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DHPP, PITUBA, SALVADOR - BA
Os pais da vítima, Cláudio Nunes, aparentavam ter menos idade do que a que realmente tinham, eram bem conservados. Escondiam a idade, mas não podiam esconder a dor da perda de um filho. Nem toda a maquiagem do mundo poderia encobrir os olhos vermelhos de tanto chorar de Marisa e nem toda a pose de machão podia impedir que o sofrimento aflorasse no rosto de Edson para todo mundo ver. Naquele momento, eram apenas dois pais presos na beirada de um abismo, se segurando um no outro para não cair dentro dele.
- Boa tarde Dona Marisa e seu Edson. Meu nome é Glória, ele é o Mauro, nós somos investigadores. Sentimos muito pelo seu filho Cláudio, mas precisamos lhes fazer algumas perguntas sobre ele, tudo bem?
- Tudo - respondeu Edson.
- Seu filho era escritor, certo? - perguntou a investigadora.
- Só quando não estava trabalhando.
- Em que ele trabalhava? - questionou Mauro.
- Era redator de notícias no jornal Tribuna da Bahia.
- Ele tinha algum inimigo lá? - perguntou o investigador.
- Não. Todos gostavam muito dele lá.
- E fora do Jornal?
- Não que saibamos.
- Namorada? Alguém especial? - questionou Glória.
- Não, ninguém.
- Sabem se ele recebeu alguma ameaça de morte ou se aconteceu alguma coisa estranha com ele recentemente? Se ele estava diferente? - perguntou a investigadora.
- Não.
- Ele tinha muitos amigos? Alguém a quem ele possa ter contado coisas que não contava a vocês?
- Ele saía com alguns colegas do trabalho de vez em quando, talvez um deles.
- O síndico disse que Cláudio morava a pouco tempo naquele apartamento. Há algum motivo para a mudança? - perguntou Mauro.
- Como eu disse, ele era escritor nas horas vagas. Ele sempre dizia que um escritor precisa de silêncio para criar suas obras. Acho que dividir o apartamento com um irmão que adora festas não era muito silencioso.
- Eles se davam bem?
- Era muito unidos.
- E onde ele está agora? Seu outro filho?
- Foi pra São Paulo ver a namorada, que mora lá, chega amanhã à tarde.
- Pode nos dar o endereço dele? Vamos precisar falar com ele - disse Glória, estendendo seu caderno de anotações para o pai de Cláudio.
- Uma última coisa - disse Mauro, mostrando uma foto do papel encontrado no bolso de Cláudio, que ele retirou de uma pasta -, vocês já viram esse texto?
- Não - respondeu Edson.
- Nosso filho nunca fez mal nenhum, por que fizeram isso com ele? Por quê? - perguntou a mãe de Cláudio quase chorando.
- Não sabemos dona Marisa, mas vamos descobrir - prometeu Glória.
- Faremos o possível para encontrar o culpado - confirmou Mauro.
- Obrigada - agradeceu Marisa.
- Não temos mais perguntas, mas se lembrarem de alguma coisa que possa nos ajudar, me liguem. Obrigada por falar conosco - agradeceu Glória, estendendo um cartão com seu telefone. Despediram - se do casal e foram para a sala de Glória.
***
- Então? O que achou? - perguntou Glória a Mauro sobre o interrogatório
- Nada de mais, a não ser o fato da Marisa quase não ter falado.
- Deve estar muito abalada, é normal.
- Ou então o marido não deixou ela falar.
- E por que não deixaria? Não me pareceram estar escondendo nada.
- A mim também não. Talvez ele seja do tipo que prefere ver a mulher calada e que só fale quando ele mandar.
- Não vi ele mandar quando ela falou.
- Combinaram antes.
- Você tá brincando comigo, né?
- Por que estaria?
- É assim que você gostaria que a sua esposa fosse? Submissa a você?
- Não seria uma má ideia - respondeu Mauro, divertido.
- Investigador Mauro! - alguém chamou.
Depois de sentir sua espinha gelar e de resistir à tentação de ignorar aquele chamado, Mauro se virou e deu de cara com sua chefe, a diretora do DHPP, Viviam Lemos, que não parecia nem um pouco contente em vê - lo.
- Na minha sala, agora! - Disse a diretora.
- Xiii - zombou Glória.
Mauro seguiu a diretora como se fosse um condenado a caminho da prisão. Ele já sabia o que viria a seguir, então se adiantou:
- Já sei sobre o pedido de revisão daquele caso lá, Viviam.
- Pois bem, reze para que o juiz não atenda esse pedido.
- Eu errei, cometi um deslize, mas isso não justifica revisar o caso. Aquele verme só ficou com um olho roxo.
- Acontece que esses seus ataques de violência já haviam acontecido outras vezes, desde que você se separou da sua mulher...
- Minha vida pessoal não vem ao caso.
- Sua mulher armou um escândalo aqui no DHPP, acusando você de deixá - la com uma mão na frente e a outra atrás...
- Eu só queria uma divisão igualitária de bens, ela queria levar até minhas cuecas... - interrompeu - a Mauro.
- O caso é que - o interrompeu Viviam - todo mundo aqui sabe do seu divórcio conturbado, se o advogado resolver te investigar, vai descobrir, vai usar isso como argumento e o juiz vai atender o pedido dele.
- O caso é sólido, eu fiz tudo como manda o figurino, se revisarem não vai dar em nada.
- Se ao menos a Glória não estivesse de folga naqueles dias ela poderia ter te controlado.
- Desde quando eu preciso de mulher pra me controlar?
- Não precisa de mulher, precisa da Glória.
