“Qual a decisão dos especialistas, mãe?” A pergunta entoa no salão com o barulho ensurdecedor de uma bala. Não sei se o rapaz vai gostar de ouvir a resposta que a mãe dele tem para lhe dar. Eu continuo apático depois de ter visto o carimbo vermelho espelhado na bola de cristal da senhora. Ao que parece, o rapaz fica sem resposta. Ela insiste que combinou beber um café comigo e que podem conversar mais tarde sobre o assunto. Louvo a coragem do rapaz em colocar a questão tão complicada de forma tão prática. Contudo, respeita a decisão da mãe e diz-lhe que passa lá por casa mais tarde para poderem conversar um pouco. Parece ser um rapaz respeitador. No entanto, aparenta ser pouco lutador, tem um ar tímido, pouco coerente com a coragem que demonstrou ao colocar a questão à sua mãe. As aparências iludem, apesar de poucas vezes me enganar no perfil das pessoas pela análise da sua postura, expressões e timbres de voz. Estou confuso, é natural que me engane. A minha cabeça parece uma panela de pressão, lá dentro emoções a fervilhar, sentimentos a borbulhar à tona, a perderem-se palavras no vapor que vai para lugar nenhum. Pela primeira vez, sinto que estou velho, que a minha cabeça pode não ter mais o raciocínio lógico e rápido de outrora. Com a morte anunciada à encantadora senhora de setenta anos, posso estar eu a começar a morrer de velho. Dizem que é a cabeça que dá o primeiro sinal do processo. As ideias misturam-se e paralisam, na maca da vida, o que resta dos sonhos que um dia alguém sonhou. É justo pensar que pode ser só cansaço ou resultado provisório de tantas emoções num só dia. A verdade é que já tomei algumas decisões contraditórias hoje, algo que me desabituei de fazer, faz muito tempo. Não foi um dia fácil, é essa a realidade. De manhã nasceu o meu neto, ao início da tarde estive entre a vida e a morte, amanhã de manhã morre o que provavelmente terá sido o último amor da minha vida. Um amor que não chegará a ser vivido, morte anunciada à nascença. Um amor que poderá resumir-se unicamente a uma sala de espera, um olhar entre janelas e a uma conversa de café. Um amor de poucos instantes, raros momentos, pequenas coisas que só os velhos podem entender…