Capítulo 13
- Gothel.
O nome escapou-se pelos lábios de Rhiara com espanto e horror. Só a tinha visto nas pinturas da mãe mas vê-la em carne e osso provocava-lhe arrepios. A mulher tinha um ar intimidante, a postura ereta e os cabelos encaracolados perfeitamente caídos pelas suas costas, o corpo jovem e delgado emoldurado pelo vestido vermelho que usava. Parecia tão jovem como sempre fora, como se a Morte tivesse conservado a sua juventude, de uma forma semelhante ao que a Flor Dourada era capaz de fazer.
Gothel inspirou fundo, passando as pontas dos dedos pelo rosto, apreciando a pele macia e sem rugas que tanto fizera para manter... por anos.
Rhiara olhou para Gwendolyn, sentindo uma enorme vontade de abaná-la para que ela reagisse. A filha de Gothel parecia que tinha visto um fantasma, encarando a figura da mãe com uma expressão estranha no rosto, a pele parecendo ainda mais translúcida. Os olhos verde musgo encaravam a figura à sua frente, esgazeados, presos no passado. A princesa de Corona sentiu o coração contorcer-se no peito ao vê-la tão... vulnerável. Todos os vilões têm uma história... e Gwendolyn não era diferente. Por baixo da malícia, da loucura, da crueldade, por baixo de muitas camadas, existia a menina solitária e assustada que fazia tudo para agradar a sua mãe e ter um minuto da sua atenção. A criança que ouvia a mãe dizer a outra menina que não era sua filha o quanto a amava, mas que nunca o dissera a si. Aquele amor não era real, Gwen sabia disso. Era amor ao cabelo de Rapunzel, aos seus poderes, não à princesa desaparecida. Ainda assim, doía e continuava a doer... porque Gothel não a olhava. Os seus grandes olhos verdes-escuros fitavam Rhiara, cujos fios de cabelo e pele perdiam lentamente o brilho dourado da Flor Dourada.
- Meu amor... - Gothel ergueu as mãos, dando um passo em frente para ir ter com Rhiara - A minha Flor. O teu poder evoluiu, não foi?
- Fica longe de mim. - grunhiu Rhiara, desembainhando a espada que trazia a tiracolo.
- A filha da Rapunzel, imagino? - Gothel estalou a língua, desviando o olhar da morena à sua frente para encarar o corpo adormecido de Rapunzel, no canto do lugar onde estavam - Tão parecidas... mas és muito mais atrevida. Gosto disso. Baixa a espada, querida. Porque me trouxeste de volta se era para me tratares assim? - questionou a vilã, fazendo beicinho - Fico tremendamente triste!
- Não fui eu que te trouxe de volta. - retorquiu a princesa, segurando firmemente o punho da espada - Se dependesse de mim, terias ficado onde estavas. Estás tão cega que nem reparas na tua própria filha, Gothel.
Os olhos verde-musgo pestanejaram, fitando a jovem ao lado de Rhiara. Esta ergueu o queixo, o choque dissipando-se lentamente do seu rosto, a expressão tornando-se neutra e apática. Gwendolyn sustentou o olhar da mãe, vendo-a encará-la de cima a baixo, um sorriso de lado bailando-lhe nos lábios.
- Gwen. Minha filha.
- Mãe.
- Foste tu, querida? Quiseste trazer-me de volta? Oh meu amor... - Gothel levou a mão ao peito, com falsa emoção - Sentiste saudades minhas?
- Não. - respondeu Gwendolyn, sincera - Trouxe-te de volta para te fazer uma pergunta.
O sobrolho da mais velha franziu-se, a cabeça inclinando ligeiramente enquanto dizia:
- Estranho. Mas faz lá a tua pergunta.
- Eu quero saber. Eu preciso de saber. - Gwen ergueu o queixo, enfrentando a mãe pela primeira vez desde que nascera - Alguma vez me amaste?
- Desculpa?! Foi por isso que me trouxeste de volta? - questionou Gothel, incrédula - Querida, que parvoíce. É claro que te amo, és minha filha. - os ombros de Gwen descaíram, aliviados - Escolhi muito bem o teu pai e fiz questão de te iniciar cedo na arte da bruxaria. Como podes duvidar do meu amor por ti se foste planeada ao milímetro?
Os lábios de Gwendolyn crisparam-se, entendendo o que a mãe queria dizer. Ela era apenas uma arma para Gothel, um troféu, um objeto com um propósito. Ao seu lado, Rhiara franziu o sobrolho, baixando ligeiramente a espada ao questionar:
- Para quê?
Gothel estalou a língua, abanando as mãos de forma teatral.
