─── Jantar na casa do vizinho? ── a mulher indagou, olhando de soslaio para Heeseung que estava abaixado na frente de Niki para vesti-lo corretamente.

Ele passou a camiseta verde pelos bracinhos do menininho e sorriu para ele, se esticando até a penteadeira para buscar o perfume dele e uma escova para pentear seus fios pretos. Heeseung deixou Morgana falando sozinha, vez ou outra olhando para ela apenas para confirmar que estava ouvindo, não queria que ela gritasse por algum motivo bobo e assustasse Niki, uma vez que ela odiava ser ignorada. Ele terminou de pentear o cabelo do menor e perfumá-lo, apertando seu narizinho em seguida.

─── Não acho que seja uma boa ideia o Niki ir na casa de um desconhecido. ── o moreno pegou o casaco do Lee e o seu no cabide que ficava preso na parede ao lado da porta de entrada, vestindo o menor antes de fazer o mesmo. ─── Você está me ouvindo, Heeseung?

─── Estou. ── disse num suspiro. ─── E eu acho que seria bom pro Niki conhecer alguém da idade dele.

─── Ele não precisa de amigos, ele já tem a gente. ── ela disse seriamente, deixando de lado o notebook que mantenha sobre as coxas para mirar em seu marido. Riki se encolheu, aparentando estar chateado com algo.

Mais cedo, quando voltava para casa com o garotinho, tinha falado a ele sobre o convite do novo vizinho, e ele ficou realmente entusiasmado em conhecer Sunoo. Era difícil para o Lee mais novo fazer amigos na escola, uma vez que seu coreano ainda não era tão bom quanto do pai, já que tinha crescido no Japão e aprendido apenas o japonês por insistência de Morgana, não deixando que Heeseung o ensinasse um pouco da língua nativa do país que nasceu ao menino.

─── Todo mundo precisa de amigos Morgana, faz parte do crescimento dele como pessoa.

─── Não me venha com essa conversa filosófica, ele é meu filho e eu sei muito bem o que é bom pra ele.

─── Ele também é meu filho, e por isso digo que a gente vai jantar na casa do novo vizinho você queira ou não. ── ele segurou na mão do Lee e abriu a porta decidido, ignorando os chamados da mulher.

Suspirou pela barulheira que ficou para trás, provavelmente teria mais uma longa discussão antes de dormir.

─── Papai. ── abaixou a cabeça para olhar Niki. ─── A mamãe vai brigar com a gente?

─── Não, amor. ── pegou ele no colo de forma prática, andando em direção a casa vizinha. ─── Não ligue pra isso, tá? Depois o papai resolve.

Ele deu cuidados passos em direção à moradia ao lado da sua, tocando a campainha em seguida. Esperou poucos segundos até Jake abrir a porta com um sorriso pequeno, ele vestia um avental rosa com desenhos de cupcake por cima da camiseta preta de alguma banda de rock que com certeza Heeseung não conhecia. Sunoo surgiu em seguida segurando uma colher de pau, ele também usava um avental idêntico ao de Jake. Heeseung tentou não sorrir pela imagem, eles pareciam tão à vontade.

O moreno abriu espaço para ele e Niki entrarem, fechando a porta em seguida. Heeseung colocou o menor no chão, e no mesmo instante ele se escondeu atrás do seu corpo, tímido com tanta atenção voltado para ele.

─── Se apresente, filho. ── Heeseung o incentivou com um sorriso complacente.

─── Oi. ── ele disse baixinho, olhando para Jake antes de mirar em Sunoo, que o encarava de volta com fascínio. Parecia encantado com as sardas espalhadas pelo rosto de Niki. ─── Meu nome é Lee Riki, ou Niki.

─── Prazer em te conhecer, Niki. ── Jake se abaixo para cumprimentar o menininho, que timidamente apertou sua mão. ─── Sou Jake, e esse aqui é o Sunoo. ── apontou para o menor que ainda segurava a colher de pau.

─── Você gosta de dinossauro? ── ele perguntou de repente. Niki recorreu aos olhos do pai, como se estivesse esperando algum tipo de permissão para falar. Heeseung sorriu, balançando a cabeça.

─── Gosto.

─── Appa, posso levar ele pra brincar no meu quarto? ── indagou ao moreno, puxando a camisa dele.

─── Claro que pode.

─── Vem Nikie, vou te mostrar minha coleção de dinossauro! ── pegou na mão do japonês e o puxou em direção a escada. Heeseung ficou surpreso pela facilidade que Niki apenas se deixou levar, levando em consideração o quão relutante ele ficava quando alguém o tocava sem permissão.

─── Acho que eles vão se dar bem. ── Jake comentou, pegando a colher de pau que Sunoo deixou no chão quando saiu correndo.

─── Eu espero que sim.

