Desconfiança
ᨖ 𝐄𝐯𝐚 𝐒𝐢𝐧𝐜𝐥𝐚𝐢𝐫 ᨖ
Seattle
O sangue fluia pela minha garganta de forma aliviadora, enquanto o corpo da humana nas minhas mãos já se encontrava mole e sem vida. Quando finalizei, joguei o corpo para longe, limpando minha boca com a mão logo em seguida.
— Caramba, eu preciso de um banho! – confessei para Bree, que terminava de se alimentar junto comigo. Ignorar o fato de que estávamos assassinando pessoas inocentes era uma alternativa muito atraente e eu admito que eu me agarrei à isso nos últimos dias. Não tenho ideia do tipo de pessoa que estou me tornando, mas não consigo evitar no entanto.
— Eu também. Você acha que conseguiríamos sair daqui um pouquinho?
— Riley fica nos vigiando a noite inteira, ele não vai permitir... – respondi, desanimada.
— Mas durante o dia, ele sempre nos deixa em algum prédio aleatório e some. Talvez nós...
— Não podemos sair na luz do sol, Bree! Esqueceu? – a interrompi.
— Isso é o que Riley conta! Você mesma disse que não confia no que ele diz. – ela rebate na defensiva, me deixando pensativa sobre suas palavras.
Demorei alguns segundos para responder, calculando mentalmente algum plano que pudesse nos ajudar.
— Vamos fazer um trato. – sussurrei baixo o suficiente para que apenas ela conseguisse me ouvir. — Amanhã eu irei sair, mas você fica aqui. – ela abriu a boca para contestar, mas eu me adiantei. — Se for seguro, eu volto para te buscar.
— Você... você acha que conseguiríamos fugir? – perguntou, esperançosa.
— Eu acho que nós não podemos descartar essa possibilidade. Riley diz que matar o clã inimigo vai ser fácil, mas se fosse realmente tão fácil, ele não estaria transformando tantas pessoas. – compartilhei minha teoria.
— Você tem razão! Tudo bem, eu te dou cobertura amanhã. Mas... – Bree parou por um momento e abaixou a cabeça, insegura. — Você promete que vai voltar, né?
— Olhe para mim! – segurei seu rosto, fazendo-a me olhar. — Eu não vou te deixar para trás, Bree. – prometi.
Ela abraçou minha cintura e eu afaguei sua cabeça com carinho. Vi seu olhar nos corpos, agora sem vida, quais nos alimentamos minutos atrás.
— Não gosto de fazer isso. – admitiu, cabisbaixa. Sei que ela está se referindo ao nosso estilo de vida.
— Eu sei! Eu também não gosto, mas é necessário! – assegurei.
Eu não gostava de pensar no tipo de monstro que estava me tornando. Como se fugir da realidade diminuísse as coisas que vinha fazendo. Não diminuía, tampouco me isentava do remorso. Entretanto, Bree não merecia sentir essa culpa. Ela não.
Nos sentamos perto de Fred. Riley o trouxe para cá um dia depois que eu acordei. O garoto sardento de cabelos castanhos era um tanto quanto esquisito e introspectivo, mas pelo menos não agia igual bárbaro igual aos outros. Na verdade, existia algo diferente nele.
Quando tentamos nos aproximar dele em seus primeiros dias, sentimos uma grande repulsão por sua presença. Quase como se existisse um grande alerta ao seu redor que nos mandasse afastar e, instintivamente, nossos corpos recuavam para longe sempre que tentássemos chegar perto. Mas quando ele notou que nós duas não éramos uma ameaça, começou a permitir nossa presença por perto. Era uma sensação esquisita, para falar a verdade.
Fred possuía algum tipo de poder que conseguia afastar as pessoas de perto dele. No início, eu não entendi qual era utilidade disso, mas compreendi quando percebi que os outros vampiros pararam de tentar nos confrontar a cada minuto quando estávamos perto dele. Então mudei de ideia, aquilo era útil, tanto quanto era aliviador.
— E aí, Frederico? – cumprimentei-o de forma zombeteira e ele revirou os olhos.
— Já disse que meu nome não é assim. – reclamou, com a carranca mal humorada de sempre.
— Eva quer sair de manhã. – Bree dedurou, recebendo um beliscão meu no braço.
— Você tem certeza? – Fred questionou, arregalando os olhos vermelhos brevemente. — Tipo, sabe que não podemos sair à luz do sol.
