Capítulo Único: Moon by moon
As luas cheias nunca mais foram as mesmas depois que Remus perdeu todos os amigos. A última ser na véspera de seu aniversário não a tornou melhor, muito pelo contrário. Foi com certeza uma das piores.
No dia de seu vigésimo segundo aniversário, Remus acordou sentindo-se péssimo, com muita dor e terrivelmente solitário. O sol mal começava a nascer e suas lágrimas já rolavam pelo rosto, o corpo ainda estirado ao chão terroso e úmido, sangrando pelos arranhões que ardiam em contato com a água da chuva que caía sobre ele no momento.
Com um longo gemido dolorido, ele apoiou-se sobre as mãos e tentou erguer o corpo. Um alto grunhido deixou sua garganta com a dor que se alastrou pelo corpo e logo estava escorregando de volta ao chão. Xingou-se imediatamente e tornou a tentar, caindo com um grito frustrado.
Remus havia voltado a odiar luas cheias.
Arrastou-se dolorosamente até uma árvore próxima, a qual já se encontrava com as marcas de suas garras. Usou-a como apoio para segurar-se firmemente e conseguir enfim ficar de pé. Respirou fundo e soluçou, apoiando a testa contra a madeira por longos minutos. Os pequenos flashes daquela noite mostravam o quanto ele estava ainda mais agitado e imprevisível, percepção constante desde a primeira lua cheia após a prisão de Sirius e a morte de James, Lily e Peter.
Era óbvia a falta que sentia de ter Prongs, Padfoot e Wormtail naqueles momentos.
Ele se odiava por sentir falta de Padfoot. De Sirius.
Infelizmente, era inevitável não pensar em Sirius em toda manhã, sobretudo seguinte as luas cheias. Ele nunca conseguiria parar de pensar com duas lembranças constantes dele convivendo consigo e dependendo totalmente dele.
Foi ao pensar neles que Remus encontrou forças para mancar em busca da trilha que levava de volta para a cidade. Com sua varinha ainda no bolso da calça em farrapos, ele conseguiu conjurar um Feitiço de Desilusão enquanto adentrava o vilarejo e seguia para sua casa o mais rápido que suas feridas permitissem, sem mais forças para arriscar aparatar.
Como virou rotina nos últimos meses, a primeira coisa que fez foi afundar na banheira e limpar todos os arranhões, manchando a água cristalina de vermelho em poucos instantes. Vestiu qualquer roupa confortável e partiu para a cozinha, preparando duas mamadeiras de leite quente.
Quando ouviu batidas na porta, atendeu o mais rápido possível.
— Bom dia, Sra. Figg — cumprimentou a senhora à sua porta que segurava um guarda-chuva. Dois garotinhos minúsculo vestidos em capas de chuva vermelhas estavam de pé ao seu lado com rostinhos sonolentos, os quais logo abraçaram as pernas de Lupin.
— Bom dia, Lupin. Turno difícil hoje?
— Turnos da noite são sempre difíceis — disse e forçou um sorriso. — Eles deram muito trabalho?
— Apenas demoraram a dormir, não paravam de chorar.
— Sinto muito pelo incômodo — desculpou-se. — Obrigado mais uma vez por cuidar deles.
— Não precisa agradecer, é sempre um prazer. Tenha um bom dia e descanse, sim?
— A senhora também.
Remus trouxe as crianças para dentro e fechou a porta, trancando-a com magia. Ouviu dois espirros simultâneos dos garotinhos e ajoelhou-se com dificuldade, rapidamente removendo as capas molhadas.
— O inverno está indo embora, mas o frio insiste em continuar — murmurou.
Os dois garotos idênticos estavam com os narizes e bochechas avermelhados, os olhinhos acinzentados caídos de sono um tanto escondidos pelos cabelos caindo pelo rosto.
Secou os dois levemente molhados com rapidez acenando a varinha, antes de trazê-los para seus braços. Apesar da dor latente, ele não soltou-os e continuou a abraçá-los, beijando suas testas.
— Estão com sono? — perguntou.
Os bocejos foram resposta o bastante, apesar de ambos balançarem a cabeça negativamente.
— Bincar — disseram.
— Vamos brincar mais tarde, está bem? Vocês precisam descansar, e o Tio Moony também.
Remus levantou-se apoiando-se na parede e segurou as mãos deles, guiando-os com cuidado pela escada enquanto mancava. Levou-os para o seu quarto e deixou-os sentados na cama após recolher os vários panos e ataduras sujos de sangue e jogar no lixo.