Jake o conduziu até a cozinha, e Heeseung aproveitou para observar a mobília ao redor. Por morar em um condomínio fechado, as casas eram consideravelmente iguais, Hee não estranhou quando notou a semelhança na construção e na separação dos cômodos. A sala era espaçosa e confortável, janelas se espalhavam por uma parede, na direção da rua, um sofá em L ocupava o meio do cômodo, havia uma televisão presa na parede e o chão era de cerâmica, embaixo do sofá Jake tinha colocado um tapete felpudo de cor vinho, combinando com o sofá branco.

A cozinha era em estilo americana, a ilha no meio estava lotada de ingredientes e panelas, o fogão trabalhava a todo vapor ocupado por quatro panelas de aço inox. Os armários eram brancos com detalhes preto, o chão também era de cerâmica branca, além da bancada com utensílios. Se bem viu, havia uma mesa ocupando a sala de jantar ao lado da escada, era de quatro lugares e composta por vidro, as cadeiras tinham estofamentos branco com detalhes preto, combinando com algumas pinturas pelas paredes. Toda a casa era pintada de bege, dando um ar confortável para a residência.

─── Senta aí. ── Jake indicou o banquinho perto da bancada. Heeseung puxou um pouco para o canto e sentou, observando o moreno com seu avental se desdobrar para terminar de cortar alguns vegetais. ─── Sua esposa não quis vir? ── indagou olhando ligeiramente para o homem de fios pretos, recebendo um aceno silencioso.

─── Ela estava ocupada com coisas do trabalho. ── mentiu parcialmente. Morgana trabalhava em uma agência de modelo como secretária, e sabia o quão ocupada ela poderia ser, mas sabia também que ela tinha negado por não gostar de socializar com pessoas fora da sua bolha. Jake aparentava ser o tipo de pessoa que a mulher mais detestava, ele era gentil e fácil com as palavras, ela o chamaria de cansativo na primeira oportunidade que tivesse.

─── Oh, entendo. ── ele abriu uma das panelas e jogou os vegetais cortados em cubos dentro. ─── E você trabalha com o que?

─── Sou professor de filosofia.

─── Sério? Que foda. ── Heeseung sorriu tímido. ─── Eu sou fotógrafo e tenho a minha própria agência com uns amigos, me mudei pra cá porque seria bom morar em um lugar assim com o Sunoo, antes a gente morava em um quitinete e o lugar era minúsculo, você tinha que ver. Quase vendi meu rim pra comprar essa casa. Aqui é tudo caro, né? ── ele gesticulava sem parar enquanto dialogava, e o moreno deduziu que talvez fosse uma mania ─── Você é todo caladão assim mesmo? Não que seja um problema, eu posso falar pela gente. ── Heeseung riu contido, achando uma graça como ele andava pelo cômodo
gesticulando e sendo expressivo. ─── Então Heeseung, você é casado? Quer dizer, eu sei que você é, mas tô tentando gerar um assunto aqui, não consigo cozinhar em silêncio.

─── Sim, eu sou casado. ── tentou se engajar em seu assunto, por mais que não fizesse do tipo falante. ─── Há seis anos.

─── Seis anos? Minha nossa, e eu aqui sem conseguir manter um namoro por mais de duas semanas. ── ele dramatizou, gerando mais uma vez em Heeseung a vontade de rir. ─── Você tem quantos anos? Eu tenho vinte e dois. Sim, tive o Sunoo quando era adolescente. Me arrependo? Às vezes. Aquele moleque é uma turbina de avião, você tem que ver quando ele cisma com alguma coisa. ── Jake suspirou cansado.

─── Eu tenho vinte e cinco. E o Niki foi meio que planejado, a gente queria um bebê mas ele veio numa hora meio complicada. ── não queria entrar em detalhes, era algo pessoal. Quando Morgana
engravidou, um ano após o casamento, Heeseung estava desempregado e eles moravam na casa de um amigo da família. Foi uma época difícil, mas conseguiu driblar tudo e arranjar um emprego, e então Niki nasceu e eles puderam se mudar para onde moram atualmente. ─── Você é casado? ── rebateu a pergunta, e Jake o olhou de um jeito engraçado, não tinha malícia explícita com segundas intenções, mas ele ainda fez uma expressão arteira que fez Heeseung rir.

─── Pra você, não. ── ele deu uma piscadela para o moreno, que se desmanchou em risadas. ─── Tá mas falando sério, eu realmente não sou casado. Sou um rapaz caseiro, entende? Me dedico a vida doméstica. ── ele balançou o utensílio de plástico que usava para mexer uma panela na direção de Heeseung com um sorriso maroto. ─── Mas eu namorava até três dias atrás, antes de levar um baita chifre do cara. ── ele de repente mudou de expressão e ficou tenso, olhando para o rosto do moreno como se procurasse alguma coisa.

─── Você tá bem?

─── Sim, é que eu acabei falando que namorava um cara, fiquei com medo de você não ter uma boa reação. ── ele limpou as mãos com um pano que estava em cima do balcão da pia, ainda aparentando estar retraído. ─── Não quero deduzir nada ruim sobre você, a gente tá se conhecendo e tudo mais ainda.

─── Não precisa se preocupar, eu não sou homofóbico, afinal também gosto de homem, quero dizer, eu sou bissexual, entende? Então não precisa ficar tenso, a gente tá no mesmo barco.

