15 Humilhada
Aquela era de longe a maior humilhação que já havia passado em sua vida. E Joseline jamais imaginaria que viria de alguém que tinha toda a sua confiança e amor.
Ela não conseguia entender. Maurício era o seu príncipe, o que a salvava dos dias entediantes e que a fazia ter alguma perspectiva de vida, em meio à tanta dificuldade que sua família passava.
Mas, enquanto ele a colocava para fora de casa - de camisola e tudo - e gritava todo tipo de ofensas direcionadas à ela, o que via era um homem incompreensivo, ignorante e cruel. Como ela podia ter se enganado daquela forma?
Sua virgindade ou a inexistência dela não deveria ser um motivo plausível para ser tratada daquela forma. Ou era?
Será que era tão indigna assim de ser uma esposa, uma mulher honrada? Maurício se importava tanto com a pureza de seu corpo a ponto de terminar um casamento que mal havia começado?
Tudo isso passou por sua cabeça apenas depois, dias depois, quando conseguiu parar para pensar.
Mas, naquele momento, enquanto era jogada na rua debaixo de uma chuva de ofensas vindas de Maurício, ela só sabia implorar. Implorar por perdão, implorar que ele não fizesse aquilo e reconsiderasse sua decisão.
- Fora daqui! Eu sou um homem honrado e mereço uma esposa honrada, como eu! - Dizia ele.
Os gritos já haviam chamado a atenção dos vizinhos, que obviamente não perderiam por nada aquela novidade: um escândalo na casa dos recém-casados.
- Estão vendo essa mulher? - Maurício gritava, com toda a força de suas cordas vocais. - Ela é uma devassa! Ela me traía enquanto era a minha noiva! Me enganou todo esse tempo! É isso mesmo! Joseline Assis é uma vagabunda, uma mulher devassa e desonesta!!!
- Para! - Joseline também gritou, porém, sua voz era fraca. - Para, Maurício, por favor...! Eu te imploro...
Ela se colocou de joelhos aos pés dele, mas ele a fez se levantar, empurrando-a para mais longe.
Seus pais saíram de casa, aturdidos com os gritos, querendo saber que escândalo todo era aquele.
- Meu filho, o que está acontecendo? O que você está fazendo??
- Joseline acabou de me dizer que não é mais pura, pai. Ela não é virgem, e eu não posso ficar com uma mulher que já foi tocada por outro.
Vera e Ernane se entreolharam, os olhos arregalados. E, quando Joseline, aos prantos, pôs-se a andar na direção deles para pedir que intervissem, viraram as costas e entraram em casa rapidamente.
🌻
Aquela foi apenas a primeira das portas que se fecharam para ela. Joseline, convencida depois de muito pedir e implorar, que Maurício realmente estava falando sério sobre expulsá-la, correu para a casa dos pais, que, graças a Deus, ficava bem ali pertinho na mesma rua.
Entretanto, para seu total desconsolo, uma decisão havia sido tomada ali dentro. Seu Genésio escutara tudo, desde o início. Ouvira cada um dos impropérios dirigidos à filha. A mulher e os filhos, reunidos na sala, também ouviram o alvoroço, os pequenos sem entender muito bem, a princípio.
Jane estava confusa, mas, diante dos gritos que ela e toda a vizinhança ouvia, entendeu que algo muito ruim estava acontecendo com a irmã. E que ela precisava de ajuda.
Viu o pai caminhar com certa hesitação até a porta fechada da sala. Ele parecia sentir dor ao fazer aquilo, parecia se arrastar. Mas ela viu quando ele, com uma lentidão mórbida, virou a chave na fechadura. A porta agora estava trancada.
Um segundo depois, novos gritos começaram.
- Pai! Mãe! Abre a porta pra mim, por favor! - A voz abafada de Joseline chegou até o interior da casa, enquanto ela batia na porta, em desespero.
Jane arregalou os olhos, descrente de que o pai havia de fato trancado a porta de propósito para Joseline não entrar. Imediatamente, caminhou até ele.
- Pai, o que está fazendo? Não está ouvindo a Jô gritar do lado de fora? Abre a porta pra ela!
