04% - ele não vai vir
— com quem você tava conversando ontem? — morgana indagou, olhando de soslaio para christopher pelo espelho da penteadeira. Ainda abaixado para amarrar o cadarço do tênis, o moreno ergueu os olhos até a mulher, confuso com o que ela estava falando. — quando você veio aqui no quarto pra pegar uma roupa, eu estava acordada. Vi pela janela que você tava conversando com alguém, quem era?
— changbin. — respondeu simplista, ficando de pé a fim de arrumar sua bolsa para o trabalho. Insatisfeita com a resposta, a loira com seus fios lisos e rosto de traços europeus se ergueu da pequena e confortável cadeira em frente ao espelho, indo em passos duros até o marido.
— e quem seria changbin? — ela fingiu estar mexendo na própria bolsa de coloração vinho que estava jogada sobre os lençóis da cama, aproveitando para observar de canto o rosto do maior que se mantenha neutro.
— o vizinho novo.
— ah, claro, o vizinho novo. — ela soou irônica, como se estivesse desconfiando de algo. Chan apenas revirou os olhos, decidido a sair do quarto para acordar felix, mas morgana o impediu, segurando em seu pulso com força. — o que você tem?
— o que você quer dizer com isso?
— não sei, você anda estranho ultimamente.
— é só o trabalho. — ela se aproximou do seu corpo de forma acanhada, soltando seu pulso e subindo as mãos finas até seus braços, ali ela apertou um pouco e ergueu o queixo, olhando profundamente para as íris amendoadas do mais velho. — agora não, morgana. — tentou se desvencilhar do seu toque de uma maneira gentil, no entanto ela continuou se aproximando.
— por que você tá agindo assim comigo? Eu sou sua mulher.
— eu sei disso, mas não tô no clima.
— é só um beijo, chris. Não seja chato.
Ele controlou o ímpeto de afastá-la e convenceu a si mesmo a fazer aquilo, abaixando um pouco o rosto para selar seus lábios. Há quanto tempo não sentia nada com aquilo? Não era mais cativante e agradável, era como um toque qualquer, que perdeu a graça com o tempo. Se tornou constrangedor e desconfortável, mas se manteve de olhos fechados e as mãos paradas longe da mulher. Não entendia o que estava acontecendo consigo mesmo, antes beijá-la era como tocar o paraíso, mas tudo ficou tão banal e sem graça que começou a fazer aquilo por obrigação.
Se forçou a sentir algo, nem mesmo que seja uma fagulha de esperança que tudo voltaria a ser como era, mas nada aconteceu. O ósculo teve fim. Morgana parecia satisfeita. Chan apenas queria sair de lá o mais rápido possível.
Ele deu um sorriso pequeno a loira e saiu com sua bolsa, passando no quarto de felix para acordá-lo, encontrando a cena angelical do seu pequeno todo encolhidinho dormindo de forma pacífica. Como se nada pudesse afetá-lo. Chan desejou que ele continuasse daquele jeito, pequeno e inocente, não queria vê-lo passar por tantas desavenças que a vida adulta podia trazer. Se pudesse, o manteria assim, cheio de vida e com seus sorrisos cintilantes, pois sabia que isso poderia ter fim quando ele crescesse e notasse o quão cruel as pessoas podiam ser com as outras.
Morgana deu banho no menininho enquanto chan arrumava o café da manhã, e assim eles se juntaram para degustar o desjejum matinal. Era estranho a forma como felix parecia retraído com a mãe por perto, mas sabia que ele realmente a amava, apenas descobriu da forma mais dura que ela não era a pessoa calma e amorosa que tanto imaginava. Ela não era uma mulher ruim, apenas tinha a cabeça cheia de problemas e lidava com aquilo de uma forma ruim. Descontar em christopher tinha se tornado seu esporte favorito nos últimos três anos, mas enquanto o menor estivesse em segurança ele não se importaria. Queria que morgana voltasse a ser aquela mulher doce que conheceu quando era adolescente, afinal ela foi seu primeiro amor, mas talvez ela tenha ficado para trás, junto com seu país natal e sua vida anterior.
Com a louça adiada para mais tarde, o moreno ajudou o menor a calçar os sapatos e pegou sua mochila branca com desenho de patinhas de gatinhos. Junto a morgana felix saiu primeiro, e de última hora chan lembrou do porque ter guardado um pedaço do bolo que tinha feito, voltando até a cozinha para buscá-lo.
