14 O Casamento
Espantadas com a atitude de Joseline, as mulheres se entreolharam e começaram a murmurar entre si, confusas.
- Eu vou ver como ela está - disse Laisa, e também rumou para fora do quarto.
Encontrou-a na garagem, encolhida atrás de algumas caixas e tranqueiras que o pai de Maurício guardava ali. Joseline teria corrido para ainda mais longe, porém o vestido longo e pesado a fazia tropeçar ao correr.
- Eu sei que a dona Vera é impecável com a limpeza da casa, mas se sentar com um vestido desses na garagem, amiga? Sério??
Joseline abraçou os próprios joelhos e escondeu o rosto. O vexame fazia seu rosto arder. Estava envergonhada e se sentindo tola. Entretanto, algumas partículas de poeira que porventura poderiam existir naquela garagem não eram páreas para a mancha que existia em sua alma. O vestido poderia ser lavado depois. Mas e a sua alma? Haveria purificação para ela também?
Laisa pôs sua mão sobre a de Joseline.
- Por que você está tão tensa, Jô? O que está acontecendo? Fala pra mim. Sabe que pode me contar qualquer coisa, não é? Eu sou sua amiga.
Joseline interrompeu o início de um choro respirando fundo, e levantou a cabeça.
- Não é nada, Laisa. Só... nervosismo de noiva mesmo.
Laisa fitou o topo da cabeça de Joseline, depois que ela voltou a esconder o rosto no emaranhado de rendas brancas.
'' Aí tem coisa. ''
🌻
Ernane Guimarães, homem sempre preocupado com a solidez das relações em sua família, sentiu-se no dever, como bom pai que era, de chamar o filho para uma conversa sincera antes do casamento. Pretendia fazer isso há um tempo, mas foi ao ficar sabendo do ocorrido de mais cedo que o fez resolver enfim ter a conversa.
Maurício estava um pouco ansioso também. O casamento era logo ali e ele estava testando diferentes nós em uma gravata, dispersamente, como num tique. Mas parou ao ouvir a pergunta absurda do pai.
- Como é?
- Só responda, filho. Está mesmo certo de que quer se casar?
Ele passou a língua pelos lábios, procurando a melhor forma de fazer o pai entender.
- Pai, a Joseline é o amor da minha vida. É com ela que eu quero viver pra sempre. Como não poderia estar certo de querer me casar com ela? Estou certo! Estou mais do que certo!
Ernane o observou errar um nó e desfazê-lo completamente para depois refazer.
- E você confia na sua noiva? Confia na honestidade e na pureza dela?
Maurício não entendeu por que o pai estava fazendo aquelas perguntas. Se aquela suposição ridícula de Laisa havia chegado aos ouvidos de seu pai e ele acreditara... sinceramente, estava decepcionado, porque achava que Ernane sabia a nora que tinha.
- Eu confio nela, assim como ela confia em mim. Nosso relacionamento não é como os de alguns casais por aí, pai, onde existe desconfiança, excesso de ciúmes e possessividade. Nosso amor é puro. A Jô é pura como uma flor. Ela é perfeita em todos os sentidos, inclusive os morais.
Com essas palavras, Maurício deu a breve conversa por encerrada, deixando o pai ainda reflexivo.
🌻
Há alguns quarteirões dali, num bairro de classe média, um grupo de adolescentes se reuniam na casa de Heitor para uma tarde de estudos. Novas matérias, novos trabalhos e ele, como bom aluno que era, servia de revisador de conteúdo para alguns dos colegas. O que lhe faltava em popularidade sobrava em inteligência, e sua generosidade não o permitia reter somente para si seus conhecimentos.
Mas havia alguém que o fazia perder a concentração, e ela parecia bem dispersa naquele dia.
- Então como é mesmo, Heitor? Eu multiplico a base pela altura e depois divido por...
- Dá licença um minutinho - disse ele para a colega e caminhou para o canto da sala.