Desceu para a cozinha e terminou de preparar um chocolate quente para si, retornando para o quarto com a xícara e as duas mamadeiras. Porém, os dois garotos não estavam onde ele os deixou.
Respirou fundo e seguiu para o quarto do outro lado do corredor, o qual tinha sua porta entreaberta, já sabendo que os encontraria lá. Como imaginou, lá estavam eles parados ao lado da cama de Sirius.
— Papai? — o mais velho dos gêmeos chamou, o tom quase interrogativo.
Remus fechou os olhos e comprimiu os lábios. Quatro meses haviam se passado, mas a dor de ver os meninos à procura de Sirius pela casa com a esperança de seu retorno ainda era a mesma. Eles ainda eram muito pequenos para entender que ele nunca mais voltaria.
— Papa — o outro disse, e Remus sentiu os puxões em sua roupa. Tornou a abrir os olhos e suspirou ao ver o garoto apontando para a cama para onde sempre corriam para ver o pai de manhã quando Lupin os tirava do berço pela manhã sempre que ele retornava de alguma missão exausto pela noite e dormia demais.
— Papai ainda está longe, Therry — disse com pesar e acariciou os cabelos dele, pegando sua mão. — Canis, vem. — Estendeu a mão o garoto que ainda olhava ao redor do quarto.
Canis sentou-se no chão e começou a chorar.
Lupin precisou respirar fundo para conter sua vontade de fazer o mesmo antes de se aproximar. Mal deu dois passos, o irmão também começou a chorar, e ele voltou-se para o outro garoto com um nó na garganta. Transitou o olhar entre ambos, o choro deles adentrando os ouvidos sensíveis, a dor clara de falta que sentiam do pai sendo compartilhada por ele próprio, somando-se a dor física.
Sufocou um grito de dor ao abaixar-se para pegar Therion no colo. Quando ergueu-se novamente, suas pernas falharam, mas ele conseguiu apoiar-se na cama enquanto apertava o bebê de apenas dois anos em um braço com força para que não caísse e se machucasse e tinha um dos joelhos no chão.
Porra…, xingou mentalmente, mordendo o lábio inferior com força.
As luzes que estavam apagadas acenderam e piscaram. Remus alcançou a varinha no bolso e agitou para apagá-las, franzindo o cenho. Olhou para Canis, que ainda gritava e chorava alto.
Ele não parava de chamar pelo pai junto do irmão.
A dor impediu Remus de ficar totalmente de pé, então aproximou-se ainda de joelhos e apertando o outro garoto contra si enquanto apoiava-se na cama. Ele estendeu uma mão na direção dele, mas sentiu uma força o repelindo. Fraca, mas que ainda parecia magia.
Olhando mais atentamente, ele conseguiu perceber um reflexo levemente azulado de escudo, muito fraco e frágil, mas reconhecível. Era o que a magia de um bruxo tão pequeno podia fazer, mas ainda admirável pois poucos demonstravam algo de tamanho nível tão cedo. Não era a primeira vez que demonstrava isso, e sabia que não seria a última.
— Canis — Remus chamou.
— Papa! Papai! — ele continuou chamando e chorando.
Remus sentou-se no chão não conseguindo mais conter as lágrimas, mas ainda se mantendo firme.
— Papa, Tio Moony… — Therion choramingou.
— Eu sei, Therry… Mas papai ainda continuará longe por bastante tempo — falou. — Eu estou aqui.
Aconchegou o garoto e olhou para o irmão, preocupado. Conseguiria penetrar aquele escudo tão frágil, mas não achou ser a melhor alternativa. Os dois estavam tão frágeis quanto ele, ele próprio estava.
— Canis, olhe para mim — pediu. — Hey! Olha para o Tio Moony.
Canis olhou para ele, os olhinhos transbordando de lágrimas. Ele estendeu a mão para o garoto, sem tocar o escudo.
— Também sinto muita falta dele — admitiu. — Mas estamos aqui juntos, okay? Vem aqui.
Ele continuou a chorar onde estava.
— Papai não está aqui, mas eu estou — prosseguiu, com a voz um pouco falha. — Estou aqui com você e o Therry. Está tudo bem, não precisa ter medo porque ele está longe. Eu estou aqui.
Remus percebeu o reflexo sumir gradativamente. Ele sorriu fraco e então esticou mais o braço até ver a mãozinha do bebê segurar a sua, então Canis ficou de pé e foi para seus braços.
Lupin aconchegou ambos em seu colo e os abraçou com força, escorando-se na cama atrás de si e ignorando toda a dor em seu corpo, pois ela não poderia se comparar à que sentia em seu coração. Acariciou os cabelos escuros dos garotos, balançando-se devagar para acalmá-los enquanto deixava-se chorar livremente.