- Para isto mesmo. O que está a acontecer hoje... francamente, achas que ela teria a capacidade de me trazer de volta à vida se eu não a tivesse criado como criei? - soltou uma risada desdenhosa, colocando a mão na anca - Gwendolyn é a minha certeza de que serei imortal para o resto da eternidade. Se algo acontecesse a Rapunzel, a minha filha resolveria... Ou então iria dar-me a juventude que eu lhe dei por anos, usando o poder da Flor Dourada. Ela iria manter-me jovem e bela. E, convenhamos, uma mulher bonita como ela é uma arma nas mãos de qualquer pessoa, não concordas? Mais precisamente, nas minhas. - os olhos verdes-escuros de Gothel faiscaram - Uma mulher bela e jovem tem o mundo dos homens aos seus pés, querida. Espelho meu, espelho meu... - a vilã aproximou-se da filha, passando o braço pelos ombros rígidos dela e sorrindo - Quem é mais bela do que eu? A minha filha, claro.
Os olhos esmeralda de Rhiara fitaram os escuros de Gwendolyn, que encarava o vazio, sem emoção alguma no seu rosto. A jovem era uma estátua perfeita, imóvel nos braços da mãe, o rosto delicado como se tivesse sido esculpido, as curvas sedutoras e os cabelos negros baços... Parecia deslocada. Mal-feita. O ar doente e a beleza não combinavam mas Gothel sequer reparara que a sua filha estava cadavérica, os ossos do pescoço e das maçãs do rosto visíveis, retirando-lhe o que a deixava atraente.
A filha da Rapunzel prensou os lábios, semicerrando os olhos antes de dizer:
- Pena que a tua garantia de imortalidade está a morrer.
Gwendolyn arregalou os olhos, abanando ligeiramente a cabeça na direção de Rhiara, cujas sobrancelhas se franziram, sem entender. Um rasgo de medo trespassou-lhe o rosto, retomando a expressão impassível quando a mãe a encarou, as mãos segurando cada um dos lados do rosto, os olhos analisando-a atentamente.
- Estás com mau aspeto, querida. A princesinha tem razão? Estás doente?
- Mãe...
- Temos de resolver isso. - o rosto de Gothel virou-se bruscamente para Rhiara, que ergueu um pouco mais a espada, sentindo-se ameaçada - Ela precisa da Flor Dourada. Podes ajudá-la? - perguntou, cobrindo o rosto com uma das mãos, enquanto a outra acariciava a bochecha de Gwen - Não posso perder a minha querida filha. Por favor, filha de Rapunzel... Ajuda uma pobre mãe a salvar a sua menina.
A mulher dos cabelos negros e olhos verdes encarava Rhiara com piedade. A filha de Rapunzel sentiu o coração amolecer, a manipulação de Gothel começando a fazer efeito. Ela não queria que Gwendolyn morresse. Ela sequer tivera oportunidade de viver, não merecia uma segunda oportunidade? E Gothel era mãe de Gwendolyn, independentemente de tudo. Com certeza amava a filha mais do que apenas como uma garantia da sua própria vida, iria sofrer se a filha morresse. Todos os vilões eram capazes de amar, mesmo que apregoassem o contrário.
O problema é que, por vezes, os vilões até podiam amar os filhos... mas amavam-se mais a si mesmos e Gwendolyn sabia disso perfeitamente. Por isso, ao ver Rhiara baixar a espada, soltou-se bruscamente das garras da mãe e empurrou a princesa para trás de si, fitando Gothel com os olhos a faiscar.
- Eu não quero ser salva. Já me tiraste a vida, não me vais tirar a morte.
- Do que estás a falar? - Gothel franziu o sobrolho, dando um passo em frente - Entrega-me a rapariga.
- Não. Eu sei o que tu queres: a Flor. É a única coisa que queres, nada tem a ver comigo.
Rhiara arregalou os olhos, percebendo a armadilha em que iria cair. Gothel aliciara-a para ajudar Gwendolyn apenas para que ela ficasse nas suas mãos. Provavelmente iria raptá-la, como fizera com Rapunzel. O sangue fugiu do rosto da jovem, fitando Gwendolyn com os olhos esmeralda vidrados ao dizer:
- A minha mãe.
Um lampejo de emoção surgiu no rosto de Gwen. A mão tateou imediatamente o decote do seu vestido, retirando um pequeno frasco do bolso...
O antídoto.
O tempo escasseava e a poção tinha de ser curada... antes que fosse tarde demais.
- Vai. - disse Gwen, colocando-se numa posição defensiva ao encarar a mãe.
Rhiara avançou para o lado direito, onde a mãe estava. Para sua surpresa, Gothel surgiu à sua frente, com um sorriso cruel no rosto. As mãos frias de Gwendolyn puxaram o corpo da princesa para trás, com tanta força que o seu corpo caíra atabalhoadamente ao chão. O ar tornou-se mais denso à medida que Gwen sibilava algo, as chamas das velas tremeluzindo. O olhar de Gothel suavizou, ciente de que não estava à altura da bruxaria da sua filha.