Jane estava ali, sentada no sofá com seus cadernos no colo prestes a caírem no chão, com o olhar fixo na direção da porta que estava aberta. Heitor ajeitou os cadernos no colo dela e se sentou ao seu lado.
- Você tá tão distraída... Qual é o motivo?
Ela não respondeu.
- Jane!
- Hãn? Oi, não é nada! - Ela o olhou, de forma breve. - Nada, Heitor.
Os olhos doces dele a miraram. Aquele rostinho moreno e aqueles cachos o cativavam tanto. Era uma pena que...
- Quando você ia me contar que beijou o Eric na excursão? - Perguntou, em tom de requerimento.
Jane o olhou novamente e prontamente sorriu.
- Ah, desculpa...!
Heitor engoliu em seco, ao ver que a simples menção do nome dele a fazia sorrir daquele jeito tão bonito.
- Tô distraída desse jeito porque estou pensando nele. E no beijo... - ela fechou os olhos e reviveu o momento, em êxtase.
Heitor respirou fundo audivelmente, claramente irritado. Pensou em dizer alguma coisa, mas apenas ficou ali, se torturando ao ouvi-la divagar sobre suas lembranças com o playboy.
Mas Jane não falou por muito tempo em Eric. Ela também parecia inquieta, de certa forma.
- Não é só por causa do Eric que estou distraída assim. Estou pensando na minha irmã. Amanhã é o casamento dela e acho que estou nervosa por ela.
Jane não entendia aquela sensação. Não era ela quem iria ao altar. Mas seu nervosismo pela irmã a fazia estremecer. E ainda não decidira se isso era bom ou ruim.
🌻
Joseline sentiu que seu sorriso desabrochava à medida em que ia entrando na igreja, de braço dado com o pai, ao encontro de Maurício, que a esperava no altar.
Era de verdade. Ia se casar com seu grande amor. Sentiu-se orgulhosa de si mesma por nunca ter dado ouvidos às más línguas. '' Casar tão jovem?''
'' Ninguém pode ter certeza do grande amor aos dezoito anos. ''
'' Você vai se arrepender de não ter aproveitado um pouco mais a vida. ''
Mas ela só queria aproveitar a vida de um jeito: ao lado de Maurício. Construiriam uma linda família e seriam muito felizes, na alegria e na tristeza; na saúde e na doença; tendo muito ou tendo pouco. Isso ninguém jamais poderia roubar dela.
Seus amigos estavam ali, alguns colegas de trabalho também. A família inteira sentada nas primeiras fileiras de bancos da igreja, incluindo a avó, cujos olhos brilhavam ao ver a neta mais velha se casando. Ao seu lado, embora notoriamente frágil, estava Pedrinho, que havia recebido permissão do médico para estar ali.
Joseline engoliu o choro com força, enquanto ouvia o pastor discursar sobre como era importante, segundo a Bíblia, '' o homem deixar pai e mãe e unir-se à uma mulher.'' Ela queria esquecer, mas os acontecimentos recentes vieram à sua mente suscetível.
Sentiu Maurício, agora declaradamente seu marido, lhe afagar a mão, com meiguice. Ela sorriu para ele e intimamente, sentiu um pouco de pena, além do remorso. Haviam prometido um ao outro que se entregariam somente naquele dia especial. Ele, sem dúvidas cumprira a promessa. Maurício não conhecia corpo de mulher; nem o dela, nem o de ninguém.
Maurício era uma raridade no meio de tantos jovens promíscuos, um puritano incompreendido. Mas ele sempre fazia questão de deixar claro que se guardaria para sua esposa, para Joseline, e que aquilo não era nenhum sacrifício para ele.
Joseline, embora já tivesse perdido a virgindade, sentia-se ansiosa. Para ela, seria como a primeira vez, pois pela primeira vez se entregaria com amor, e se renderia aos prazeres que podem resultar da união carnal entre um homem e uma mulher.
O beijo casto que Maurício lhe deu na testa a fez fechar os olhos e sorrir mais uma vez.
- Minha esposa - ciciou ele.
- Meu amor - ela disse, encantada com aquele novo título e em como parecia doce a forma como ele falava.