— Eu sei, eu sei. – respondi impaciente, abanando o ar como se estivesse expulsando algum inseto. — Só quero tentar. Se não der certo, eu volto.
— Bom, você é quem sabe. – ele deu de ombros, voltando a analisar o chão com desinteresse.
— Eu estava pensando, você poderia me ajudar. – comecei, com um tom sugestivo. — Usar seu poder em mim, assim ninguém me notaria saindo.
— Não vou me envolver nisso, Eva! Se descobrirem, eu vou acabar sofrendo punições. – negou com veemência, mal me deixando terminar de falar.
— Tudo bem, não custa tentar. – bufei, frustrada com sua recusa.
Não sei por que esperei algo diferente. Claro, ele não é nosso inimigo, mas nunca deixou aparente que se considerava um amigo também. Apesar de apreciar sua companhia silenciosa no dia-a-dia, eu não tinha direito de cobrar qualquer tipo de ajuda sua.
Decidi esperar o dia amanhecer, em completo silêncio. Bree até tentou trocar algumas palavras comigo, mas depois preferiu ficar quieta e agarrada à mim.
⊹────⊱♱⊰────⊹
Antes que o sol ousasse aparecer, Riley surgiu para nos escoltar até algum prédio abandonado.
Não tive oportunidades falar com ele novamente. Nos primeiros dias, tentei me aproximar e quem sabe conseguir algumas informações, mas acabei desistindo. Ficava cada vez mais claro que ele estava obedecendo alguém e era muito leal à essa pessoa. Eu queria entendê-lo melhor, apesar de tudo o que fez. Queria saber o que ele escondia. O Biers mais parecia ser alguma espécie de marionete sendo meticulosamente manipulada, mas isso era só mais uma das minhas teorias sem respostas.
Alguns minutos após ele sair do prédio, eu me aproximei de uma janela. Com uma leve cotovelada, quebrei o vidro que estava bloqueando o meu caminho, me amaldiçoando mentalmente pelo barulho que fiz. Um homem — chamado Joe, se minha memória estiver correta — olhou na minha direção. Tentei disfarçar a bagunça que fiz, mas ele começou a se aproximar logo em seguida.
Merda!
Acho que se eu ainda estivesse viva, estaria suando frio nesse momento. Ele me lançou um olhar raivoso e parecia pronto para brigar, caminhando em passos duros. Repentinamente, Joe parou e pareceu perder o interesse em mim. Uni minhas sobrancelhas em confusão e olhei ao redor. Encontrei os olhos de Fred que gesticulava freneticamente para que eu saísse dali de uma vez. Acenei com a cabeça em um agradecimento silencioso e pulei a janela.
Corri brevemente para me afastar do prédio, agradecendo mentalmente por estarmos em uma área completamente vazia. Parei de correr assim que percebi os raios solares atingindo o chão.
Encarei a linha que dividia a sombra do prédio e o sol, hesitante em cruzá-la. Ergui minha mão em direção à luz, sentindo o leve formigamento do calor em meus dedos.
Certo, nenhuma dor até agora.
Em um lapso de coragem, coloquei todo o meu corpo sob o sol, cerrando os olhos com força e me preparando para a sensação de queimação.
...
Nada...
Continuei de olhos fechados e esperei por um bom tempo, mas nada aconteceu. A única coisa que senti foi um formigamento que nem sequer era incômodo. Tomei coragem para abrir os olhos e meu queixo caiu pela surpresa. Meus braços estavam brilhando, refletindo toda a luz que colidia sobre eles. Não só meus braços, como o meu corpo inteiro.
Céus, isso é esquisito demais.
Pensei em voltar para buscar Bree, mas um som distante de água me chamou atenção. Corri em direção ao barulho de uma forma sobrenaturalmente rápida, mas apesar disso, não vi a paisagem ao meu redor se tornar um vulto. Conseguia enxergar tudo com clareza, independente da velocidade em que corria. Parei abruptamente quando me deparei com um lago.
De uma forma hesitante, mergulhei naquela água calma e cristalina sem me importar em tirar as roupas. A sensação foi tão aliviador que me permiti ficar ali por um tempo, me esquecendo do mundo ao meu redor. Esfreguei meus braços, me livrando das manchas de sangue que o marcavam, ao passo que sentia todos os meus músculos rígidos relaxarem.
Fiquei ali por um bom tempo.
