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Prólogo

A jovem sentada defronte para o espelho observava atentamente o seu reflexo. Sentia que encarava o rosto de uma estranha, embora os traços continuassem a ser-lhe familiar. Pestanejou, deixando os ombros descair, ajeitando a coroa na sua cabeça com delicadeza. Parecia mais velha, mais séria, menos... ela.

Pousou as mãos no colo, erguendo o queixo. O vestido prateado emoldurava-lhe o corpo, a pele cor de ouro líquido contrastando com o tecido claro cravejado a diamantes. A cor da sua pele era ainda fruto das viagens que fizera ao longo do ano, o sol que apanhara bronzeando-a até adquirir aquele tom, tão semelhante ao tom que a consumia quando usava os poderes curativos da Flor Dourada.

Os olhos eram o que mais lhe custava encarar. Verdes como a mais bela esmeralda, tinham perdido um pouco o brilho de antigamente. Talvez por ter crescido, pela pressão que sentia ou talvez...

Abanou a cabeça, recusando-se a pensar no que não devia. Perto de si, uma moldura decorava o toucado, a fotografia de um casal sorridente fazendo-a bufar. Com brusquidão, virou-a para baixo, fechando os olhos para não encarar o rapaz dos olhos azuis que a olhava com um sorriso galã no rosto.

Um pirata idiota que fugira com o rabo entre as pernas quando a realidade lhes batera à porta.

O som de alguém a bater à porta fê-la dar um pulo na cadeira, assustada com a coincidência entre o que pensara e o que acontecera. Pigarreou, recompondo-se e dizendo na voz mais firme que conseguiu:

- Entre.

- Sou eu. - respondeu a recém-chegada, adentrando no quarto com cautela - Estás pronta?

A princesa assentiu, pondo-se de pé. As camadas do vestido caíram pelo seu corpo, arrojando no chão. O decote discreto e as mangas compridas deixavam-na bela e elegante, uma mulher que lentamente deixava a juventude para trás.

- Se este é o meu vestido para hoje, pergunto-me como será o vestido da coroação. - comentou a dos olhos verdes, acariciando os caracóis que a cabeleireira fizera nos seus longos cabelos castanhos.

- Sabes que a Evie só consegue fazer vestidos magníficos. - respondeu a outra, esboçando um sorriso triste - Estás bem?

Rhiara ergueu o rosto, encarando a melhor amiga com a sombra de um sorriso.

- Estou sempre bem, Audrey.

A filha da Bela Adormecida abanou a cabeça, lançando as mãos ao ar num gesto irritado.

- Não me venhas com essa! Conheço-te melhor do que ninguém, sei perfeitamente que isso não é bem assim. Nunca te disseram que mentir é feio?

- Nunca te disseram que gritar com uma princesa é crime? - brincou a morena, soltando uma risada ao ver a expressão da amiga - Tem calma. Eu estou bem, sim? Já sabia que este dia iria chegar... Só acabei por me esquecer com tudo o que aconteceu.

- Eu sei. - Audrey mordeu o lábio inferior, abanando a cabeça - Mas podes tentar adiar, podes pedir aos teus pais...

- E quebrar anos e anos de tradição? Audrey, nós somos princesas. Temos um dever a cumprir e sabemos perfeitamente o que o futuro nos reserva. Admira-me estares a ter esta conversa sequer, tu sempre quiseste ser Rainha.

- Mas tu não. - ripostou Audrey, olhando-a nos olhos - Nós não somos iguais, nunca fomos. Tu sempre quiseste mais, sempre quiseste viver mais... Sabes que, se falasses com os teus pais...

- Não vou fazer isso. - Rhiara abanou a cabeça, teimosamente - Vou cumprir com o meu dever e ponto final.

- E o...

- Audrey, nem te atrevas...

- ... Harry?

        A morena cerrou os punhos, engolindo o choro. Detestava pensar naquele assunto e Audrey sabia disso. No entanto, ela não achava que tinha alternativa, já que achava muito estranho o que acontecera entre os dois e a forma como Rhiara se recusava a pensar nele.

- Vais simplesmente esquecer que ele existiu? - perguntou, insistindo - Desculpa lá mas eu não acredito...

- O quê? Que ele tenha fugido logo depois de eu lhe ter contado sobre a minha coroação? - Rhiara cruzou os braços, abanando a cabeça - Não é assim tão difícil de acreditar. Harry é um pirata, não é um príncipe e muito menos um rei. Eu serei Rainha. É um cargo importante e com muitas responsabilidades, não é nada que um pirata livre e potencialmente perigoso queira para si. - fungou, erguendo o queixo - Ele fugiu. Foi-se embora sem me dar uma explicação e eu também já não a quero para nada. Acabou, Audrey. As viagens foram maravilhosas, concretizei o meu sonho de navegar pelo mundo fora e agora estou de volta, pronta para governar Corona.

- Mas...

- Mas nada. Esta conversa acaba aqui. - Rhiara ajeitou as mangas do seu vestido, encarando Audrey com seriedade - Agora vamos. O Baile de Verão é o evento mais importante do ano e o dia em que me apresento como futura rainha de Corona. Não posso atrasar-me.

          Audrey fez uma vénia.

- Claro, Majestade.


- A princesa de Corona, nossa futura Rainha!

Rhiara respirou fundo, apertando o corrimão com firmeza. Um degrau, depois o outro, o vestido a arrastar-se atrás de si. Rostos familiares batiam palmas, embora nenhum deles fosse o dos pais. Mordeu a parte inferior da boca, evitando franzir o sobrolho, já que ficaria mal fazer caretas com um vestido tão lindo como aquele. Esboçou um sorriso, acenando com a mão livre para os presentes. O palácio brilhava nas mais belas cores quentes, anunciando a chegada do Verão e do Sol, tão importante para o povo de Corona. No final da escadaria, quem a esperava era Gil, quem ela especificamente convidara para estar presente.

- Pareces uma princesa, Raio de Sol. - murmurou o pirata, com um sorriso no rosto - Estás mesmo linda.

- Obrigada Gil. - Rhiara olhou em volta, esperançosa - A Uma não veio?

Gil abanou a cabeça.

- Não. Ela continua à procura do Harry.

Rhiara rangeu os dentes, desviando o olhar para o chão.

- Ela também acredita que ele fugiu de mim por algum motivo especial que não pura cobardia?

- Sim. E eu também. - respondeu Gil, simplesmente.

A princesa abanou a cabeça, sem querer insistir. Caminharam por entre os convidados, saudando-os com educação, embora a sua mente vagueasse. Os olhos esmeralda vasculharam o salão, preocupados. Onde estavam os seus pais? Sem os Reis de Corona, o Baile não poderia começar e eles sabiam muito bem disso.

No alto da escadaria, a figura esguia do Rei de Corona surpreendeu a todos, incluindo Rhiara, cujos olhos se arregalaram ao ver o pai sem a sua mãe ao lado.

- Lamento mas o baile terá de ser cancelado. - anunciou Eugene, a voz ecoando pelo salão - Infelizmente, estamos com uma emergência em mãos. Em nome da família real, as nossas mais sinceras desculpas.

Um burburinho intenso percorreu o salão. Às pressas, Rhiara pegou nas saias do seu vestido, andando apressada até onde o pai estava, o qual já descera a escadaria para ir de encontro aos guardas.

- Pai? O que se passa? - questionou Rhiara, pousando a mão no braço do pai.

Eugene encarou a filha, os olhos escurecidos pelo medo e pela preocupação, o rosto habitualmente alegre e matreiro endurecido.

- A tua mãe desapareceu, Rhiara.

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