O olhar de Genésio encontrou o de Joana. E num acordo mudo, eles decidiram. A porta não seria aberta. O que os vizinhos iriam pensar, se acolhessem uma filha desonrada em casa? Eram pobres, porém prezavam por sua reputação.
- Vai pro quarto, Jane - disse Joana, roboticamente, os olhos fixos, lacrimejantes.
- O quê?? - A garota gritou, histérica, sem acreditar que aquela situação era real. - Vocês vão mesmo deixar ela lá fora? Que loucura é essa?
Joana a agarrou pelo braço e a empurrou para o quarto.
- Vocês não podem fazer isso! Ela é a filha de vocês e precisa de ajuda! Abre a porta pra minha irmã!!!
Os gritos de ambas as filhas foram ignorados friamente pelos pais.
Joana desabou no sofá e escondeu o rosto com as mãos sendo sacudida por um choro silencioso, enquanto era observada pelo marido.
Do lado de fora, cansada de gritar e bater na porta, Joseline enxergava apenas uma saída.
Era tarde da noite, estava quase nua - era assim que sentia, com aquela camisola fina e transparente - e ela sentia frio.
Também estava descalça, mas aquele era o menor dos seus problemas. Então ela correu. Correu com todo o peso da vergonha e humilhação que passara, em suas costas, até pegar a estrada de terra, em direção ao sítio da avó.
🌻
A porta da casa agora era furiosamente esmurrada por Maurício, que gritava e ordenava que a abrissem.
Dessa vez, após alguns minutos de demora e silêncio, seu Genésio a abriu, receoso.
Maurício foi entrando, pisando forte, demonstrando toda a razão que acreditava ter.
- Vocês já devem saber porque estou aqui e também já devem saber o que aconteceu - ele disse. - Estou muito chateado com o que fizeram.
- Mas nós não fizemos nada, Maurício - foi Joana quem se pronunciou primeiro.
- Vocês acobertaram a Joseline todo esse tempo! - Acusou. - Sabiam que ela já não era mais virgem e mesmo assim a empurraram para se casar comigo!
- A gente não sabia não, senhor - seu Genésio pigarreou ao falar. A presença daquele jovem irritado em sua casa o fez se sentir mal. - " Nós achava " que ela era moça pura.
- Eu fui enganado por todos vocês! - Maurício gritou, irredutível. - Estão tão desesperados assim por dinheiro, que omitiram o fato de que a filha de vocês é uma vagabunda!?
- Não fala assim da minha irmã, seu estúpido! - Jane despontou do quarto, onde a mãe havia ordenado que ficasse. Entretanto, estava inconformada e indignada demais para continuar ouvindo aqueles disparates.
Ela olhou primeiro para os pais.
- Eu... - ela meneou a cabeça, de tão absurdamente bestificada que estava. - Não consigo acreditar que estou ouvindo essas coisas. Parece que vocês vivem no século passado! E daí que a Jô...
Jane hesitou. Aquilo era novidade até para ela, pois Joseline jamais lhe confidenciara aquele assunto. Mas nem por isso considerava o fato como um erro grave.
- Isso não deveria ter importância alguma! Pai, mãe... não deveriam ter negado abrigo para Joseline.
- E o que você entende sobre isso? - Interpelou o pai, severo. - Você é apenas uma criança! Não se meta nisso, Jane!
- Não me trate como criança, pai, porque eu não sou! - A postura dela era desafiadora. - Entendo o suficiente para saber que não se bate a porta na cara de uma filha só porque ela não é mais virgem!
- Jane Assis! - Esbravejou a mãe.
Jane se voltou para Maurício, então.
- E você? Cadê aquele amor todo que você jurou há algumas horas para a minha irmã, no altar? Era tudo mentira, não era? Era tudo falsidade! Você não a amava coisa nenhuma!
- Eu... - Maurício pareceu desnorteado por um momento. - É claro que eu a amava. Eu a amo, mas... não posso suportar a ideia de que ela já foi de outro...
- Papo furado esse seu - Jane o desprezou com o olhar. - Você agora está mostrando quem realmente é, Maurício.
- Jane, cala essa boca! - Genésio gritou. Ele podia sentir a raiva fervendo dentro do rapaz com as palavras da filha.
- Você é um canalha, Maurício. Eu espero que a Jô nunca te perdoe! Que pena que ela não se livrou de você a tempo...