Foi então que decidiu. Maurício merecia saber a verdade sobre ela. E ela contaria.
🌻
Depois da festa organizada pela igreja e de receberem os cumprimentos, os recém-casados foram para casa. Como de costume, Maurício dirigia o carro do pai. Dessa vez, Joseline também estava ao seu lado e, pelo breve caminho que percorreram até a casa, ela sentiu a gostosa sensação de saber que já estava casada, que agora era a esposa de Maurício e que finalmente ficariam juntos sem interrupções, sem serem proibidos de se abraçarem, de se tocarem... de se amarem.
A noite era quente em Paraíso do Tocantins, mas o vento que entrava pela janela do carro fazia seus cabelos voarem e trazia um certo alívio do calor. Ouviram música e conversaram sobre a cerimônia, em como tinham se emocionado e Joseline comentou como se sentiu quando havia entrado na igreja e todos estavam olhando para ela.
Chegar na casa nova a fez sentir um friozinho na barriga. Maurício lhe deu a mão para entrarem juntos e ela soltou a respiração lentamente para tentar relaxar. Ele ainda era o mesmo Maurício, assim como ela ainda era Joseline. Mas agora estavam casados, perante a lei, perante Deus e perante os homens. Era um grande passo, era algo grandioso, juntamente com todo o resto que viria depois.
- Bom, nós estamos muito bem alimentados - disse Maurício, parando no meio da sala quase vazia. Ainda não tinham sofá. - Afinal, as irmãs fizeram comida de sobra...
- É verdade... - Joseline riu, nervosa.
- Então... - ele a olhou e aquele olhar dizia tanta coisa! - Vamos para o nosso quarto. Vamos...
- É! - Ela o interrompeu. - Você... pode ir na frente. Eu... vou tomar um banho primeiro.
Um pequeno brilho tilintou nos olhos dele. Joseline ruborizou.
- Está bem, meu amor. Eu vou estar te esperando.
Com isso, ele caminhou para o quarto e Joseline ficou ali, no meio da sala, com o coração aos saltos.
🌻
Seu coração ainda saltitava de nervosismo, quando ela finalmente criou coragem para abrir a porta do quarto e entrar.
Quando o fez, Maurício se virou e ficou a olhá-la por alguns segundos, enlevado.
Joseline deu alguns passos, mas ele pediu que ela ficasse parada, para que pudesse admirá-la um pouco mais, de longe, pois só assim conseguiria ver todo o conjunto. Ela ficou e foi inevitável sorrir.
A camisola branca de cetim com rendados no colo havia sido a única peça que conseguira comprar para a ocasião. Não sabia como ficava em seu corpo: ela não havia tido coragem de experimentar a peça ou pedir opiniões. Era tímida demais para isso.
Mas, a julgar pela forma como Maurício a olhava, acreditava estar bem. Até mais do que bem.
- Você... - ele balançou a cabeça, parecia quase emocionado. - É a mulher mais linda do mundo. Sua beleza... meu amor, como você é linda! E ainda bem que é minha esposa.
Ele a puxou enfim para perto.
- Vem cá. Agora quero admirar cada detalhe seu de pertinho.
Joseline sabia enfim como era ser tocada e acariciada pelo homem que amava. Cada beijo de Maurício em seu pescoço, ou em sua orelha, e cada aperto mais firme em seu quadril a fazia suspirar de satisfação. Era surrealmente bom.
Ela abriu a boca para receber e retribuir o beijo simultaneamente voraz e doce que ele lhe dava. Sentiu os braços de Maurício em suas costas, arrepiando-a, enquanto a língua dele acariciava e instigava seus lábios, desejoso por mais.
- Vem, meu amor - ele começou a guiá-la para a cama. - Quero ser todo seu e quero que seja toda minha...
Mas ela o deteve, segurando-o com uma firmeza delicada, próximo à cama.
- Espera...
- Esperar? - A ideia não pareceu boa para ele. - Já esperamos o bastante, amor, você não acha?