- Que conversa feia diretora!
- Você me entendeu. Se esse caso for revisto, teremos outra conversa que eu não sei se acabará bem pra você.
- Aquele filho da mãe não vai estragar meu trabalho.
- Se tiver oportunidade, vai sim.
- Não vai haver oportunidade.
- Não vá piorar as coisas, por favor Mauro. Faça o seu trabalho e deixe que eu cuido disso.
- Eu não vou deixar aquele verme se dar bem.
- Eu vou falar na sua língua pra ver se você entende: isso é uma merda e se você mexer vai feder, e muito.
- Já tá fedendo.
- Mas sempre pode piorar.
***
TRIBUNA DA BAHIA, NAZARÉ, SALVADOR - BA
O Tribuna da Bahia era um dos três jornais impressos mais importantes do estado da Bahia, mas suas instalações eram simples, um prédio antigo de três andares, com várias salas, localizado no bairro de Nazaré, deviam trabalhar cerca de 100 pessoas ali.
Era fim de tarde quando Glória e Mauro chegaram no jornal, foram falar direto com o diretor que lhes disse que não conhecia muito bem Cláudio, mas indicou - lhes três funcionários que eram próximos dele. Na verdade, só um deles era realmente próximo, um dos revisores de nome Felipe Silva.
- Fizemos faculdade juntos, quando surgiu uma vaga para redator o Cláudio tinha acabado de ser demitido do site de notícias onde trabalhava, então eu indiquei ele e ele conseguiu ser contratado, por mérito próprio - contou Felipe ao ser perguntado a quanto tempo ele e Cláudio se conheciam.
- O senhor já deve saber que seu amigo foi assassinado, nós estamos tentando descobrir por quem e por quê - disse Glória.
- Cláudio era gente boa, não consigo acreditar que alguém tenha feito isso com ele. Será que foi um assalto que deu errado?
- Nada parece ter sido levado ou remexido e a morte foi bem... ããh... diferente.
- Ele foi enforcado e não, não foi suicídio - contou Mauro.
- Meu Deus! - Felipe sentou - se pesadamente em uma cadeira, em choque - Isso é... é... desumano, quem faria uma coisa dessas com ele? Por quê? - completou.
- Como era a relação dele com os outros funcionários do jornal?
- Era boa, ele se dava bem com todos, nunca vi ele brigando com ninguém ou alguém falando mal dele. Cláudio era do tipo faça seu trabalho direito, seja gentil com seus colegas e não se envolva em confusão, sabem?
- Sabemos. E lá fora? Algum inimigo? - perguntou Glória.
- Não.
- Ameaças? Brigas recentes?
- Não, nada.
- Namoradas? Mulheres rejeitadas? - questionou Mauro.
- Não, ele não tinha tempo para essas coisas. Quando não estava aqui no jornal, estava trancado no apartamento publicando alguma coisa no site que ele tinha ou tentando terminar o livro que ele estava escrevendo. Vez ou outra a gente saía no fim de semana, mas era difícil convencê - lo a fazer alguma coisa que não fosse trabalhar ou ficar em casa escrevendo.
- Algum maluco que não gostou de algo que ele escreveu nesse site que ele tinha, talvez?
- Não sei, eu leio os textos do site de vez em quando, mas nunca prestei atenção nos comentários e ele nunca me falou nada a respeito.
- De qualquer forma, vamos precisar dar uma olhada nesse site. Pode nos passar o endereço? - perguntou Glória.
- Claro - disse Felipe, anotando algo num papel que entregou à investigadora.
- Encontramos um papel com algumas frases no bolso da calça do Cláudio, pode não ser nada, mas o senhor já viu isso em algum lugar? - perguntou Mauro, mostrando - lhe a foto do papel.
- Não que eu me lembre, não li todos os textos do site dele e nem o livro que ele estava escrevendo, então pode ser dele ou não.
- Está bem. Obrigada por falar conosco. Se lembrar de alguma não exite em nos ligar - agradeceu Glória.
- De nada. Espero que descubram quem matou meu amigo e que a justiça seja feita.
- Faremos o possível pra isso acontecer - prometeu Mauro enquanto se despediam.
Enquanto saíam do prédio da Tribuna da Bahia e entravam na viatura policial Mauro resmungava:
- Esse Cláudio Nunes não pode ser tão sem sal quanto dizem. Deve ter um segredo bem cabeludo para ter sido assassinado.
- Se tem está bem guardado, mas ainda temos o irmão dele, talvez ele saiba de alguma coisa ou talvez não tenha segredo cabeludo nenhum.
- Tem que ter, ninguém mata uma pessoa sem motivo.
- Sociopatas e psicopatas não precisam de motivos para matar alguém, eles criam um motivo, geralmente irracional, fruto de suas mentes doentes que os deixam quase sempre fora da realidade. - Mauro a encarou confuso.
- É um trecho do livro da minha cunhada - Glória esclareceu.
- Ah! Aquela que é psicóloga e que passou anos nos Estados Unidos conversando com um bando criminosos?
- É sim. Não concordo com muitas das ideias dela, mas tem algumas que fazem sentido, como essa.
- É aquela história do assassino que mata por que uma voz manda ele matar?
- É por aí.
- Isso é conversa de advogado tentando alegar insanidade mental para o seu cliente ir para um hospício, que é bem mais confortável que uma penitenciária, e ter uma pena menor.
- Tem muito doido por aí Mauro e alguns acham que tem o poder de escolher quem deve viver e quem deve morrer como se fossem Deus.
- De um jeito ou de outro há um motivo por trás desse assassinato.
- Há sim e nós vamos descobrir.
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