É o teu primeiro banho. Será mais um momento para guardar no meu baú das memórias, tesouros imateriais que juntamos para edificação da nossa fortuna. Com uma mão apoio a tua nuca frágil e com a outra trago a água ao teu encontro. Pareces gostar de água. Sabes que nem todas as crianças suportam muito bem o primeiro banho, mas tu estás a demonstrar um reflexo positivo. És um menino muito corajoso, está-te no sangue. Passo as mãos molhadas no teu corpo pequenino, na tua pele macia e enrugada. Tu abres e fechas os olhos, mas de uma forma tranquila, nada assustado com esta nova experiência na tua vida. Em nada aparentas ser um menino de medos, antes pareces ser um menino curioso, aberto a novas experiências, com a coragem suficiente para enfrentar o desconhecido. A enfermeira fita-nos com interesse. Está sorridente, como estão todas as outras enfermeiras, a bata branca a combinar com a paz refletida nos rostos. Como estão todas as outras mães, a bata verde a coincidir com a esperança refletida nos olhares. Como parecem estar todas as pessoas, com a notícia do fim do conflito. Não existem coincidências, dizem os mais sabidos, não sei se com muita, pouca ou nenhuma razão. Contudo, parece tudo uma grande obra do destino, se é que o destino é obra de coisa alguma, espiritual, mental ou física. Nasces no dia em que o teu avô faz anos, que porventura é o mesmo dia que decide dar-se à morte e que por acaso é também o dia do fim do conflito internacional entre as duas maiores potências mundiais. Haverá algum relógio que marca a hora certa para as coisas acontecerem? Não tenho resposta a todas as perguntas, não te sei dizer se é esse o caso, mas no mínimo é tudo muito curioso, não concordas? Não concordas, nem discordas. Abres a boca em forma de bocejo e é tudo o que tens para me dar como resposta às minhas dúvidas. Deve estar na hora de te acomodares em mais um soninho simpático enquanto as minhas interrogações continuam a dar de si. Não pareces preocupado se de facto existem ou não respostas. Até porque acontece frequentemente pensarmos que já sabemos todas as respostas e vem a vida e muda todas as perguntas. Mais uma frase que o teu avô leu nalgum lado, em determinada altura da sua vida, e que não se cansa de repetir.