- Eu mandei calar a boca, merda! - O rosto de Jane recebeu a marca dos cinco dedos do pai.
Ela fitou os três adultos ali, com os olhos lacrimosos. Pelo menos havia dito o que ia no seu coração.
Então correu para o quarto, com o rosto ardendo pelo tapa que recebera.
🌻
Dona Zélia se preparava para apagar o candeeiro, quando o barulho na cancela a pôs em alerta. Por um segundo, pensou em pegar a espingarda atrás da porta. Era uma pequena ''herança'' de seu falecido marido, que ela mantinha sempre ali, à noite, para o caso de alguma eventualidade.
Qual eventualidade! Imediatamente, os gritos de Joseline e seu choro compulsivo chegaram aos ouvidos da boa senhora.
Ao abrir a porta, por pouco não a reconheceu.
Joseline estava quase nua. Seus cabelos estavam embolados, a camisola suja de terra estava rasgada e amassada, e seus pés descalços estavam machucados e sangravam.
Seu coração de vó apertou, de imediato.
" Pobrezinha, que estrago. "
- Minha filha!
Joseline se jogou nos braços da avó. Ela não tinha forças para nada além de chorar. E chorou por muito tempo. Chorava com ruídos altíssimos, de tal maneira que seu corpo se convulsionava e dona Zélia foi ao chão, ainda com a neta agarrada a si. E ficaram ali, no chão de terra batida do casebre, enquanto Joseline chorava amargamente.
Quando conseguiu falar, sua voz era um balbucio entremeado pelo choro.
- Ele me expulsou de casa, vó... Maurício me expulsou...! Eu... - soluços e mais soluços. - Eu contei a ele que não sou mais virgem, querendo ser honesta e ele...
Ela apertou os olhos com força e uma nova onda de lágrimas ardidas escorreram de seus olhos.
- Ele me chamou de... - ela era incapaz de pronunciar a palavra. - Ele me humilhou da pior forma, vó... Disse que eu era uma devassa e que era indigna de ser a esposa dele.
- Querida, sinto muito... - Zélia a abraçou um pouco mais.
- Por que eu aceitei me deitar com aquele homem, vó? Por que eu fiz aquilo? Olha só no que deu... acho que perdi o Maurício pra sempre! Ele me amava tanto e eu o traí dessa forma!
- Se ele fez isso com você, é porque não te amava coisa nenhuma! Talvez no fim das contas isso seja bom. Você se livrou de um traste, filha.
- Como ser expulsa de casa pelo próprio marido na noite do casamento pode ser algo bom, vó? Eu devo ser a mais medíocre das criaturas que já pisou na face dessa terra.
- Não diga isso, Joseline. Você é boa, minha filha, e tem um coração de ouro. Se ele não viu isso, pior para ele.
No auge de seu desespero, Joseline não pensava assim. Acreditava ser a única culpada pela humilhação que estava sofrendo. Maurício tinha razão em estar tão bravo.
- Se eu não tivesse feito aquilo...
🌻
Já era madrugada e a agitação na casa dos Guimarães perdurava; ninguém conseguia dormir. A família, extremamente religiosa e zelosa por sua reputação, não se conformava em ter acolhido em seu lar alguém que, segundo eles, os enganara de forma tão ardilosa.
- Mas eu bem que desconfiei - o chefe da família disse, enquanto circulava pela sala. Ernane demonstrava abertamente toda a sua indignação.
- Aquela menina.... - Ergueu o dedo em riste. - Rá! Eu sabia, eu estava de olho nela. Desconfiei dela no momento em que recebeu aqueles móveis de presente. Nenhum homem presenteia uma mulher assim, se não tiver interesse envolvido.
Maurício se levantou do sofá, os olhos fincados no pai, e os ouvidos atentos ao que ele dissera. De repente, ele se deu conta. Foi como se alguém tivesse acendido uma lâmpada dentro de seu cérebro. Tudo se encaixava. Tudo fazia sentido agora.
Como ele não percebera antes? O aumento no salário dela, o tratamento caríssimo de Pedrinho, os móveis como '' presente de casamento''...
Era isso. Joseline se vendera para o próprio chefe. Era com ele que ela o traía.
...
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