Felizmente quando saiu da residência trancando a porta, changbin também saiu com jeongin. Chan sorriu com a vasilha de bolo na mão, indo até felix para pedir para ele ir entregar ao ruivo, e animadamente o menininho dono de lindas sardas correu até o vizinho que ia entrando no carro com seu filho.
O moreno fingiu não notar a carranca que cresceu no rosto da sua esposa quando felix abraçou de forma carinhosa o seo, este que retribuiu na mesma intensidade, sempre tão radiante e amoroso que deixava chan admirado. Ele estava ótimo vestido com um shorts preto e camisa cinza lisa, a franja do seu cabelo flamejante para trás pelo óculos de sol que segurava os fios.
O bang mais novo entregou o bolo antes de abraçar jeongin também, de um jeito adorável eles ficaram grudados. Changbin abriu a vasilha e sorriu grande, mirando o olhar até chan, que ergueu a mão timidamente para acenar.
— obrigado pelo bolo, vizinho! — o ruivo gritou, acenando de forma alegre.
— disponha, vizinho! — chan riu e acenou um pouco mais.
— felix! — morgana bradou pelo menino que ainda estava agarrado no seo mais novo. Ele olhou para changbin antes de correr até a mãe. — entra no carro. Vocês dois. — disse ríspida, batendo a porta enquanto entrava primeiro.
Changbin parecia ter sussurrado um "boa sorte" enquanto ajudava jeongin a entrar no carro. Chan suspirou e fez o mesmo, batendo a porta devagar enquanto felix subia na cadeirinha.
— deixa que eu faço isso. — a loira exprimiu, se virando antes de chan a fim de fechar as fivelas da cadeirinha do bang.
Changbin saiu primeiro que o moreno, e em seguida ele ligou os motores, tendo a confirmação que felix estava bem preso no banco de trás. O percurso era rápido, primeiro deixaria o bang na escolinha e depois a mulher no trabalho, mas o clima no carro estava tenso e abafado. Morgana mexia a pé sem parar no chão do automóvel, o barulhento desagradável ecoando pelos ouvidos do motorista, ela mexia em uma coisa ou outra dentro da bolsa de alça única que sempre estava carregando, retocando a maquiagem ou apenas murmurando algo que chan não estava com vontade de ouvir.
— não gostei desse vizinho novo. — ela enfim despejou. Chan não esboçou nenhuma reação, era nítido que ela não ia gostar de changbin. — ele me parece desagradável. E você viu o jeito que o filho dele estava vestido? Com certeza ele não tem uma esposa, se tivesse o filho dele pareceria uma criança normal não um mini aspirante a roqueiro. Aquilo estava ridículo.
— eu gostei da roupa do innie. — felix comentou, sendo logo repreendido pela mulher com apenas uma olhada. Chan também tinha gostado, afinal, era só uma roupa comum. O que uma camisa de banda e uma calça preta tinham demais? O garoto parecia confortável com ela.
— eu também gostei. — reforçou o que o menor disse, olhando para ele pelo retrovisor. Eles sorriram juntos, como cúmplices. A loira bufou, revirando os olhos. — e você precisa parar de julgar as pessoas sem nem ao menos conhecê-las, o changbin é uma pessoa muito gentil, sabia? Ele não é artificial ou desagradável, na verdade ele é bem sincero e honesto.
— ah que ótimo, agora tenho que ouvir vocês dois defendendo o vizinho esquesitão que conheceram a dois dias. Que ótimo! — ela ficou emburrada no canto do banco, de braços cruzados e olhar perdido pela paisagem.
(...)
— obrigado pela participação de todos hoje, vão para casa em segurança. — chan sorriu enquanto os jovens aos poucos saiam da sala, se despedindo dele com acenos e sorrisos.
Finalmente sua hora do almoço tinha chegado, dizer que estava morto de fome não seria exagero. Ele se recompôs e saiu da sala de aula, caminhando até a área onde os professores e outros gestores se reuniam, avisando que voltaria logo para substituir brian, o professor de filosofia que dava aula no período da tarde que precisou ficar ausente pelo nascimento da filha. Ele saiu do prédio principal e a pé se dirigiu até o restaurante mais próximo que ia de vez em quando almoçar, era um lugar agradável com um clima ameno. Não era seu preferido, mas a comida deles era ótima.
Pensou que estava vendo errado quando avistou changbin e outro rapaz caminhando juntos, pareciam íntimos pela forma como o garoto de cabelo laranja o tocava enquanto conversavam. O moreno pensou que não seria visto, mas de repente o ruivo virou o rosto em sua direção, dando um grande sorriso em seguida.