⊹────⊱♱⊰────⊹
Nos primeiros sinais do crepúsculo vespertino, finalmente me despertei dos meus devaneios e retornei apressadamente ao prédio. Cheguei ao local em pouquíssimos minutos e suspirei aliviada, sentindo minhas roupas e cabelos quase secos por conta da corrida. Se eu tiver sorte, ninguém vai notar que saí.
Com passos silenciosos, entrei pela janela e me misturei com os outros, agindo como se nada tivesse acontecido. Avistei Bree encolhida no chão, enquanto um homem a defendia de ataques de algum vampiro. Em um instante, estou ao lado de Bree.
— Você está bem? – perguntei, preocupada. Segurei seu rosto em minhas mãos, notando algumas rachaduras que estavam lentamente cicatrizando em sua face.
— E-Eu... – seus olhos estavam arregalados, transmitindo medo. Bree é tão frágil! Sempre lamentei que uma garota tão doce tenha sido trazida para esse mundo.
— Fica calma! Vai ficar tudo bem. – prometi, sem ter certeza de que poderia cumprir essa promessa. Por trás dos meus olhos preocupados, uma culpa começava a pesar em meus ombros.
Eu não deveria ter saído.
Agradeci com um aceno o homem que a defendeu, agora que ele se livrou do agressor descontrolado. Cabelos pretos e encaracolados, uma aparência jovem e um tom sutil de oliva em sua pele escura; reconheci-o como Diego Miller. Não nos conhecíamos bem, mas sabia que ele não fazia parte do grupo de vampiros descontrolados que vivam fazendo baderna por aqui. Miller é como um braço direito de Riley, mas tenho quase certeza de que ele não sabe muito mais do que eu. Ninguém sabe.
— Está doendo? – Diego se abaixou na frente de Bree, passando suavemente a mão em uma rachadura do rosto dela.
— Não. Graças a você! Muito obrigada. – ela sorriu fraco, e percebi que ele ficou acanhado com isso. Senti-me um pouco deslocada no meio dois.
— Não se preocupe, eu cuido dela agora. – toquei seu ombro, atrapalhando o clima esquisito entre eles.
Não fui feita para ficar sobrando.
Ele assentiu e se afastou, olhando uma última vez para a garota do meu lado.
— O que rolou aqui, hein? – questionei, disfarçando minha preocupação com um tom descontraído.
— Um deles tentou caçar brigar comigo e Diego me ajudou, só isso. – afirmou, sem jeito.
— Sei... – a encarei, desconfiada. — Por que não estava com o Fred?
Completamente muda e com um olhar significativo, ela apontou com a cabeça para um corpo longe dali, que se alastrava em chamas. Cobri minha boca, horrorizada.
— Ele tentou me ajudar, mas o poder dele não funcionou no meio de uma briga. – Bree explicou, parecendo melancólica.
— Eu sinto muito por não estar aqui! – meu remorso era verdadeiro. O caos estava acontecendo aqui enquanto eu me divertia quebrando as regras. Se eu estivesse aqui talvez o Fred não...
Céus, por que eu fui inventar de sair?
— Eu... Eu achei que não fosse voltar! – ela desabafou, cobrindo o rosto com suas mãos. — Pensei que fosse me abandonar.
Minha culpa só aumentava. Vê-la tão desesperada por minha causa foi como um golpe certeiro em mim.
— Eu disse que protegeria você, Bree. – comecei, quase sussurrando. — Me desculpa por ter chegado tarde dessa vez, mas isso não vai acontecer de novo!
Ela me abraçou firme, como se eu pudesse fugir caso me soltasse. Apenas consegui retribuir na mesma intensidade.
— Como foi lá fora? – perguntou com a voz baixíssima, do modo que sempre fazíamos quando não queríamos chamar a atenção.
— Riley está mentindo, não tem absolutamente perigo nenhum lá fora. – afirmei, no mesmo tom.
— O que vamos fazer agora?
— Acho que deveríamos fugir. Para bem longe!
— Mas para onde iríamos?
— Eu não sei, mas não acho seguro ficarmos aqui. – respondi, com a voz vacilando em insegurança.
— Mas e o clã inimigo? – questionou, preocupada.
— Acho que Riley está mentindo sobre eles também. Pensa comigo, Bree! Se fossem tão perigosos assim já teriam nos atacado à essa altura. Estamos fazendo um caos em Seattle. – afirmei, convicta de minha teoria. — Eu realmente acho que deveríamos sumir daqui antes que seja tarde demais.