- Gwen, querida, o que estás a fazer? Somos só nós as duas contra o mundo, lembraste? - disse Gothel, numa voz doce - Eu e a minha menina... Mas só podemos ser assim se estiveres bem. Se tivermos a Flor Dourada, nunca ficaremos separadas.
- Eu não quero a Flor Dourada. Nunca quis. - a voz de Gwen falhou-lhe, encarando a mãe com os olhos marejados - Eu só queria a tua atenção. O teu carinho. Não sou uma marioneta nas tuas mãos, mãe. Sou uma pessoa, uma menina que tinha o futuro pela frente se não tivesses obrigado o meu corpo a ficar jovem cedo demais. Olha para mim! - apontou para si mesma, sentindo-se destruída - Sou uma aberração! Tenho a idade da Rapunzel e pareço da mesma idade que a filha dela! Estou a morrer por causa da tua estúpida Flor!
Com a mente embaçada pela raiva, Gwen atirou-se ao pescoço de Gothel, arreganhando os dentes. Rhiara soltou um grito, vendo a mais nova ser arremessada ao chão, as unhas longas de Gothel apertando o pescoço da filha com um sorriso cruel no rosto.
- Junta-te a mim, querida. A bem... ou a mal.
- Larga-a! - exclamou Rhiara, empunhando a espada caída - Agora!
- Ou o quê? Vais matar-me? De novo? Não me parece que tenhas essa coragem, querida.
- Rhiara... - Gwen grunhiu, tentando soltar-se do aperto surpreendentemente forte da mãe - Rapunzel...
Os olhos esmeralda desviaram-se por breves instantes para o corpo adormecido da mãe. Sentia um peso cada vez maior em si, a sua mente entorpecida pela sonolência de Rapunzel, a poção de Adormecer letal a cada minuto que passava. No bolso de Rhiara, o pequeno frasco que Gwen lhe entregara parecia pesar, ansioso para ser usado.
Com uma força que não coincidia com o corpo delgado de Gothel, a vilã ergueu o corpo da filha contra a parede, suspendendo-a. Um brilho metálico surgiu no flanco de Gwen e Rhiara arregalou os olhos ao ver a adaga da feiticeira na mão da sua mãe, a ponta ameaçando perfurar-lhe o corpo.
- Rhiara, é esse o teu nome? - questionou Gothel, dirigindo-se à princesa, ainda de espada erguida - Eu e a minha filha não estamos de acordo em relação ao que fazer a seguir... Mas sei que eu e tu conseguimos entender-nos. Tu não queres que ela morra, pois não? Pelo menos, não por tua causa. És uma princesa, um dos bonzinhos. - a mais velha pressionou a adaga contra o vestido vermelho de Gwendolyn, um fino fio de sangue misturando-se com a cor intensa do tecido - Se não vieres ter comigo agora... Eu mato-a.
- Tu não farias isso. - disse Rhiara, horrorizada - Ela é tua filha. Disseste que precisavas dela...
- Ela tem utilidade, sim... Mas tu tens mais. O poder da Flor Dourada é mais forte em ti do que alguma vez foi na Rapunzel. Quem sabe não és eterna? Quem sabe não és imortal? Se és, não preciso dela para nada. - Gothel encarou-a com os olhos esgazeados, a loucura e ganância presentes nas suas íris - A Flor Dourada é minha. Sempre será. Então... - pressionou a faca, fazendo Gwen grunhir de dor - Em que ficamos?
- Sai daqui. - disse Gwen, tentando sorver ar suficiente para falar - Tu sabes que quero morrer. Se ficares, ela leva-te e nunca mais vês a tua família. A tua mãe... Rhiara, a tua mãe não tem muito tempo. Por favor... Por favor, tu tens de salvar a Rapunzel.
A voz de Gwen falhou ao falar o nome da Rainha. Parecia genuinamente arrependida de ter feito o que fizera, o que só deixava Rhiara mais confusa. Gothel, por outro lado, soltou uma risada desdenhosa, dizendo:
- Sempre tiveste um carinho especial por ela... Rapunzel. A minha "filha". És patética, Gwendolyn. - a vilã estalou a língua, apertando um pouco mais o pescoço da mais nova - Em vez de sentires ciúmes... tu amas-a. Como se ela fosse tua irmã. Nunca sequer falaste com ela...
Uma lágrima solitária escorreu pela bochecha de Gwendolyn, fazendo o coração de Rhiara apertar-se.
- Ela é minha irmã. Sempre será... mesmo que não saiba que existo.
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