Até mais.
- Até.
Renato abriu o seu e-mail e leu o que Glória havia lhe mandado. O texto que ele devia descobrir se era plágio ou não, era pequeno, de um tal de Cláudio Nunes, mais abaixo estava o endereço do site que ele devia analisar, era do mesmo autor do texto. Teria muito trabalho para analisar todos os resultados da busca que faria na internet pelo texto e todos os comentários do site, que parecia ser bastante acessado. Por isso ele foi até a cozinha, tomou seu café da manhã e voltou ao quarto com uma garrafa de café e muitos biscoitos. De barriga cheia e bem abastecido para quando a fome bater, pôs - se a trabalhar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro