17 A Visita
O sorriso de Laisa permanecia em seu rosto. Enquanto terminava de detalhar o maldoso plano de conseguir testemunhas ( a todo custo e a qualquer preço ) para acusar Joseline, ele crescia dotado de uma perversidade sem precedentes.
Mas foi penosamente desiludida por Maurício, que tomou tudo aquilo como um desaforo para si mesmo.
- Eu não vou fazer uma coisa dessas, Laisa. Está muito enganada se acredita que eu exporia Joseline à toda essa vergonha. Se falei tudo aquilo para ela foi no calor do momento, senti raiva por saber que ela já foi de outro homem. Mas eu sei que Joseline não é o que você está querendo fazer parecer que ela era. Eu mesmo estou arrependido de tudo o que falei para ela. Não vou voltar atrás na minha decisão de me divorciar, mas é apenas isso. Denegrir a imagem da minha ex noiva não está nos meus planos.
Laisa estava estática, incrédula e boquiaberta.
- E tem mais - ele a apontou com o dedo. - Você sempre foi falsa conosco. Deveria ter vergonha de um dia ter se considerado amiga de Joseline. Ou minha. Você não é amiga, Laisa. Amigo não faz o que você está querendo fazer.
Laisa balançou a cabeça e riu, desdenhosa.
- Você é patético, Maurício. Um corno manso! Merece o belo par de chifres que ganhou - pegou a bolsa do sofá com violência. - Parabéns, eu tentei ajudar. Mas se quer ficar sendo visto como o que foi corneado pela noivinha, eu não posso fazer mais nada.
Ela encarou uma última vez os três homens ali presentes.
- Passar muito bem, todos vocês!
E se retirou.
🌻
Jane entrou no quarto segurando uma pilha de roupas que acabara de tirar do varal, e jogou-a sobre um canto da cama.
A mãe já estava no quarto, arrumando as peças espalhadas e o irmãozinho, Sassá, dormia um sono tranquilo no outro lado da cama, enquanto o ventilador velho e sem a tampa, fazia seu trabalho até que de forma bem eficiente.
O calor era insuportável e a menina prendeu o cabelo no alto da cabeça, antes de começar a guardar as roupas limpas.
Ambas ficaram absortas naquela tarefa monótona de dobrar e guardar, até que Jane, cuja mente pipocava com muitos pensamentos, quis saber se a mãe não estava sentindo a falta da irmã mais velha.
- Mãe? - Ela teve que repetir, pois Joana parecia pouco disposta a responder. Mas ela era insistente.
- É claro que sinto - foi a resposta, crua.
- Pois não parece - Jane disse, incisiva, porém em voz baixa, para não atrapalhar o sono do irmão.
Joana a olhou com desagrado.
- Deixa de conversa e termina de guardar essas roupas.
Ela ia saindo do quarto, mas Jane a agarrou pelo braço, detendo-a.
- Mãe, conversa comigo. Às vezes... Às vezes parece que a senhora nem se importa com a Jô, ou em como ela está. Você nem quis saber nada dela, depois que eu vim do sítio da vovó. Por que, mãe? Por que vocês estão tratando ela assim?
O silêncio da mãe só a instigava mais.
- É só por que ela não era mais virgem? Só por isso??
- Isso é uma coisa séria, Jane. Você não pode achar esse tipo de coisa normal. O que Joseline fez, foi errado. Ela deu um péssimo exemplo pra você e pras outras meninas. Ela deveria ter se guardado pro marido dela, pra depois do casamento. E ponto final.
- Mas, mãe... Isso não deveria ser um motivo pro Maurício ter expulsado ela da casa deles daquela forma e nem deveria ser motivo pra você e meu pai não receber mais a Jô aqui em casa. Ela não cometeu nenhum crime.
- Não, não cometeu. Mas desonrou o marido dela, desonrou os sogros e desonrou seu pai e eu. Isso é pecado, diante de Deus. Ele abomina quem faz esse tipo de coisa.
- Eu... - Jane sentia vontade de chorar. - Eu acho que Deus gostou do que a Jô fez, pelo menos um pouco.
- Como tem coragem de dizer um absurdo desses? Sua irmã se deitou com o próprio chefe! Traiu o noivo, um moço tão bom e honrado como o Maurício!
- E você nunca parou pra pensar no porquê ela fez isso?? A Jô salvou o Pedrinho, mãe! Se não fosse por ela, uma hora dessas ele poderia estar morto. É graças ao absurdo que ela fez, que ele está vivo e sendo tratado pelos médicos.
Joana engoliu em seco. Era como se, indiretamente, a filha tivesse jogado em sua cara que a culpada de tudo o que vinha acontecendo, era dela, da própria Joana.
Afinal, havia sido ela quem induzira Joseline à pedir ajuda ao patrão. Tantas vezes insistiu para que ela recorresse à ele! É óbvio que o canalha pediria algo em troca. Mas jamais pensou que Joseline poderia ceder...
Joana chacoalhou a própria cabeça. Se recusava a admitir que tinha culpa no fim precoce do casamento de Joseline e Maurício. Joseline era adulta, sabia muito bem o que era certo e errado, o que era pecado e o que não era.
Suas mãos estavam lavadas.
Jane ficou pasma diante do silêncio da mãe. Ela a via cada vez mais como uma mulher apática, incapaz de dar respostas para as perguntas que rondavam sua jovem mente. Sua mãe tinha um modo de pensar retrógrado, atrasado, assim como seu pai, os pais de Maurício e ele próprio.
- Quer saber? Deixa pra lá, mãe.
Jane dobrou as últimas peças, guardou-as e saiu para caminhar e desanuviar a cabeça.
🌻
Ela suspirou ao passar em frente à um Clube. Como gostaria de poder entrar ali e se refrescar em uma daquelas piscinas grandes e cheias de gente tomando alguma coisa, de preferência bem gelado! Mas com que dinheiro?
- Droga de vida miserável! - Murmurou, prendendo o cabelo ainda mais alto, quase no topo da cabeça.
Como não podia entrar e usufruir das maravilhas que o interior do Clube podia ofertá-la, decidiu se sentar ali, já que na frente do prédio havia uma senhora árvore frondosa, com uma sombra muito acolhedora.
Jane pensava em Joseline. Na vergonha, culpa e tristeza que vira nos olhos dela e em como ela se sentia desamparada. É claro que não estava, mas Jane podia imaginar como era difícil para a irmã não pensar que estava sozinha em seu pior momento. Gostaria de poder ficar com ela no sítio, mas sabia que o pai e a mãe jamais permitiriam.
" A sua irmã não é mais um bom exemplo pra você, Jane. " Era o que diriam eles.
Ela revirou os olhos, desdenhosa.
- Jane?
Ela se levantou da calçada de forma atrapalhada, apressada.
Deparou-se com Eric, que saía de dentro do Clube, com os cabelos úmidos e uma toalha de cor laranja sobre os ombros. Ele usava apenas um short e Jane reparou no quanto a pele branquinha dele estava vermelha, por causa do sol.
- Eric! Oi! - Ela agora se lamentava profundamente de não ter se arrumado um pouco mais ou penteado o cabelo, antes de sair de casa. Saíra tão chateada com a mãe que não havia pensado em como sua aparência poderia estar.
- Tá fazendo o quê aqui?
- Eu... Nada - ela sacudiu os ombros. - Só estava passando e resolvi descansar um pouco.
Ela se abanou com as próprias mãos.
- Muito calor.
- Está mesmo - o mauricinho concordou e apontou o Clube atrás deles. - Por isso vim refrescar um pouco. A piscina de casa tá com problema.
Então a casa dele tinha piscina...
Jane sorriu para Eric.
- Bom, eu não tenho piscina em casa. Se eu quiser dar um mergulho, tenho que ir pro sítio da minha avó, lá tem um lago, sabe? Eu adoro nadar...
Um homem saiu de dentro do Clube. Ele também estava com os cabelos úmidos, mas vestia uma camiseta. Jane deduziu ser o pai de Eric, devido a semelhança.
Ele mexia em um aparelho de celular e a olhou brevemente, antes de dizer à Eric:
- Já chega de Clube. Vamos embora.
Eric assentiu e a olhou. O olhar dele a fez corar e saltitar por dentro.
- Eu vou nessa, Jane. A gente se vê!
- Claro... - ela acenou, vendo-o se afastar.
O pai de Eric o esperava do lado do carona. Jane os ouviu conversar.
- Quem é essa menina, filho?
- Ela estuda na minha escola. É uma amiga.
Amiga! Ele a considerava uma amiga!
Jane ficou de fato surpresa. Não pensou que Eric pudesse ter qualquer consideração por ela. É verdade que haviam trocado beijos em Palmas, mas não achava que ele a considerasse sequer como colega. Ela se animou. Ele com certeza não era um playboy sem coração.
- Não quero você andando com esse tipo de gente.
Jane sentiu seu ânimo desaparecer como fumaça ao ouvir aquilo.
O homem deu a volta e entrou no carro. Eric permaneceu parado ali por uns dois segundos, antes de abrir a porta.
Jane sentia seu coração saltar agora, mas de uma forma angustiante, como uma sensação ruim. Sentiu a boca seca.
No entanto, antes de entrar no carro do pai, Eric olhou para trás, para ela, e sorriu. Aquele sorriso que ela amava e não sabia dizer o porquê.
Ela sorriu de volta e ele se foi.
Eric parecia se rebelar contra o pai, ao sorrir para ela, mesmo depois do que ele havia dito. Aquele sorriso significava que ele não estava nem aí para o que seu pai pensava.
Mas Jane ficou se perguntando que tipo de gente ela era.
🌻
O sol nascia e se punha em Paraíso do Tocantins, dia após dia, e Joseline permanecia isolada naquele quarto pequeno no sítio da avó.
Para o desgosto da boa senhora, ela mal tocava na comida, tão amorosamente preparada, ou nas tigelas de sopa fumegantes de aroma deliciosos que ela levava ao quarto. Joseline não comia.
Por conta disso, em poucos dias, seu emagrecimento - nada saudável - era visível a qualquer olho, embora somente a pobre avó fosse testemunha daquele sofrimento.
Joseline chorava tanto que tinha ânsias de vômito e à noite, seu frágil e debilitado corpo ardia numa violenta febre de quarenta graus.
A madrugada silenciosa no sitio era interrompida pelos gritos aflitos e cortantes da jovem, e dona Zélia se levantava, cansada, para acordá-la de sabe lá Deus quais pesadelos horríveis estava tendo.
A avó se sentava na cabeceira da cama, e, enquanto mantinha uma toalha úmida na testa da neta, seus olhos estavam fixos no chão de terra pouco iluminado pela luz do candeeiro. Dona Zélia pensava, pensava e pensava. Tinha muita dó da menina e sentia uma grande indignação, assim como Jane, pelo descaso dos pais para com ela.
Joseline talvez tivesse cometido alguns erros. Mas certamente ela não merecia aquilo.
🌻
Até que um dia, já não aguentando mais ver aquela situação, dona Zélia entrou de supetão no quarto e ordenou que Joseline saísse dali de dentro e reagisse.
Ela não pediu carinhosamente ou com palavras afetuosas, ela queria confrontar a neta, e foi o que fez.
- Eu estou mandando você sair desse quarto, Joseline! Eu sou sua avó e posso mandar em você. Não vou aceitar que fique enfurnada nesse quarto com esse calor infernal, nessa penúria que você está. Você não come, não toma os chás que faço pra você, você mal toma banho, Joseline! Que vida é essa que você quer levar? Quer ficar aqui pra sempre, nesse fim de mundo, deitada, prostrada, sem fazer nada, sem comer, sem beber, só chorando, dia e noite? Você acha que sua vida vai mudar milagrosamente assim, com você aí deitada nessa cama, nesses lençóis que já devem estar imundos?! Você já já tá pesando menos que um gato e eu não vou aceitar isso, de jeito nenhum! Então você trata de levantar, tomar um banho e, vai viver! Por que você não estáklo vivendo, está vegetando!
Dona Zélia parou para tomar fôlego e olhou para a neta. Suas palavras não pareceram surtir efeito algum, pois Joseline a encarava, apática, os olhos sem vida, quase fechados.
- Só quero dormir um pouco, vó... - foram suas palavras, quase sussurradas.
Dona Zélia suspirou, passando a mão pelo rosto suado.
- Bom, seu sono vai ter que esperar mais um pouco. Você vai ter que levantar, de um jeito, ou de outro.
E então ela disse o que deveria ter dito, desde que entrara no quarto:
- Tem visita pra você, Joseline.
Os olhos de Joseline se abriram, um pouco mais. Ela sentiu o coração bater forte e rápido.
- É Maurício? - Perguntou, esperançosa.
A avó mal podia acreditar naquilo.
- O quê? Eu não deixaria aquele crápula entrar na minha terra, nem se viesse implorando perdão de joelhos e pintado de ouro!
E, repetiu, duramente:
- Vá tomar banho, menina. E penteia os cabelos. Você tem visita.
🌻
Joseline assim o fez. Estava fraca, era verdade, mas algo em seu íntimo lhe dizia que Maurício havia se arrependido e que estava ali para se reconciliar com ela e a levar de volta para casa. Esse pensamento a deu forças para se esfregar, lavar os cabelos e se aprontar. A avó tinha razão: estava um trapo naquela cama.
Os milagres de um banho! Ela estava se sentindo bem melhor, quando entrou na salinha apertada da avó e por um instante, quase tonteou e caiu.
O visitante era Afonso Moreau.
...
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