Ela ficou inquieta. Vejo-a olhar brevemente para Diego e então desviar os olhos para mim quando ele notou.
— Mas e aí... – sorrio sugestiva, tentando quebrar a tensão que criei. — Tá rolando alguma coisa com o Miller?
— O quê? De onde tirou isso? – negou com a cabeça, constrangida. Abafei uma risada com a mão.
— Sei lá. Vocês ficam se encarando de um jeito estranho… Me sinto observando crianças no fundamental.
— Ele é... legal! – ela admitiu, olhando para o chão.
— Deveria tentar investir nele! – sugeri, vendo a mesma me olhar perplexa. — Não me olha assim, pirralha! Nós já estamos na merda mesmo, por que não? – baguncei seus cabelos.
Antes que Bree pudesse me responder, Riley chegou para nos escoltar para fora, afirmando já ter anoitecido. Nós o seguimos. Dessa vez, ele não nos levou para nos alimentarmos como sempre fazia. Acho que quer nos castigar pelo caos que os outros vem fazendo. Bom, deu certo. Vi vários deles começarem a ficar estressados, obrigando-me a manter Bree atrás de mim, na defensiva.
Observei Riley se distanciar, nos vigiando de longe. Nossos olhares se encontram momentaneamente, mas ele não sustentou isso por muito tempo.
— Eu estive pensando... – Bree começou. — Fred tinha poderes. E se nós também tivermos? – concluiu, me deixando pensativa.
— Eu não sinto nada que indique algum poder, e você? – ela negou em resposta e eu suspirei, frustada. — Eu queria ter poderes! – afirmei, sem conseguir evitar o bico infantil que se formou nos meus lábios. A morena riu às minhas custas.
Diego caminhou em velocidade humana até nós duas. Estreitei os olhos em sua direção, desconfiada. Ele geralmente fica próximo de Riley ou controlando aqueles que não se comportam, não entendi sua aproximação.
— Olá! – cumprimentou. — Eu sou o Diego. – me contive para não revirar os olhos.
— É, eu sei! – respondi, cruzando os braços. Ele me olhou esperando algo. — Eva.
— Prazer em conhece-la!
Respirei fundo, impaciente com suas formalidades.
— Não deveria estar lá? – apontei com a cabeça em direção aos outros e senti Bree me beliscar.
— Digamos que tirei uma folga. – afirmou em um tom descontraído. Ele alternou o olhar entre mim e Bree. Entendi que está pedindo que eu saia indiretamente e revirei os olhos, me distanciando, ainda com os ouvidos atentos nos dois.
Então encarei Riley, que parecia alheio a todos ao seu redor.
Belo vigilante você!
Como um imã, caminhei em sua direção e parei ao seu lado, tendo minha presença completamente ignorada. Como sempre.
— E aí? – cumprimentei, sem tirar os olhos dele. Recebi seu silêncio em resposta. — Adoro sua voz, Biers! – ironizei, contendo minha irritação. A sombra de um sorriso apareceu em seu rosto rapidamente, sumindo ainda mais rápido logo em seguida.
— Você não vai desistir disso, né? – perguntou.
— Não consigo. – admiti, atraindo um olhar intenso seu que seria capaz de arrepiar qualquer garota humana dessa cidade. Riley era bonito, eu seria cega se negasse isso. No entanto, isso nunca seria capaz de compensar tudo o que ele fez.
— Eva… – se aproximou, me deixando esperançosa de uma mínima abertura naquela muralha invisível que ele tinha ao seu redor. — Eu acho melhor você ficar distante de mim, para o seu próprio bem. – se afastou novamente. Bufei, sem conseguir deixar de transparecer minha frustração.
— Eu não entendo… Desde quando você se preocupa com meu bem?
— Não foi isso que eu quis dizer! – rebateu, mas vi que ficou desconfortável com a pergunta.
— Sim, você se preocupa. – afirmei, incrédula. — Você poderia simplesmente ter me entregado a Ela como fez com todos os outros, mas preferiu me ajudar antes. Aposto que isso não foi uma ordem dela, e sim uma vontade sua! – acusei, percebendo que ele tentava covardemente evitar meu olhar. — Por quê?
— Se junte aos outros, Eva. Agora! – seus olhos finalmente encontraram os meus, agora com um brilho raivoso passando pelas suas iris escarlate. — É uma ordem! – ele rosnou, me cortando antes que eu pudesse abrir a boca para contestar.