- Sim, mas... eu preciso falar com você antes.
- Amor, teremos muito tempo para conversar. Vamos viver juntos de agora em diante, podemos conversar a hora que a gente quiser.
- Mas o que tenho pra te dizer precisa ser dito agora.
Pacientemente, Maurício se sentou na beirada da cama e a levou a se sentar com ele.
- Então me fala. O que é tão urgente assim?
Joseline respirou fundo. Não tinha certeza se sabia as palavras certas para dizer aquilo. Mas, no fim das contas, sabia que só existia um jeito.
- Maurício, eu sei que a gente fez uma promessa de nos entregarmos um ao outro, somente neste dia, depois do casamento. E eu juro que eu tentei, era tudo o que eu mais queria...
Ele afastou o rosto do dela.
- Como assim era??
Joseline engoliu em seco. Era mais difícil do que imaginara.
- Eu não sou mais virgem.
Ela sustentou o olhar dele. Parecia chocado e incrédulo. Principalmente incrédulo.
- Você está brincando, não está?
- Eu queria estar, mas não estou. Sinto muito por dizer isso só agora.
Maurício se levantou da cama, bruscamente. Quando ele se virou outra vez para ela, havia uma sombra em seus olhos. Joseline nunca os vira tão obscuros.
- Você nunca mentiu para mim, Joseline!
Ela se levantou mais do que depressa.
- E não estou mentindo agora!
- Eu sei. É por isso que estou começando a acreditar no que está me dizendo...
Joseline ficou em silêncio, esperando-o assimilar a informação. Sentou-se novamente na cama. Não devia ser fácil para ele, ela compreendia.
- Eu pensando que estava desposando uma moça pura, intocada, Joseline... - ele a olhou e pela primeira vez ela viu nojo em seus olhos e era direcionado à ela. - Quem foi o cara?
- Isso não importa, meu amor... - à essa altura já havia lágrimas borrando seus olhos de jabuticaba.
- Tem razão, não importa e eu também não quero saber.
Ela se levantou e correu para abraçá-lo, aliviada.
Maurício ergueu a mão, impedindo-a de sequer encostar nele.
- Sabe do que mais eu não quero saber? De você - ele parecia cuspir as palavras contra ela.
Joseline não entendia. Aquele não era o seu Maurício, seu noivo amoroso, que havia acabado de lhe jurar amor eterno no altar.
- Maurício...
- Vai embora da minha casa, agora. Você se deitou com outro, não foi?? Você deu pra outro...
- Maurício, por que está falando assim comigo?? - Joseline não o reconhecia mais, ele não costumava se expressar daquela forma, tão esdrúxula, grosseira. Parecia completamente transtornado. E ela estava com medo.
- Por que estou falando assim? Você me trai, me coloca um par de chifres e quer que eu fale como?
- Eu sei que errei, querido, mas vamos conversar com calma e nos entendermos...
- Você não ouviu o que eu disse?? Eu disse pra ir embora da minha casa, AGORA, sua vagabunda, imunda! Sua perdida!
- Eu não admito que você fale assim comigo, eu exijo respeito - ela, sua voz e todo o seu corpo tremiam.
Ele riu, desdenhoso.
- Respeito? Quem é você para falar de respeito? E já que não quer sair por conta própria, eu coloco você pra fora!
- Por favor, não faz isso! Eu te imploro... O que vão pensar? Maurício, por favor, a gente acabou de se casar!
- Pensasse nisso antes de fazer o que fez.
Ele agarrou o braço dela e a fitou.
- Você não pode me enganar e achar que vai ficar tudo bem, Joseline.
Ela implorou. E gritou. E ainda gritava, apavorada, quando ele a arrastou até a porta e a jogou na rua.
...
Essa história será dividida em duas partes, parte 1 e parte 2. A primeira parte já está toda escrita.
A atitude de Maurício era esperada? Considerando que ele foi criado em um lar extremamente tradicional e moralista, sim.
Por outro lado, o amor que ele sente por Joseline, deveria superar isso.
Aguardem os próximos capítulos!
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