06 As Surpresas de Maurício
Laisa sentiu seu corpo ser empurrado para a frente, ao mesmo tempo em que o de Maurício batia contra a porta ainda fechada do carro, quando ele se afastou bruscamente dela.
- Laisa, você ficou doida? O que acha que está fazendo?? - O rosto dele era de uma confusão totalmente compreensível.
- Me desculpa, Maurício. Me desculpa, por favor. Eu...
- Que loucura é essa? Por que você me beijou??
Laisa apertou os lábios, envergonhada.
- Perdão, Maurício. Eu... só fiz isso porque... tinha um rapaz passando na rua, ele vive no meu pé. E eu queria que ele me visse com alguém, como se fosse meu namorado ou... É... enfim, que me visse com alguém e talvez ele me deixasse em paz.
Maurício a encarava, cético. A desculpa lhe parecia completamente esfarrapada. Conhecia Laisa há algum tempo e pela primeira vez, ela lhe parecia alguém diferente, era como se nunca a tivesse conhecido, de fato.
Mas ela parecia tremendamente envergonhada e então, ele apenas balançou a cabeça, para sair dali o quanto antes.
- Eu tenho que ir - disse e abriu a porta do carro, mas Laisa o deteve mais uma vez.
O olhar grave de Maurício a intimidou e fez com que ela se afastasse, encolhendo os ombros.
- Só não conta pra Jô, por favor.
Maurício deu a partida e saiu rapidamente, sentindo a estranheza daquela situação lhe corroendo por dentro.
🌻
- Eu vi tudo! Estava na janela e vi essa vergonha que você acabou de passar.
Laisa se debruçou sobre a mesa, indisposta para encarar a mãe.
- Não vai dizer nada, Laisa?
Depois de alguns minutos, ela levantou a cabeça, e seu suspiro entregou tudo.
- Eu confesso! Beijei o Maurício.
- Corrigindo: você beijou o noivo da sua melhor amiga - as palavras cortantes da mãe fizeram seu estômago se revirar.
- É, beijei, mãe - ela queria chorar, seus olhos já vermelhos indicavam isso. - Eu beijei. Eu sou apaixonada por ele. Muito antes da Joseline vir daquela roça onde ela morava, eu e Maurício já éramos amigos, amigos próximos! Aí ela chegou e ele se esqueceu de mim. Mas eu não! Ainda sinto tudo o que sentia naquela época.
- Minha filha - a mãe se sentou perto dela e tocou seu braço. - Se dê o valor. Respeite o rapaz, respeite sua amiga, se é que é amiga mesmo dela e principalmente, respeite a si mesma! Não existe apenas o Maurício no mundo. Você vai encontrar alguém algum dia.
- Não quero encontrar ninguém. Eu gosto dele.
A mãe de Laisa a fitou, com severidade, a reprovação escancarada em seu rosto.
- Não se preocupe, mãe. Eu consigo esconder bem os meus sentimentos. Estava indo muito bem, até agora. Só o beijei num momento de... pura fraqueza. Mas fica tranquila, eu não vou atrapalhar o casamento de Joseline.
- Eu acho bom mesmo - a mãe disse e a deixou sozinha na cozinha.
🌻
Os dias transcorreram, sem maiores acontecimentos e Joseline, distensa, pôde trabalhar com tranquilidade. Pedrinho estava sendo medicado e ao que parecia, os remédios estavam cumprindo com a missão esperada.
Ela estava trabalhando quando recebeu um telefonema de Maurício. Era a primeira vez que ele a ligava no trabalho.
Maurício lhe disse para se aprontar e ficar bem bonita à noite, pois passaria em sua casa para buscá-la. Tinha uma surpresa para ela.