─── Sério? ── o Lee balançou a cabeça, concordando. ─── Ah cara, que susto, jurava que você era hétero.

─── Por que eu sou casado com uma mulher?

─── Claro que não, é que você parece hétero.

─── Você ta me ofendendo. ── Jake riu alto desta vez. A carinha de chateado que Heeseung fazia era impagável.

─── Vamos chamar os meninos pra comer, o jantar tá finalmente pronto.

Heeseung seguiu Jake escada acima, ele tinha abandonado o avental de cupcake na cozinha e agora usava somente a camisa preta e uma calça moletom cinza, a vontade o suficiente para andar descalço pelo piso frio, enquanto o moreno se mantinha de meias. O menor abriu a primeira porta do pequeno corredor, tinha mais três em seu decorrer, todas da mesma coloração branca.

Ficou surpreso por ver Niki tão bem brincando com o Shim, ele ria e falava sem parar, embolando sua língua nativa com o coreano fraco que aprendia na
escola e com o pai, as bochechas cheia de sardinhas meio vermelhas por rir e estar animado. Heeseung gostou de vê-lo assim, em casa ele aparentava estar sempre em alerta, principalmente quando a mãe estava por perto.

O quartinho de Sunoo era pintado de azul turquesa, no teto, havia rabiscos do que futuramente seriam estrelas e planetas. Tudo ainda parecia meio bagunçado, como na sala, tinha caixas espalhadas pelos cantos e outras abertas. Sua cama estava bagunçada igual o chão de carpete verde, vários dinossauros e outros brinquedos espalhados por todos os lados. Se não fosse por Jake, a duplinha nem mesmo teria notado a presença dos pais ali.

─── Larga isso e vem jantar, pestinha. ── Jake ergueu Sunoo do chão com facilidade, jogando ele pro ar antes de abraçá-lo com força e fazer cosquinha. Eles trocaram risadas em seu
próprio mundo enquanto Heeseung se abaixava rente a Niki para arrumar os fios bagunçados do seu cabelo.

─── Papai. ── o Lee abriu e fechou as mãozinhas com os braços erguidos na direção do mais velho, pedindo colo. Heeseung sorriu e o pegou, saindo do quarto junto com Jake e Sunoo que ainda brincavam entre si.

Já na sala de jantar, o Shim deixou ambas crianças com Heeseung a fim de buscar os talheres e pratos. Heeseung logo foi ajudá-lo assim que teve certeza que os dois meninos ficariam bem, eles conversavam animadamente sobre seus desenhos favoritos enquanto a dupla mais velha buscava o jantar. Com tudo pronto, eles se sentou junto às crianças e degustaram da refeição em um quase silêncio, Sunoo não parava quieto um instante sequer, sempre falando e gesticulando com o Lee mais novo, às vezes direcionando suas perguntas para os dois mais velhos, que calmamente o respondiam. Heeseung notou o quão a vontade Niki parecia, ele sorria tantas vezes que o moreno se sentia satisfeito em apenas observá-lo.

Jake também se entretia com a conversa dos meninos, às vezes participando ou apenas tomando cuidado em como o Shim mais novo comia, sempre atento e cuidadoso com os próximos passos do menininho hiperativo.

Não negava que tinha bastante tempo que não participava de um jantar tão animado, em casa só ele e Niki comiam juntos, Morgana sempre estava ocupada com o trabalho. Não a julgava por isso, sabia o quão difícil era para ela se manter onde estava e que precisava continuar se esforçando
para mostrar que merecia estar onde chegou. Mas às vezes sentia falta de ter um jantar em família como antigamente, onde eles sentavam para conversar sobre o dia e assuntos diversos. Não
sabia quando tudo tinha se perdido, talvez fosse sua culpa por ser um tanto displicente com seu relacionamento, já que dava mais atenção ao filho do que a própria esposa. Seja o que fosse, ele tentou por muito tempo recuperar aquilo, as
conversas animadas na mesa da cozinha e os filmes que assistiam até dormir, mas talvez já fosse tarde demais e Heeseung estava cansado de tentar.

Quando o jantar chegou ao fim, o moreno recolheu
tudo com Jake e até mesmo tentou se propor a lavar a louça, mas o anfitrião não permitiu, o expulsando da cozinha com uma carranca feia e um pano de prato. Notou que Niki parecia sonolento, então o buscou ainda na cadeira e deixou ele
descansando sobre seu colo, com rostinho pequeno e delicado sobre seu ombro e o corpinho minúsculo em seus braços.

─── Obrigado pelo jantar, a comida estava ótima. ── Heeseung agradeceu, já fora da casa do menor.

Jaeyun sorriu tímido, segurando na mãozinha de Sunoo que coçava os olhos, mostrando indícios do seu sono chegando.

─── Então, até depois?

─── Claro, vizinho de quintal. ── eles trocaram um sorriso ameno e Heeseung agradeceu mais uma vez antes de caminhar lentamente com Niki em seus braços.