— chan! — changbin gritou, o chamando. Meio tímido o australiano terminou de descer as escadas da entrada do colégio e passou pelo arco principal, pisando finalmente na rua. Alguns alunos que passavam por perto fitavam o professor com as orelhas meio rubras em frente a dupla de homens que carregavam em seus pescoços câmeras fotográficas.
— oi. — ele disse baixinho, deixando as mãos atrás do corpo.
— esse é christopher bang, meu vizinho. — changbin disse. O rapaz de fios alaranjados apertou sua mão, com um sorriso triangular perfeito e simpático.
— sou han jisung, primo desse nanico. É um prazer te conhecer, ele fala bastante de você. — recebeu um pisão no pé nem um pouco gentil do menor. — ai! — o olhou descrente, e changbin franziu as sobrancelhas, tentando dizer algo com aquilo.
— ele fala? — indagou surpreso.
— não falo, não. — changbin proferiu com os dentes trincados, olhando feio para jisung. — não liga pra o que esse imbecil diz, ele caiu do berço quando era bebê. — atônito o citado devolve o olhar feio para o ruivo. Chan balançou a cabeça, ainda sem entender o que estava acontecendo. — você tá indo almoçar?
— ah, sim, estou.
— quer ir com a gente? Nós vamos no restaurante que inaugurou recentemente, ver se a comida de lá é boa. — changbin dispôs o convite com um sorriso amigável.
— não quero incomodar vocês.
— não vai ser incômodo nenhum.
— por que vocês dois não vão na frente? — jisung empurrou changbin para perto de chan. — acabei de lembrar que deixei minha carteira com o seungmin, então vou voltar pra buscar e daqui a pouco acompanho vocês.
Ele saiu depressa sem deixar que changbin falasse algo, sumindo entre a multidão de pessoas. Os dois homens se encararam confusos e fizeram o que ele pediu, indo em direção ao tal restaurante novo. Era um ambiente agradável e bem arejado, por fora sua estrutura era pequena e quadrada, as paredes em um tom de roxo bonito. Por dentro era bem ventilado e espaçoso, meses com no mínimo quatro cadeiras se espalhavam pelo salão, o balcão de pedidos era largo e possuía dois rapazes com sorrisos profissionais. Eles foram encaminhados por uma bela moça até uma mesa livre perto das grandes janelas de vidro, de frente para a rua.
Um garçom se aproximou com dois cardápios e seu costumeiro bloquinho de notas, ele aguardou pacientemente a dupla olhar a prancheta de pedidos enquanto os observava calado.
— não vamos esperar o jisung? — chan indagou, abaixando o cardápio para olhar changbin.
— ele não vai vir.
— não?
— não, porque quem ia pagar hoje seria eu, então ele não precisava da carteira. Ele fez isso pra deixar a gente sozinho.
— e por que ele faria algo assim? — o ruivo deu de ombros, as íris centradas no papel em sua mão.
— já escolheu o que vai pedir?
Chan deixou sua expressão confusa para trás a fim de dar mais uma olhada no cardápio, escolhendo por fim o que parecia mais próximo do que já comia em seu dia a dia. O garçom se retirou quando anotou seus pedidos, e outro rapaz apareceu trazendo em uma bandeja com dois copos de água, avisando que era por conta da casa.
Notou que o menor parecia relaxado, ele mexia no celular e às vezes ria de uma coisa ou outra, e até mesmo franzia as sobrancelhas como estivesse tendo uma discussão fervorosa com alguém pelo aparelho. Chan apenas ficou quieto, olhando ao redor e tentando parar de estalar os dedos pela ansiedade que decidiu o assombrar em uma hora oportuna. Se sentiu nervoso mesmo que não visse um motivo relevante para aquilo. Não era a primeira vez que saia com um amigo para almoçar, sua lista de amizade era curta — na verdade, se resumia em apenas uma pessoa, mas para alguém como christopher que não conseguia socializar muito bem, uma pessoa já era o bastante — então ele não via necessidade de toda aquela pressão em seu peito. Lembrou do que jisung disse, changbin falava dele, e aquilo apenas o deixou mais aflito. Será que ele falava coisas boas? Esperava que sim. Ainda não entendia porque o garoto de fios laranjas decidiu abandonar a companhia deles apenas para deixá-los a sós, sentia que estava por fora de alguma coisa que não conseguia ver.
— então. — changbin largou o celular perto do pequeno potinho de sal em cima da mesa, levando as mãos pequenas com alguns anéis para cima também, entrelaçando elas. Chan ainda se sentia tenso ao olhá-lo. — como foi seu dia no trabalho? — ele deu um sorriso gentil, esperando por uma resposta do australiano.