🌻
Seu vestido mais bonito era o que usava nas ocasiões em que ia à igreja com Maurício e os pais dele. Era um verde musgo que por pouco não cobria seus joelhos e possuía manguinhas absolutamente lindas e delicadas, que deixavam seu colo à mostra. Joseline gostava da forma como ele caía bem em seu corpo, apesar de estar um pouco gasto. Mas se sentia bonita com ele, se sentia bem. É claro que pretendia, aos poucos, incluir novas peças no repertório de seu visual, principalmente agora que trabalhava em uma loja de roupas. No entanto, só faria isso quando as coisas em casa não estivessem tão apertadas. Ela conhecia bem suas prioridades.
- Você está linda, Jô - disse Jane, depois que ela lhe perguntou o que achava do cabelo e do vestido. - Um dia eu vou fazer um vestido pra você, só preciso dos tecidos. Parece que só tem esse.
Joseline revirou os olhos para a irmã, pelo reflexo do espelho de tamanho médio, trincado do lado direito, que havia na parede do quarto.
- Bom, eu só tenho esse mesmo, espertinha! Tchau!
- Dá pra entender por que o Maurício se apaixonou por você.
Joseline ia saindo do quarto, mas voltou.
- E por quê?
- Porque você é linda por dentro e por fora.
Joseline balançou a cabeça para a irmã, sorrindo.
- Você sabe ser fofa quando quer, não é, garota? Não posso chorar agora, beijo!
Jane acenou, rindo, e finalmente deixou a irmã sair.
🌻
Maurício já a esperava do lado de fora. Joseline estranhou não ver o carro, mas deduziu que eles provavelmente sairiam à pé e ela simplesmente adorava caminhar com Maurício, ainda mais à noite.
Ele a olhou de cima a baixo, admirando-a como se fosse a primeira vez.
- Você está linda, amor. Nem preciso dizer, não é?
- Eu gosto quando você diz - ela fez um charme, balançando os ombros, com as mãos cruzadas na frente do corpo, enquanto se aproximava dele.
Mas Maurício passou direto, se posicionando atrás da noiva. Joseline não entendeu aquele gesto e, antes que pudesse se virar para olhá-lo, ele disse:
- Amor, eu quero que você fique de costas pra mim. Assim mesmo. E feche os olhos.
Quando percebeu a confusão dela, ele afagou seus ombros, carinhosamente.
- Está tudo bem, Jô. Por favor, feche os olhos. Eu tenho uma surpresa pra você, lembra?
Joseline assim o fez.
Ao fechar seus olhos, sentiu suas pálpebras e têmporas serem envolvidas por algo macio, como um pano e um leve, porém firme nó, foi feito em sua nuca para finalizar. Joseline sentiu sua transpiração aumentar, em êxtase. Estava vendada!
- Agora, meu amor, eu vou ser seu guia. Vou segurar sua mão. Confia em mim? - A voz suave do noivo soou bem perto de seu ouvido.
Joseline assentiu com empolgação.
Ela se deixou ser levada.
Não foi uma longa caminhada. Maurício a guiou com esmerado cuidado por cerca de três minutos, num passo lento, até pararem.
Ele a soltou para pegar algo em seu bolso. Uma chave, inferiu Joseline, pelo barulho do metal. Em seguida, o girar da chave na fechadura, um breve ranger e então, ele a guiou mais uma vez para o interior de onde quer que seja que estivessem.
- Está pronta? - Ele perguntou, antes de lhe tirar a venda.
Ela fez que sim, ainda que não estivesse.
Maurício desatou o nó com certa lentidão, torturando-a ao extremo. Quando o delicado pano caiu de seus olhos, ela ainda levou alguns segundos para abri-los de uma vez. E quando o fez, sua emoção foi às alturas.
A casa, sua casinha tão sonhada e aguardada, estava pronta diante de si. Todos os detalhes que faltavam da última vez que ali estivera, estavam prontos e acabados.
Paredes rebocadas, pintura nova e bem feita, o chão de piso liso sem nenhuma rachadura e o teto completamente coberto.
Sua emoção foi pujante. Era inevitável não se emocionar, porque ela sabia de todo o esforço que haviam feito para que aquele pequeno, porém tão importante sonho fosse concretizado.
