30
Alguns dias depois, Jimin tentou se levantar antes que os membros da Irmandade entrassem. Não queria que a vissem deitada. O soro conectado a seu braço e todas aquelas gazes nela já eram bastante desagradáveis.
Mas, ao menos, tinham retirado o cateter no dia anterior. E havia conseguido tomar banho sozinha – embora sua companheira tenha montado guarda na porta do banheiro. Poder lavar o cabelo era maravilhoso.
– O que você está fazendo? – Perguntou Minjeong, quando surpreendeu sua movimentação.
– Sentando...
– Ah, não, você não pode – pegou o controle da cama e elevou a cabeceira.
– Ah, caramba, Minjeong, agora permanecerei deitada e sentada ao mesmo tempo.
– Assim está bem – ela se inclinou para ajeitar os lençóis, e Jimin reparou em como sua aura parecia diferente depois da tranformação, mais altiva, mais determinada... Ansiava por poder ver sua forma lupina.
O mais breve possível.
Mas essa percepção a fez pensar na cena que havia encontrado no celeiro. Ela presa naquela cadeira. E tudo que acontecera depois para que fosse forçada a esse extremo.
– Ei, lindeza.
Quando ela falou, Minjeong levantou a cabeça. Seus olhos azuis eram tão cativantes que ela seria capaz de olhar para eles para sempre.
– Oi – ela sussurrou. – Você precisa de alguma coisa?
– Preciso?
– Na verdade, você me parece bem.
– Então vou retornar para nossa residência. Rápido, me ajude a trocar de roupa para que eu possa fazer isso agora.
Ela riu, depois ficou séria.
– Como está a dor?
– Que dor?
– Não comece, está bem? Eu ouvi a sua reclamação durante a última visita de monitoramento de Wonyoung.
A lupina emitiu um som qualquer.
– E isso importa? Você está aqui e consigo suportar qualquer coisa assim. – A palma de Jimin esfregou seu pulso. – Minjeong?
– Sim?
– Eu tenho pensado... Tem certeza de que você está bem? – haviam falado do que acontecera, mas ela continuava preocupada.
– Já lhe disse. A ferida de minha coxa já está cicatrizada...
– Não estou falando da sua condição física – disse Jimin com vontade de matar Jang Wooyoung outra vez.
Por um instante, o semblante dela se anuviou.
– Já lhe disse, vou ficar bem. Porque me nego que seja de outra maneira.
– É muito valente. E resistente.
Ela sorriu, e se inclinou para lhe dar um beijo rápido. Mas Jimin a imobilizou, e falou bem pertinho dos lábios dela:
– E obrigada por salvar a minha vida. Não só no celeiro, mas também pelo resto de meus dias.
Beijou-a intensamente, alegrando-se por ouvi-la ofegante de prazer. Aquele som fez com que algo dentro dela também renascesse e ela roçou as pontas dos dedos em sua clavícula.
– O que acha de deitar um pouco aqui comigo?
– Não acho que já esteja completamente preparada para isso.
– Quer apostar? – Ela agarrou-lhe a cintura e a puxou contra a cama.
Sua risada gostosa ao prendê-la de leve pareceu-lhe outro milagre. Assim como sua constante presença no quarto, sua implacável proteção, seu amor, sua força.
Minjeong era tudo para ela. Seu mundo inteiro. De indiferente a respeitosa pela própria vida passara a desesperada por viver. Por ela. Por elas. Por seu futuro.
– O que acha de esperarmos só mais um dia? – Perguntou ela.
– Uma hora.
– Até que possa se sentar sozinha.
– Combinado.
Graças a Deus se recuperava com rapidez. Minjeong de afastou.
– Posso deixar seus aliados entrarem?
– Sim – respirou fundo – Espere. Você pode me dar uma venda?
Ela assentiu e se afastou. Quando retornou trazia na mão uma venda negra que logo lhe entregou.
– Tem mais uma coisa que gostaria de lhe dizer. – Jimin puxou-a suavemente para baixo, até que estivesse sentada na beira da cama. – Vou deixar a Irmandade.
Minjeong fechou os olhos, como se não quisesse que ela visse o enorme alívio que sentia.
– Verdade?
– Sim. Pedi a Aeri que se encarregasse dela. Mas não vou sair de férias. Como sabe, tenho de começar a governar a nossa espécie, Minjeong. E preciso que você faça isso comigo.
Minjeong abriu os olhos.
Ela acariciou a sua face.
– Eu sei que já tivemos essa conversa antes e que você disse que precisava de um tempo. Mas serei sincera com você: não sei por onde começar. Tenho algumas ideias, mas precisarei de sua ajuda.
– Qualquer coisa – disse ela, surpreendendo-a –, qualquer coisa por você.
Jimin a olhou maravilhada.
Caramba, ela sempre conseguia fasciná-la. Ali estava, disposta a enfrentar o mundo com ela embora estivesse prostrada em uma cama de hospital. Sua fé nela era surpreendente.
– Já disse que amo você, Minjeong?
