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Capítulo 1

Nuvens cinzentas erguiam-se no céu de Corona, como se pressentissem a tragédia que caíra sobre o reino. Tragédia essa que o povo ainda não tinha qualquer conhecimento, nem deveria ter. Já era suficiente o pânico que se instalara dentro dos muros do castelo, não era necessário espalhá-lo pelos quatro ventos.

        Rhiara caminhava de um lado para o outro, esfregando as mãos uma na outra num gesto de nervosismo. Estava pálida e com olheiras, resultado de não ter sido capaz de dormir na noite anterior. Tinha passado um dia desde que Rapunzel desaparecera e ainda não havia notícias. A princesa tentava, a custo, manter a calma enquanto a guarda real fazia as buscas por Corona e pelos reinos vizinhos. Eugene, regente enquanto a Rainha estivesse fora, optara por aguardar antes de pedir ajuda a quem quer que fosse. No entanto, um dia depois, não aguentara mais.

          Por isso Rhiara percorria o corredor do castelo, aguardando a chegada da família real em quem mais confiava.

- Vais gastar a sola dos sapatos.

       Audrey encarava-a, as sobrancelhas erguidas, os braços cruzados. A perna abanava, mostrando-se tão nervosa quanto Rhiara. Para ela, Rapunzel era uma parte importante da sua família, já que Corona era o segundo lugar onde se sentia mais em casa. O desaparecimento da Rainha mexera com toda a família e Audrey não era exceção. A filha da Bela Adormecida bufou, levando as mãos ao alto enquanto dizia:

- Mas eles vão demorar muito?!

      As portas do castelo abriram-se como se lhe respondessem. À frente, o Rei de Auradon caminhou apressadamente até Rhiara, os braços envolvendo-a num abraço apertado e sentido.

- Como estás? - perguntou Ben, soltando-a para a encarar.

        Rhiara soltou um suspiro, encolhendo os ombros.

- Ansiosa. Impaciente. Nervosa. - respondeu, pestanejando - Por favor, diz-me que encontraram alguma pista.

- Infelizmente não mas já temos toda a guarda real à procura. - respondeu uma das companhias de Ben, esboçando um sorriso fraco - Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para ajudar a encontrar a tua mãe, Rhia.

- Mal. - a princesa de Corona fungou, tentando engolir as lágrimas à medida que a filha da Maléfica a abraçava- Obrigada.

- Não achaste que te íamos deixar sozinha, certo?!

         Atrás dos Reis de Auradon, três pessoas sorriam, fazendo Rhiara se emocionar ainda mais. Com a sua expressão tranquila, Evie aproximou-se dela, rodeando-lhe o corpo num abraço silencioso. Rhiara fungou, sentindo-se segura nos braços da amiga. Jay e Carlos juntaram-se a elas, os braços de ambos rodeando-as. A princesa de Corona sentiu o coração aquecer, as palavras embrulhadas pela emoção ao dizer:

- O-Obrigada. A-a m-minha mãe...

- Nós vamos encontrá-la. - garantiu Ben, pousando-lhe a mão no ombro - Prometo. Agora, onde está o teu pai?

- No escritório. - Rhiara limpou as lágrimas, encarando o melhor amigo com firmeza - Levo-te lá.

- Eu sei o caminho. Rhia, o teu pai quer que resolvemos isto com descrição e... Não te quer envolver. - Ben prensou os lábios, embaraçado - Fica aqui, por favor.

- O que?! Não vou ficar aqui sem fazer nada! Vou para as ruas procurar a minha mãe com vocês...

- A princesa de Corona a passear pelo reino com o ar desesperado com que estás? - o Rei de Auradon abanou a cabeça - Olha para ti, Rhia. Dás demasiado nas vistas. Eu e o teu pai vamos resolver isto, está bem? - Ben olhou para Mal, que assentiu - Tomem conta dela, por favor.

- Mas... Ben! Ben!