Ela mesma, por diversas vezes, havia colocado literalmente a mão na massa, na esperança de contribuir um pouco mais com a construção do que em breve seria o seu lar, o lugar onde dividiria sua vida e sua rotina com o amor da sua vida.
Joseline abraçou Maurício, entusiasmada, com choros e risos, e ele a rodopiou pela sala, o primeiro cômodo onde estavam.
- Meu Deus!!! É de verdade! Está pronta! - Ela dizia, com a voz sufocada pela camisa social do noivo, onde havia encostado seu rosto. - Nossa casa, amor! Nossa casa!
- É! - Maurício também não escondia sua emoção. - Está pronta. Finalmente. É simples, mas é a nossa casa.
Joseline balançou a cabeça, concordando.
Aquela simplicidade a encantava, porque sabia que para alguém como ela, aquilo, por mais simples que pudesse parecer, já era grande o suficiente. Poucas pessoas tinham a sorte de se verem livres de um aluguel, e essa benção eles haviam alcançado.
Conforme Maurício a levava para ver os outros quatro cômodos, sua felicidade e gratidão aumentavam. Era a casa onde moraria dentro de pouco tempo, e mal podia esperar para viver sua vida de casada ali, ao lado dele.
- E então? Gostou?
- Gostar é pouco. Eu amei tudo, amor. Tá muito linda a nossa casinha.
- Você vai ser a rainha deste lugar. Do nosso lar. A esposa mais linda que Deus poderia ter me dado! - Maurício cruzou as mãos e levantou a cabeça para o alto, como numa prece de gratidão.
Quando terminaram, ele trancou novamente a porta, dizendo que voltariam a abrir, conforme fossem adquirindo os primeiros móveis.
- Não vejo a hora de estar tudo pronto - Joseline observava a casa do lado de fora. - De termos nossos móveis, nossas coisinhas...
- Claro que não vamos poder ter tudo de uma vez, né, meu amor? Mas vamos comprando aos poucos. E quem sabe a gente ganha alguma coisa também. Mas... - ele capturou a mão dela, olhando-a com cara de quem estava aprontando. - Não é só essa a surpresa. Eu tenho mais uma pra você.
- Sério? O que é?
- Hoje eu vou te levar para jantar em um dos restaurantes mais caros dessa cidade!
Joseline arregalou os olhos.
- Amor... Mas...
Viu-o andar até o carro, que só agora ela havia notado que estava parado ali, entre a casa recém terminada e a casa de seus sogros.
- Vem, amor, entra - Maurício convidou, abrindo a porta do carona para ela.
Joseline caminhou até ele com passos hesitantes.
- Mas, Maurício. Não é muito caro? Nós não temos condições pra isso... Você sabe.
- Amor, eu venho economizando a meses para isso. Nunca levei você à um lugar assim, diferente, para comer e cada centavo que guardei a mais foi para isso. Eu quero te surpreender com alguma coisa legal de verdade.
- Você sabe que só de sentar na porta de casa para conversar com você já é tudo de bom nesse mundo, porque pra mim o que importa é você, a sua companhia. E não o lugar - ela disse, dando a entender que realmente estava preocupada com o que o noivo gastaria levando-a à um restaurante chique.
Maurício balançou a cabeça, resoluto.
- Pra mim, qualquer lugar com você é o paraíso, também. Mas eu tenho o dinheiro. Eu economizei justamente para isso, amor. Então me deixa te agradar um pouco, vai? E além do mais... você merece. Você é uma rainha e merece ser tratada como tal.
Joseline se rendeu, abraçando-o com força.
- Você não existe... Eu te amo!
Ele sorriu para ela.
- Eu te amo mais. Vamos, entra.
- Ahn... Sem ninguém pra nos "acompanhar" hoje?
- Não, meus pais sabem que só vamos jantar e voltar pra casa. Está tudo certo.
Joseline respirou fundo. E então entrou no carro.