– Há uns cinco minutos. Mas nunca me canso de ouvir.
Beijou-a.
– Diga aos meus aliados que entrem, incluindo Ningning. E quero que você esteja presente enquanto falo com eles.
Minjeong deixou os guerreiros entrarem e, logo depois, voltou para o lado dela.
A Irmandade se aproximou da cama com cautela. Embora já houvesse tido uma breve conversa com Aeri naquela manhã, era a primeira vez que via o restante dos guerreiros. Foi um tal de tossirem baixo, como se quisessem limpar as gargantas, mas Jimin sabia o que sentiam. Ela também sentia um nó na garganta.
– Meus aliados...
Nesse momento, Wonyoung cruzou a soleira da porta. Parou repentinamente.
– Ah, Wonyoung – disse Jimin –, entre. Temos assuntos pendentes, você e eu.
A outra lupina entrava e saía da sala de cirurgia com regularidade, mas Jimin não havia se sentido capaz de enfrentar aquela situação até agora.
– É hora de solucioná-los – ordenou.
Wonyoung respirou profundamente, aproximou-se da cama e inclinou a cabeça.
– Minha senhora.
– Soube que já está ciente de tudo o que seu irmão arquitetou.
Verdade seja dita, ela não tentou fugir. Não prevaricou. E, embora sua pena e seu arrependimento pelas ações de Wooyoung fossem claros, não tentou se desculpar para obter alguma espécie de perdão para ele.
Na verdade parecia esperar algum tipo de punição, e Jimin entendia o porquê; não era incomum que em casos de traição toda uma família fosse renegada do clã.
– Sim, Aeri conversou comigo, minha senhora. Fui eu quem insistiu para que fizesse isso.
Jimin assentiu, pois já conversara com Aeri sobre o que realmente havia acontecido naquela noite.
– Minha senhora, deve saber que meu irmão tentou incriminar um dos membros da Irmandade.
Jimin olhou para Jungkook, que observava fixamente Wonyoung.
– Sim, estou ciente disso. Jungkook, devo desculpas a você.
O guerreiro deu de ombros.
– Não se incomode. Acho esse lance de desculpas um saco.
Jimin sorriu, pensando que aquilo era a cara dele. Sempre zangado, não importava a ocasião.
Wonyoung olhou os mebros da Irmandade.
– Aqui, diante dessas testemunhas, aceito qualquer sentença que me for atribuida.
Jimin examinou a lupina com expressão séria. E pensou em todos os anos de sofrimento que tivera de suportar. Embora ela jamais houvesse tido a intenção de que sua vida fosse tão desgraçada, tudo aquilo fora culpa dela.
– Wonyoung, você não tinha conhecimento dos planos do seu irmão, não é? – Perguntou Jimin.
Ela assentiu.
– Não, minha senhora.
– Então, não precisa se preocupar. Você não compactuou com Wooyoung e não deve ser condenada por conta das ações dele. Muito pelo contrário, devo agradecê-la por ter salvado a minha vida.
Wonyoung pareceu cambalear com a surpresa.
– Obrigada, minha senhora.
Jimin respirou fundo e sua expressão suavizou.
– É o mínimo que posso fazer por você, Wonyoung. Futuramente espero que possamos trabalhar juntas, sem mágoas ou ressentimentos.
Ela assentiu, mas permaneceu em silêncio.
– Agora, deixe-nos. Pode me espetar e me sondar mais tarde. Mas bata na porta antes de entrar, entendeu?
– Sim, minha senhora.
Quando ela saiu, Jimin beijou a mão de Minjeong.
– No caso de estarmos ocupadas – sussurrou-lhe.
As risadas zombeteiras encheram o quarto.
Ela olhou com severidade para os seus aliados para silenciá-los e, depois, fez seu pronunciamento. Pelo longo silêncio após suas palavras, soube que os membros da Irmandade haviam ficado abalados.
– Então, estão com Aeri ou não? – Perguntou ao grupo.
– Sim – disse Mingi – Por mim, tudo bem.
Yujin e Jungkook aprovaram com a cabeça.
Jimin respirou fundo.
– Bom, tem mais uma coisa. Assumirei a regência de Seul. Tal como contei a Aeri, precisamos nos reconstruir. Precisamos ressurgir como raça.
Os membros da Irmandade olharam fixo para ela. E, um por um, aproximaram-se da cama e juraram sua lealdade no antigo idioma, segurando sua mão e beijando-a na parte interna do punho. Sua solene reverência a abalou e a comoveu.
O Espírito Ancestral tinha razão, pensou. Eles eram seu povo. Como podia não liderá-los?
Quando os guerreiros terminaram seus juramentos, olhou para Mingi.
– Conseguiu recolher o corpo do Inquisidor que estava trabalhando com Wooyoung?
Mingi franziu o semblante.
– Ele não estava lá. Averiguei toda a situação no celeiro e só haviam os corpos dos seus subordinados por lá.
Jimin balançou a cabeça.
– Ele estava lá, a serviço do seu comandante.