        Os braços de Jay impediram-na, a força do rapaz sobrepondo-se à dela. Rhiara bufou, irritada. Vendo-a perturbada, Carlos colocou-se à sua frente, os olhos castanhos perscrutando-lhe o rosto com atenção.

- Rhia, escuta-me. - a filha da Rapunzel fuzilou-o, fazendo-o recuar - Tem calma contigo! Escuta, eu e o Jay vamos para as ruas tentar sacar informações. Somos mais discretos que a guarda real e seremos os teus espiões, que te parece?

       Rhiara franziu o sobrolho, virando o pescoço para olhar para Jay, que assentiu. A mão fria de Mal pousou no seu ombro, os olhos verdes da Rainha com um brilho maléfico.

- Enquanto isso, eu tento usar um feitiço para localizar a tua mãe. Só preciso de um objeto que lhe tenha pertencido, algo com uma ligação emocional à tua mãe.

- Mas disseste ao Ben...

- Que tomava conta de ti. Não que não te iria ajudar. - Mal encolheu os ombros, piscando o olho - O Ben conhece-me. Nunca na vida eu ficava parada sem fazer nada para resolver esta situação e ele sabe disso. Se ficar surpreendido, é porque quer, não porque não estava à espera.

          A princesa de Corona assentiu. Os olhos esmeralda escureceram, os pensamentos longe dali. Rapunzel desaparecera. O seu Dom não dera indícios de que ela estava ferida, nem mesmo emocionalmente, como fizera com Audrey no ano anterior. Rhiara fitou Audrey, que a encarava, como se pensassem a mesma coisa. A morena virou-se para Mal, dizendo-lhe:

- No quarto dos meus pais, pousada na mesinha de cabeceira da minha mãe, está uma tiara. Usei-a o ano passado quando fui apresentada ao mundo como princesa de Corona. É a coroa que permitiu a Rapunzel encontrar os pais e conhecer Eugene. Deve servir para o que precisas. - Rhiara olhou para os rapazes, que se endireitaram - Encontrem a minha mãe mas não deixam que a guarda vos veja. Não quero que o meu pai saiba que não estou sossegada como ele queria. - a morena virou-se para Evie, engolindo em seco - Evie... Preciso que regresses a Auradon. Eu... Eu preciso de saber. - hesitou, ciente da hipótese que estava prestes a pôr na mesa - Eu preciso de saber se a Gothel está viva.

          Evie arregalou os olhos, o choque trespassando o rosto de todos os presentes.

- Tu não achas...

- É a única coisa que me ocorre. - confessou Rhiara, suspirando - A barreira caiu. A minha mãe desaparece. Parece muita coincidência, não acham?

          Ninguém respondeu. Por muito que lhes custasse admitir, a barreira entre Auradon e a Ilha dos Perdidos tinha sido removida, dando aos vilões a liberdade que tanto ansiavam. Como qualquer outra escolha, trazia consequências e não podiam colocar a hipótese de que uma vilã como Gothel poderia querer vingança... E tinha a sua oportunidade para o fazer.

- Vou ver o que encontro. - foi tudo o que Evie conseguiu responder, engolindo em seco - Vou regressar a Auradon o quanto antes. Quando tiver informações eu aviso.

         Virou as costas, afastando-se. Jay e Carlos seguiram-na, rumo às ruas. Mal pousou a mão no ombro de Rhiara, os olhos verdes transmitindo-lhe uma confiança que não sentia.

- Vamos encontrá-la.

- Obrigada, Mal. - Rhiara olhou para a única pessoa que faltava, a qual cruzou os braços, encarando-a - Audrey, tu vens comigo.

- Jura?! - Audrey revirou os olhos, irónica - Não tinha percebido. O que estás a tramar agora?

         Com um aceno, Mal despediu-se delas, correndo em direção às escadas do castelo. Lentamente, Rhiara girou sobre os seus próprios calcanhares, o braço entrelaçando-se no da melhor amiga para puxá-la.

- Nós, minha querida melhor amiga, vamos para o teu sítio favorito: a biblioteca.