Eu bufei, incrédula com sua atitude. Então me virei e segui na direção oposta, enfurecida. Passei direto por Bree e Diego, pisando duro. Vi ela me lançar um olhar questionador.
— Depois conversamos! – sussurrei seca, sabendo que me ouviria.
Me encostei em uma parede qualquer, sentindo ela rachar suavemente atrás de mim por conta do impacto. Minha mente começou a divagar. Ora arquitetando um plano para saciar meu espírito intrometido e teimoso, ora criando cenários imaginários onde eu exterminava Riley Biers de todas as formas possíveis.
Vi ele caminhar até o centro do lugar, atraindo a atenção de todo mundo. Todos ficaram lado a lado na sua frente formando uma fila, prontos para escutar qualquer ordem. Minha vontade era de permanecer plantada onde estou, mas sabia que estava em desvantagem e não queria brincar com isso quando eu tinha Bree para cuidar. Então me juntei à eles.
— Em nossa batalha contra o clã inimigo, vocês também terão como prioridade localizar este cheiro. – Riley discursou, assumindo sua típica postura dominante. Eu até admiraria essa sua pose, mas minha vontade de socá-lo se encontrava muito maior no momento. Ele entregou uma blusa vermelha para um homem que encontrava-se do lado oposto da fila. — Devo ressaltar que vocês não podem eliminar esse alvo, porque quem fará isso sou eu. – ditou, enquanto acompanhava o pano que passava de mão em mão, até chegar em mim.
Afundei meu nariz no tecido, absorvendo todo aquele aroma, sentindo uma leve ardência na garganta. O cheiro predominante era de morango. Sendo sincera, era bem agradável, mais do que o normal. Passei a veste para alguém do meu lado.
— Por enquanto, é apenas isso. Memorizem esse cheiro o quanto antes, partiremos em 2 dias. – Biers nos dispensou e se retirou. Vigiei discretamente ele se dirigir ao Diego e foquei minha audição neles.
— Você toma conta hoje, preciso me encontrar com Ela. – Riley sussurrou tão baixo que foi até um pouco difícil para ouvir, então Diego assentiu. Minha curiosidade praticamente latejou ao ver ele indo embora e eu mordi meu lábio inferior como reflexo da minha própria hesitação.
Segui a direção que ele tomou em velocidade humana, tentando ser o mais discreta possível, mas fui interceptada por Bree que me lançou um olhar julgador.
— Onde está indo? – sibilou.
— Desculpa, eu preciso sair hoje! – desviei, mas ela se intrometeu no meu caminho novamente.
— Isso é muito arriscado, Eva… Não vai, por favor! – pediu, encarando minha alma com seus olhos amedrontados.
— Eu preciso descobrir no que estamos nos metendo, Bree. – segurei seu rosto, tentando a tranquilizar. — Fique com o Diego por enquanto, ele vai proteger você! O distraia para que ele não me perceba.
— Ele já sabe sobre nossas desconfianças, eu contei para ele quando você saiu. – estreitei meus olhos com sua afirmação. — Tá tudo bem! Ele é confiável, não vai nos dedurar.
À essa altura, eu já não consigo confiar em mais ninguém.
— Toma cuidado, tá? – dei um abraço demorado nela. — Preciso ir! Vá para Diego agora. E não abaixe a guarda para ninguém. – sussurrei a última parte mais baixo e ela me obedeceu, ainda me encarando com preocupação.
Continuei meu trajeto, agora sem Riley à vista. Por sorte, seu cheiro fresco ainda denunciava a direção que ele havia tomado. Em alta velocidade, segui o aroma, me distanciando do lugar. Corri por mais de vinte minutos, tomando cuidado de não ser rápida o suficiente para esbarrar nele.
Então parei de correr quando um prédio entrou em meu campo de visão, com alguns quilômetros de distância. Ainda estava muito longe para ouvir ele, então me movi da forma mais silenciosa que consegui para me aproximar. Sei que o Biers vai sentir meu cheiro se chegar muito perto, então fiquei distante o suficiente apenas para conseguir ouvi-lo minimamente, me escondendo ao lado de uma caçamba de lixo. Torci o nariz, enojada com o cheiro extremamente forte e repulsivo, mas me concentrei nos sons. Ele estava discutindo com alguém, não reconheci a voz, mas era feminina.
— Então Victoria, não vem com a gente? – Riley questionou.
— Vai ser uma decisão de última hora. Eu já te falei como funciona… – a mulher desconhecida explicou.