— Estou aqui — sussurrou para eles. — Estou aqui, minhas estrelas.
***
Mesmo após descansar pela manhã e cochilar com os dois bebês abraçados a si após o almoço, Remus ainda sentia-se exausto pela lua cheia. Infelizmente, não se poderia dizer o mesmo de Canopus e Therion.
Apesar da dor, Lupin ainda brincou com eles na sala de estar enquanto a chuva ainda caía do lado de fora da casa. Isso ajudava a distraí-los da falta de Sirius ali. Ver aqueles sorrisos nos rostos deles compensava toda e qualquer dor para ele.
Os dois não paravam de conversar entre si, e Remus começou a falar com eles em irlandês, como Sirius costumava fazer em francês às vezes para facilitar o aprendizado. Era já algo certo entre eles que os dois aprenderiam francês e irlandês, esse último ficando a cargo de Lupin, o único fluente, para falar com eles no idioma exatamente como a mãe fazia com eles antes de sua morte. Eles demonstravam estar aprendendo algumas coisas.
Remus não pretendia fazer nada para comemorar seu aniversário. Não via sentido em comemorar sem os amigos por perto. Porém, pela tarde, enquanto os meninos estavam ocupados brincando com blocos de montar, ele recebeu cartas e presentes do pai e das duas únicas amigas próximas ainda vivas e mentalmente sãs, à medida do possível.
Hadria enviara apenas uma carta desejando-lhe um feliz aniversário.
“[...]Desculpa por não ter um presente, nem sei de onde estou tirando forças para escrever essa carta. Não está sendo fácil, imagino que para você também. Espero que sua lua cheia tenha sido melhor.
Novamente, um feliz aniversário. Fique bem. E espero que os gêmeos estejam ajudando a alegrar seu dia.
Da sua amiga,
Hadria M.
(Nem sei se tenho sequer o direito de ainda usar meu sobrenome. Certamente não.)”
Remus suspirou ao ler. Não foi o único a ter uma noite complicada. Todos estavam sofrendo com os próprios demônios da guerra.
Mary enviou uma caixinha de música junto a carta, o que arrancou um pequeno sorriso de Lupin ao ouvir o som calmo que saía dela. Os gêmeos pareceram gostar, pois logo voltaram sua atenção para ela.
“[...]Pensei que a música talvez ajudasse a passar por esses meses difíceis. Acho que os garotos provavelmente vão gostar também, é ótima para relaxar. Espero que goste.
Feliz aniversário, Remmy.
Da sua amiga que te adora,
Mary Macdonald”
A música era realmente relaxante.
Lyall enviou-lhe um livro, como fazia na maioria das vezes. Era um livro francês. Ele sabia que Remus gostava, então mesmo que nunca mais tenham se falado desde sua formatura, ainda lhe enviava o presente.
Ler a carta dele foi certamente a mais difícil. Remus não via o pai há quase quatro anos. Lyall ainda tentou saber como ele estava no início, mas ele raramente respondia. Quando o fazia, era curto e breve dizendo estar bem, pois não queria preocupá-lo. Saiu de casa justamente para não ser mais um fardo para ele.
Não recebia mais cartas com frequência, mas Lyall nunca deixava de enviar uma em seu aniversário com um presente.
Querido filho,
Feliz aniversário!
Este dia chegou novamente. Ainda me lembro de como você sempre acordava ansioso para preparar um bolo com sua mãe para seu aniversário.
Imagino que não seja um dia fácil depois de tudo. Foi impossível não pensar em você essa noite e não me preocupar. Por mais que você não queira, nunca conseguirá impedir que eu me preocupe com seu bem estar todos os dias, sobretudo após as luas cheias. Tudo o que mais desejo é que fique bem e seguro, onde quer que esteja.
Espero que tenha um bom dia e que se recupere bem dessa última noite. Não se esqueça da pomada de pó de prata para os arranhões e de descansar muito durante a semana, por favor.
Novamente, gostaria de afirmar, por mais que você não acredite e deteste que eu diga: Você sempre será tudo para mim, assim como foi para sua mãe, e nada mudará isso. Nós dois o amamos como você é, incondicionalmente.
Já lhe disse e repito: saiba que sempre haverá um lugar para você nesta casa e ainda estarei aqui no dia que desejar voltar, mesmo que seja por pouco tempo. Quando precisar, poderá contar comigo para qualquer ajuda. Fazer o bem por você nunca será um fardo.
Encontrei esse livro recentemente numa das prateleiras, era um dos favoritos da sua mãe. Espero que goste.
Tenha um feliz aniversário, filho.