         Audrey revirou os olhos.

- Maravilha.

         A biblioteca saudava-as, vazia. Alguns livros estavam espalhados pela mesa, abertos, enquanto Rhiara folheava um na mão. Já o lera vezes e vezes sem conta, tanto quanto era mais nova como agora. Aquele era o livro que contava o conto de fadas de Rapunzel, a princesa perdida. Nas suas páginas, aguarelas coloridas tinham sido pintadas pela própria mãe, daí as imagens serem tão vividas e realistas. Rapunzel era uma pintora talentosa e Rhiara herdara isso dela; talvez por isso gostasse tanto de ler a sua história, já que passava horas a admirar o traço delicado mas firme da sua mãe.

A página que mais gostava era a que mostrava Gothel no seu ar mais esplendoroso. Os olhos cor de musgo, a ambição na sua face, os caracóis negros caídos pelas costas como um manto... Ou Gothel era realmente bonita, ou Rapunzel era de facto uma excelente pintora... Ou as duas coisas.

- Vou à casa-de-banho. - resmungou Audrey, fechando o livro na sua mão.

Tinham ido ali estudar a história de Rapunzel e de Corona. Conhecer melhor o passado da mãe talvez a elucidasse sobre o seu possível paradeiro. Havia duas hipóteses para o que lhe acontecera: ou fugira, ou fora raptada. Para Rhiara, fugir não era uma possibilidade tão disparata como Eugene considerava. Sabia que a mãe adorava a sua família e o seu reino mas qualquer um podia ver que Rapunzel era uma mulher cuja ânsia pela liberdade já a fizera fugir uma vez. Para além disso, era melhor acreditar que a mãe fugira do que pensar que alguma coisa lhe tinha acontecido.

Sozinha, mergulhada no silêncio, assustou-se ao sentir o bolso das calças tremer. O telefone tocou, o nome de Evie no ecrã fazendo Rhiara atender com rapidez.

- Encontraram-na?

- Rhia... Eu encontrei registos da Gothel mas... Rhia, ela nunca foi ressuscitada. - disse Evie, em choque - A Fada Madrinha está aqui ao meu lado, tive que falar com ela porque...

- Rhiara, querida. - voz da Fada Madrinha fez-se ouvir, aguda aos ouvidos de Rhiara - Quando fiz o feitiço para castigar os vilões, algo correu mal. Nunca consegui atingir Gothel. Acho que... O facto dela ter brincado com a Flor Dourada para se tornar imortal mexeu com o equilíbrio entre a Vida e a Morte. O castigo dela foi diferente dos restantes vilões; em vez de prisioneira, ela está...

- Morta. Para sempre. - completou Rhiara, fechando os olhos - Então ela não teve nada a ver com o desaparecimento da minha mãe.

- Há mais. - Evie fez uma pausa, o barulho de folhas a serem restolhadas fazendo-se ouvir - Encontrei algo que deves saber. Uma certidão de nascimento. Todos os filhos de vilões têm uma...

- Por favor, não digas o que eu acho que vais dizer. - murmurou Rhiara, agoniada.

- Ela teve uma filha, Rhia. A Gothel teve uma filha.

        Rhiara respirou fundo, sentindo o coração acelerar.

- Onde é que ela está?

- Na Ilha dos Perdidos. Mas Rhia... Ela é perigosa. Não podes ir lá sozinha e nada indica que ela tem alguma coisa a ver com o desaparecimento da tua mãe...

- Obrigada pela informação, Evie. - retorquiu a princesa, desligando a chamada.

            Olhou para o camaleão pousado na mesa da biblioteca. Pascal abanou de imediato a cabeça, como se soubesse exatamente o que passava pela cabeça dela. Rhiara esboçou um sorriso.

- O que achas de irmos fazer uma visita ao Maximus?


A biblioteca estava mergulhada no silêncio quando a filha da Bela Adormecida regressou.

Audrey olhou em volta, sentindo o coração afundar-se no peito.

Onde estava Rhiara?

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