🌻
O restaurante realmente era o lugar mais sofisticado que Joseline sequer já pisara alguma vez em sua vida. A começar por sua localização. Ficava num dos bairros nobres da cidade, numa rua larga, onde somente carros luxuosos, importados ou no mínimo mais caros do que o velho Fiat Uno de seu Ernane, o pai de Maurício, estavam estacionados.
Imediatamente, ela se sentiu um peixe fora d'água. Totalmente fora de sua zona de conforto. Maurício sentia o mesmo, mas optou por não demonstrar isso, para que Joseline se sentisse um pouco mais tranquila também.
Ela segurou na mão dele, ressabiada, enquanto entravam no lugar. Era uma noite de sexta feira um tanto quanto movimentada e eles tiveram dificuldade para encontrar uma mesa.
Joseline sentia os olhares de julgamento sobre eles. A forma como as outras mulheres olhavam seu vestido e sapato simples a fazia pensar em um animal entrando em um hábitat que não era o seu. Não era natural. Aquilo não era para ela. Chique demais, requintado demais.
Joseline engoliu em seco e respirou fundo. Maurício estava ali do seu lado, segurando sua mão. Estava tudo bem.
Quando se sentaram, ela criou coragem para olhar ao redor, mas uma mulher a apontou com o queixo para sua colega de mesa e as duas começaram a cochichar entre si, e então Joseline perdeu o ânimo de observar o restaurante. Permaneceu de cabeça baixa até um garçom ir até eles.
- Boa noite, senhores! Bem vindos ao nosso estabelecimento! - O garçom jovem e extrovertido cumprimentou, sorrindo, e Joseline simpatizou com ele, liberando um sorriso tímido.
- O cardápio está bem à frente de vocês, fiquem à vontade para pedir quando quiserem. Muito obri...
- Na verdade, já sei o que pedir - disse Maurício.
Ele havia se adiantado e olhado o cardápio, decidindo de antemão o que iriam comer.
- Mas, claro, se você quiser dar uma olhada também, amor...
Joseline fez que não, deixando Maurício assumir o controle da situação, pois ela mal havia conseguido ler o cardápio, que dirá saber o que pedir.
- Esse ravi... Ravioli de... - Maurício estava com o cardápio em mãos, tentando ler corretamente o nome do prato.
- Ravióli de berinjela ao molho de sálvia, senhor - disse o garçom, de imediato.
- Isso! Nós vamos querer dois.
- Duas porções do nosso Ravióli de berinjela ao molho de sálvia. Vão querer algum acompanhamento? - O jovem atendente repetiu, mecanicamente. Ele já não parecia mais tão receptivo para Joseline.
Ao contrário, seus olhos agora observavam o casal de um jeito estranho, analítico, como se de repente ele se desse conta de aquele não parecia um lugar adequado para eles.
- Me desculpem, mas... Vocês não entraram por engano neste restaurante?
A pergunta tinha um tom de preconceito mais do que palpável, porém, Joseline não entendeu o que o garçom quis dizer.
Educada e ingênua, respondeu, voltando a sorrir para ele:
- Não, senhor. Era aqui mesmo que a gente queria vir.
E olhou para Maurício, que assentiu para o garçom, em concordância.
Este, respondeu, parecendo duvidoso:
- Tudo bem, então. Eu... eu já volto - e saiu às pressas, sumindo no meio do restaurante.
Joseline e Maurício respiraram aliviados.
- Nossa! Que lugar, hein?! - Ela disse, com os olhos escuros acanhados perscrutando o ambiente e seus clientes.
- É bonito, não é? É o tipo de lugar que combina com você, meu amor.
Joseline não tinha certeza daquilo, e mais uma vez se deu conta de que Maurício a enxergava de uma forma que nem ela mesma conseguia se enxergar. Ele a via como uma rainha e queria tratá-la como tal.
- Obrigada. Você me faz muito feliz... - ela segurou na mão dele.
Maurício a fitou com certa seriedade no olhar.
Tinha algo entalado em sua garganta, e ele precisava acabar com aquela aflição que o assolava.
- Amor, tem uma coisa que eu preciso te contar - disse ele. - E é sobre a Laisa.
...
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