Com amor,
do seu pai,
Lyall Lupin.
Remus já estava novamente desabando em lágrimas ao terminar de ler a carta do pai. Seria uma enorme mentira dizer que não sentia falta dele, mas por mais que ele dissesse, nunca conseguiria parar de acreditar que estar presente na vida de Lyall apenas o atrapalharia. Lyall já fez demais por ele por quatorze anos.
Seu pai estaria muito melhor sem ele.
Não via razão alguma para ter um aniversário feliz. Havia perdido quase tudo o que mais amava. Todos estavam tentando seguir suas vidas com seus pedaços quebrados depois da guerra, mas ele mal podia encontrava motivos para continuar a seguir em frente.
Remus não tinha mais nada.
Mais nada além de Canopus e Therion. Aqueles garotos eram tudo que ele tinha. E ele eram tudo que eles tinham.
Remus ergueu o rosto da carta e percebeu os gêmeos parados à sua frente sentadinhos no chão, os olhos azuis-acinzentados brilhando enquanto expressavam confusão inclinando levemente a cabeça, sem entender o que acontecia.
Therion ficou de pé e caminhou até ele, segurando a caixinha de música que ele não percebeu quando o menino a pegou. Ele estendeu para si o objeto.
Lupin sorriu fraco e pegou-o. Girou a manivela para que a música começasse a tocar mais uma vez e viu Canopus também se aproximar.
— Ceol — Therion murmurou apontando para a caixinha e depois na direção do piano. Música, em irlandês.
— Muito bem, Therry. Seo ceol freisin — disse e secou suas lágrimas.
Quando a música parou, Canis esticou as mãozinhas para pegar a caixinha. Ele a agitou e grunhiu frustrado, o que arrancou uma risada sincera de Remus.
Lupin deixou os garotos sentados entre suas pernas e ajudou Canis a segurar a manivela, ensinando-o como girar para tocar a música mais uma vez, então deixando-o tentar sozinho. Therion logo quis tentar também, e Remus apenas observou-os.
— Papa. Ceol — Canis disse dessa vez.
— Sim, Canis. Papai também fazia música — falou, continuando a usar o idioma nativo da mãe deles. — Vamos ouvir outra música.
Com dificuldade, Remus ficou de pé e pegou um de seus discos do David Bowie, colocando para tocar na vitrola. Secou definitivamente as lágrimas no rosto com a manga de seu suéter.
Não tinha mais tantos motivos para seguir ou ter um aniversário feliz, mas aqueles garotos com certeza eram o maior deles.
E pensando em distraí-los para que não pensassem muito em Sirius, ele decidiu seguir uma de suas antigas tradições com sua mãe e seguiu com eles para a cozinha, onde fizeram juntos um bolo pequeno, com ingredientes saudáveis para que pudessem comer também.
No fim, acabou em uma grande bagunça e Remus precisou dar um banho neles para tirar toda a farinha, momento que, obviamente, eles transformaram em mais bagunça com muito sabão e espuma para todo lado.
Após o jantar, sozinho com os garotos em seus braços enquanto Starman ecoava da vitrola, Remus encarou as velas com a forma do número 22 sobre o bolo na mesa.
— Parabéns para mim — disse e olhou para os garotos. — Vamos apagar juntos?
Os garotos começaram a bater palmas, e Remus sorriu. Apenas eles conseguiam fazê-lo sorrir genuinamente nos últimos meses.
Nenhum deles havia superado totalmente suas perdas. Mesmo sem entender, os meninos ainda conseguiam sentir talvez tanto quanto Remus. E ele entendia algo que seu pai disse na carta.
Ele amava aqueles garotos, incondicional, e eles eram tudo para ele. Nunca deixaria de se preocupar com eles e seu futuro. E foi pensando nisso que Lupin tomou a decisão que tanto hesitação em tomar.
Canopus e Therion são o que faziam-no feliz e sua motivação para seguir em frente, mas nunca poderiam enquanto permanecessem no mesmo lugar onde conviveram com aquele que atormentava suas dolorosas lembranças e fazia tanta falta.
Eles precisavam continuar. E Remus continuaria, persistindo firme e forte, aguentando todas as dores. Por suas estrelas, ele ainda estava ali e continuaria.
Por suas estrelas, Remus enfrentaria cada lua cheia.
— Um… Dois… Três!
E então, juntos, eles sopraram as velas.
O futuro daquele ano era totalmente incerto, mas eles conseguiriam persistir, de algum jeito. Eles seguiriam em frente para superar a tragédia que os destruiu para reconstruir um novo caminho, juntos, em família.
Lua por lua.
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