— Os Cullen tem poderes…
Poderes? Ele nunca nos mencionou isso.
— Não os subestime, Riley. Vai superá-los em número, mas eles vão ser capazes de antecipar cada movimento seu.
— Como fizeram com seu amigo? — ele deduziu, cuidadoso.
— É, meu amigo morto! Laurent descobriu as coisas que eles podiam fazer e o mataram, mas não antes que ele pudesse me contar. – ela era bem convincente, mas consegui notar que não estava sendo sincera. Pelo menos não totalmente.
Ouvi alguns passos.
— Ele podia estar errado. Quer dizer, isso aqui era para ser território dos Cullen… – a voz do Biers era alastrada por um sarcasmo ácido. — Mas estamos arrasando com tudo e não vi nenhum deles aqui. – acusou, sorrateiramente.
— Não confia em mim? – revirei os olhos com a mudança de tom repentina na voz dela. A sua falsidade era quase palpável e eu quis bater minha cabeça contra a parede ao notar que Riley caia nisso feito patinho.
— Com toda minha vida, eu só tô dizendo que…
— Eu tô fazendo isso pela gente. – Victoria o interrompeu, dando continuidade ao seu teatro melodramático. — Para a gente poder comer, sem a retaliação deles. Eu não posso mais viver com medo, esperando que eles venham atacar e…
— Eu não vou deixar. Eu vou acabar com todo o clã dos Cullens, eu juro. – Riley afirmou. Após isso, só consegui escutar os dois começando um momento íntimo ali, fazendo-me arrepender mortalmente por ter o seguido.
Fiquei constrangida com os sons, mas minha irritante curiosidade adora me colocar em situações assim. Aguardei eles terminarem aquela cena ridícula enquanto brincava com meus dedos, tentando me manter alheia e lutando contra a vontade de ir embora.
Preciso descobrir mais.
...
Eles acabaram com aquilo. Não sei quanto tempo demorou, mas acabaram.
— Nos vemos em dois dias. – ela se despediu e eu finalmente consegui vê-la saindo do lugar. Seus cabelos ruivos e rebeldes imediatamente me relembraram a minha última visão quando era humana.
Assim que a perdi de vista, adentrei o prédio imprudentemente. O local tinha uma péssima iluminação, mas eu ainda enxergava tudo tão claramente como se estivesse de dia. Precisava encontrar o Biers. Ainda estava desacreditada em como ele se deixou enganar tão fácil. Antes que eu pudesse começar a procurar, sua figura correu em minha direção e me jogou contra o chão, prendendo meu pescoço com uma força desnecessariamente bruta.
— O que pensa que está fazendo aqui? – rosnou, furioso.
— R-Riley! – dou tapinhas em seu braço pedido para que ele me soltasse, mas fui ignorada. Ser amigável não vai adiantar, pelo que percebi.
Impulsionei minhas pernas para cima e dei um chute certeiro na sua barriga, empurrando-o para longe. Tomei uma postura defensiva ao ver que ele não pararia com os ataque e desviei com esforço de todas as suas tentativas de golpes, até finalmente conseguir o derrubar com uma rasteira. Subi em cima dele e o prendi pelo pescoço, rosnando enfurecida pela sua audácia de também segurar o meu.
Então algo estranho aconteceu. A minha sombra, que se projetava logo acima de Riley, pareceu tremer. É loucura, mas eu senti minha mão sugar a escuridão de minha própria sombra. Minhas palmas começaram a irradiar uma energia escura, enquanto alguns tentáculos negros começaram a subir pela face de Riley. A sensação era de que eu estava cortando sua pele com meus próprios dedos, mas minhas mãos ainda estavam paralisadas no seu pescoço. Mesmo que não estivesse usando força nenhuma, seu rosto começou a formar rachaduras grotescas, ao mesmo passo em que ele começou a gritar de dor.
Eu me empurrei para longe, assustada.
Biers apertou o próprio pescoço, ainda desconfortável com a dor. Me olhou perplexo, mas eu me ocupava encarando minhas mãos com confusão. Ainda sentia aquela coisa querendo escapar por entre meus dedos, enquanto algum tipo de energia percorria por todas veias dos meus braços.
— Como… – ele inspirou, como se precisasse recuperar o ar. — Como fez isso? – questionou, com os olhos ainda arregalados.
Me mantive paralisada, ainda com aquela sensação estranha.
— Eu não sei!
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