Não vou esperar pelos quinze dias para me apresentar no posto de avaliação. Hoje fui conhecer o meu neto, rebento que já faz luz no espaço onde outra se apagará em breve. Todos os dias luzes velhas dão lugar a luzes novas, para que novas ideias surjam, novas coisas aconteçam, novas vidas se cruzem e se apaixonem, novos mundos sejam descobertos, neste país que não é para velhos. A minha filha está feliz. Pelo nascimento do menino e pela vida que eu tive, pelas pegadas que deixei no caminho, um corpo transparente de cabeça levantada a caminhar entre valores que apelam à liberdade e à vida e ao viver pleno dos diferentes momentos que a vida me proporcionou. Recordo imensos momentos desde a minha juventude rebelde aos dias sensatos de hoje, com a lembrança de ser pai a ser aquela que se destaca entre todas as barras de ouro que são as recordações. Orgulho-me das decisões que tomei em alturas cruciais, tendo tido a coragem de assumir as minhas escolhas quando outros optariam por deixar andar até os problemas não terem mais nenhuma solução possível. Lembro com um sorriso as loucuras vividas, a perdição das mulheres a acometer-se-me na alma, a beleza de algumas a corromper-me e a levar-me a passar até algumas noites longe do meu leito, a chegar a casa saciado, sem sentimentos de culpa e com a minha amada esposa a provocar-me com histórias de outros homens que na minha ausência se deitaram no meu lugar, sabendo que essas histórias me mexiam na libido, me provocavam desejo e me faziam voltar ao prazer do seu corpo ao final de cada noite. Não vou saber nunca se as histórias que contava, tinham ou não alguma coisa de verdade, ou se eram pura provocação, tão pouco me importa, gosto de imaginar que algumas eram verdadeiras, que ela teve prazer com outros homens enquanto eu desfrutava do corpo de outras mulheres. Se há uma árdua lição que fiz questão de ensinar à minha filha é a de que só é possível amar libertando, não deixando nunca que sejam as correntes a segurar uma relação. Com toda a certeza nos deitámos com outras pessoas ao longo da nossa relação, gozámos do prazer de outros corpos, vivemos outras experiências, sem que isso nos levasse alguma vez a colocar em causa o nosso amor um pelo outro, não há nada no ato de amar que seja sinónimo de limitar. Nós amamo-nos verdadeiramente enquanto tivemos um com o outro sem nunca termos sido um do outro, com o fogo da nossa paixão a invadir-me ainda nos dias de hoje, quando tropeças nas minhas lembranças e apesar de teres partido há mais de onze anos, resultado de um estúpido cancro que te roubou a vida.