— foi normal. — disse simplista e o ruivo fez biquinho. Parecia chateado com algo. Mesmo que não entendesse sua reação, chan tentou dar uma resposta melhor. — dei aula para três turmas hoje, como é fim de ano, quero repassar tudo o que vai cair na prova antes pra não causar nenhum problema no dia. Por mais que a minha matéria não seja lá essas coisas. — coçou a orelha, dando um sorriso pequeno.
— entendo. Você deve ser um professor legal, quando eu estudava o meu professor de filosofia era um pé no saco. — chan riu brevemente por seu comentário. — sério, ele era muito chato, só aparecia na aula dele porque se não o treinador me tiraria do time de vôlei.
— você jogava vôlei na escola?
— sim, eu era líbero.
— que legal, eu jogava futebol.
— você não parece do tipo que fazia exercícios físicos quando era adolescente. — changbin deitou o rosto para o lado a fim de observar o moreno melhor, seus olhos de turmalina averiguando cada detalhe do rosto dele.
— tá me chamando de nerd indiretamente? — ergueu uma sobrancelha, com um sorriso pequeno. — pra sua informação, eu jogava futebol e fazia natação, e se sobrasse tempo ainda acompanhava meu pai nos jogos de tênis que ele participava.
— oh, certo, me desculpa ofendê-lo desta forma, oh grande esportista. — chan riu contido, sendo acompanhado por changbin.
Seus pedidos chegaram assim que suas risadas cessaram, os pratos sendo dispostos na mesa com cuidado pelo mesmo garçom que anotou seus pedidos. Eles começaram a comer em silêncio, o barulho ao redor invadindo a bolha deles e sumindo em seguida, tinha uma televisão presa a parede em uma altura consideravelmente perigosa, por lá passava o noticiário com algumas informações locais, vez ou outra o moreno olhava para lá já que ela estava na sua frente.
— a sua esposa não gostou muito de mim, né? — a voz baixa do ruivo o trouxe de volta. Quando o encarou, changbin parecia cabisbaixo, ele mexia na comida usando os talheres sem nem ao menos devolver o olhar trêmulo de christopher. — tipo, isso não me afeta, mas o jeito que ela olhou pro jeongin me incomodou um pouco. — seu semblante se tornou rígido, ele olhou bem fundo nas íris de chan e o maior sentiu um arrepio percorrer seu corpo, como um sinal de aviso primitivo.
— desculpa pela morgana. — pediu, deixando as talheres de lado para se esclarecer. — ela é um pouco difícil, sabe? Mas ela não olhou daquele jeito de propósito, é só o jeito dela.
— tudo bem, não precisa ficar assim. — por debaixo da mesa changbin chutou de levinho seu sapato como forma de avisá-lo que estava tudo bem mesmo. Quando ergueu os olhos, changbin sorria novamente. — mas sendo honesto, ela parece ser bem exigente e severa.
— um pouco, talvez.
— um pouco? O jeito que ela gritou pelo felix me assustou mais do que ele. — disse com exagero, arrancando uma risada fraca do moreno. — mas assumo que vocês fazem um casal bonito. — o sorriso de chan sumiu aos poucos. Casal? Será que ainda podiam se classificar assim? — o que foi?
— hm?
— você ficou estranho, sei lá, triste. O casamento não vai bem?
Não queria desabafar da exaustão que sentia para changbin, ele não tinha que ouvir seus problemas, e também, mal se conheciam. Não seria justo despejar tudo nas costas dele. Então tratou de sorrir um pouco, mesmo que não soasse natural, ele olhou para o ruivo e sorriu.
— tá tudo bem, é só alguns problemas que todo casal tem, mas já tá passando.
— se você diz. — deu de ombros, voltando a comer. — mas sabe, se você quiser conversar sobre qualquer coisa, pode me procurar, a gente é vizinho de quintal? Bom, vamos falar assim. Mesmo que seja só pra sentar lá e ficar fumando, eu vou te acompanhar. — sem que notasse, seus olhos brilharam ao encarar changbin, algo que há muito tempo não aparecia. — a única condição é você colocar uma roupa apropriada pro frio, ontem tava congelando e você só de camiseta normal. Tá querendo pegar uma gripe? — chan riu pelo sermão, ele parecia realmente sério e aquilo ao seu ver era adorável.
— vou me vestir apropriadamente de agora em diante, senhor changbin.
— ótimo, senhor christopher.
Eles compartilharam de mais algumas risadas antes de voltar a comer. Seu horário de almoço já estava acabando, mas chan não queria ir embora.
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