– Tem certeza de que morreu?
– Estava caido no chão com um golpe na cabeça – de repente, Jimin sentiu a agitação de Minjeong e apertou sua mão. – Já basta, falaremos disso mais tarde.
– Não, tudo bem... – começou ela.
– Mais tarde – beijou-a nas costas da mão e acariciou-lhe a face. Olhando-a nos olhos, tentou tranquilizá-la, odiando o mundo para o qual a trouxera.
Ela sorriu e Jimin a puxou para si, dando-lhe um beijo rápido e depois voltou a olhar para os guerreiros.
– Deixem-nos a sós. Quero ficar sozinha com a minha companheira.
À medida que os membros da Irmandade se encaminhavam para a saída, iam rindo com cumplicidade. Como se soubessem exatamente o que ela tinha em mente.
Jimin teve dificuldade para se sentar na cama, tentando apoiar o peso da parte superior do corpo sobre os quadris.
Minjeong a observou, negando-se a ajudá-la.
Quando conseguiu uma postura estável, esfregou as mãos de expectativa. Já podia sentir a pele dela.
– Jimin... – disse Minjeongcomo advertência ao vê-la toda sorridente para ela.
– Venha aqui, meu amor. Trato é trato.
Ainda que só conseguisse abraçá-la, precisava tê-la em seus braços.
\[...]
Mark Lee abriu os olhos e viu uma fileira de desfocadas linhas verticais. Grades? Não, pernas de uma cadeira.
Estava estendido sobre um piso de madeira rústico. Deitado de bruços. Debaixo de uma mesa.
Levantou o queixo, sua vista ficou borrada de novo. Meu Deus, a minha cabeça dói como se houvesse sido partida ao meio...
De repente, lembrou-se de tudo. A luta com Karina Yu. O golpe que a companheira dela lhe dera com alguma coisa pesada. O momento em que desabara.
Enquanto a lider da raça lupina lutava para se manter viva, tentando estancar o sangue dos ferimentos causados pela espingarda, e a companheira estava concentrada nela, Mark havia escapado se arrastando até sua minivan. Afastara-se ainda mais da cidade, dirigira para as montanhas dos confins de Seul. Por milagre, encontrara uma cabana e, com muita dificuldade, conseguira abri-la e entrar nela antes de desmaiar.
Ignorava quanto tempo ficara inconsciente.
Os vãos na parede de troncos filtravam os primeiros raios do amanhecer. Era a manhã seguinte? Não estava muito convencido disso. Tinha a sensação de que vários dias haviam transcorrido.
Movendo os braços com muito cuidado, tocou a parte traseira da cabeça. A ferida estava aberta, mas começava a cicatrizar.
Com um tremendo esforço, conseguiu se levantar e apoiar-se na mesa. De fato, sentia-se um pouco melhor com a cabeça erguida.
Tinha tido sorte. Os Inquisidores podiam ficar permanentemente incapacitados por um golpe forte ou uma ferida de bala. Não mortos, mas arruinados. Ao longo das décadas, encontrara muitos outros membros da Sociedade inutilizados, escondendo- se, apodrecendo, incapazes de se curar para voltar a lutar, e muito fracos para esfaquearem a si próprios e cair no esquecimento.
Olhou as mãos. Estavam manchadas com o sangue seco de Karina Yu e o pó do celeiro.
Não se arrependia de ter fugido de lá. Em determinadas ocasiões, o melhor movimento que pode fazer um líder é abandonar a batalha. Quando as baixas são muito numerosas, e a derrota praticamente certa, a manobra mais inteligente é a retirada, para lutar outro dia.
Mark deixou pender os braços. Precisaria de mais tempo para se recuperar, mas tinha de encontrar uma forma de sair dali o mais breve possível. Os informantes da Sociedade Inquisidora eram eficazes. Em particular, aqueles que trabalhavam para Lee Taeyong.
A porta da cabana se abriu de repente. Ergueu a vista se perguntando como se defenderia, antes de se dar conta que pela distância da cidade não podia ser um lupino.
O que ocupava a soleira fez com que seu sangue congelasse nas veias.
Lee Taeyong.
— O que você vai me dizer hoje, Mark Lee? Perguntou ele, calmamente. — Qual desculpa vai me dar pelo seu erro?
Mark considerou sua situação com um olhar estarrecido, ciente de que era apenas uma questão de tempo até que aquilo acontecesse. Por que aquele homem havia sido aceito na Sociedade Inquisidora ainda lhe era um mistério. Logo alguém como ele a frente da guerra contra os lupinos... Infelizmente as respostas que procurava jamais lhe seriam dadas, porque a pressão apavorante que emanava dele deixava claro suas reais intenções.
— Meu senhor, eu posso...
— Não, você não precisa me dizer mais nada – disse ele, com um sorriso. Quando a porta se fechou, o corpo do Mark estremeceu. – Vim dar uma resolução a nossa história. De uma vez por todas.
A presença daquela aberração era mais do que uma simples sentença de morte.
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