Parte 8 - Narrador 3
“Vais receber alta amanhã”, afirma o teu pai. Pergunto-lhe como sabe. Responde-me que foi uma enfermeira que lhe disse. Ao que parece, amanhã vais conhecer a tua nova casa. Foi uma oferta gentil do teu avô. Disse que era para ti, queria que fosse para ti. Queria muito deixar-te uma prenda ao partir. Disse-me que eu ficava com a casa dele, era minha prenda. E tu ficavas com a casa nova, que ele comprou para nós morarmos nesta fase nova da nossa vida. Até seres adulto, poderíamos escolher entre morar numa casa ou noutra. Podíamos rentabilizar uma, arrendando, enquanto morávamos na outra. Mas de repente, parece que tudo mudou. Eu sei que era a escolha dele, mas é verdade, estou feliz por ele não ter partido. Também estaria feliz se ele tivesse partido, porque sabia de coração que era a escolha dele. Ele acabou de ligar. Estava aparentemente nervoso. Disse apenas que estava em casa, para não me preocupar com ele que estava bem. “Temos tempo para falar, quando estiveres em casa”, afirmou. Nota-se que quer explicar qualquer coisa, como se sentisse mal por estar vivo. Quem mais neste mundo se poderia sentir mal por estar vivo? Na verdade é contra-natura, é contra a natureza das coisas vivas, que normalmente lutam pela sua sobrevivência e que não se arrependem de ter encarado essa luta. “Temos tempo para falar, quando estiveres em casa”, foi o que ele disse, e eu ainda não sabia dizer-lhe quando iria para casa. Talvez devesse ligar-lhe agora para lhe dizer que vou para casa amanhã. Ou talvez seja melhor esperar até ter a certeza da hora em que vou receber alta. “Vais receber alta amanhã”, afirmou o teu pai. Contudo, pode ser a qualquer hora. Melhor esperar a confirmação do horário para poder ligar ao teu avô. Tento imaginar o que lhe vai na cabeça. Conheço-o bem. Sei que não está bem. Está emocionalmente afetado. É, muito provavelmente, a pessoa que melhor conheço ao cimo da terra. Ele fez questão que assim fosse, que fossemos os melhores amigos, confidentes, sempre transparentes um com o outro, mesmo em momentos que para outras pessoas seriam constrangedores. Cresci, aprendendo a não ter reservas nas relações que desenvolvo, a me entregar, a ser inteira, a ser transparente, e o maior exemplo disso mesmo é a relação que tenho com o teu avô...
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