Capítulo 02
Montserrat quis acreditar que o pedido absurdo que ouvira de Sandra fosse uma brincadeira de muito mal gosto ou que ela estivesse tão abalada com a perda do filho que não tinha consciência da loucura que estava dizendo.
— Sandra, eu...
— Você já tem um filho, Montserrat, eu não tenho nenhum e, aparentemente nunca terei. Você pode ser a única pessoa a realizar esse sonho.
— Mira, Sandra, vou considerar que você esteja muito mal e não tenha ideia do que está dizendo, sim? Porque sei que em juízo saudável você jamais me pediria algo do tipo.
Sandra ficou em silêncio.
— Bom, vou indo. Ainda tenho muito que resolver na empresa, você sabe.
Montserrat se aproximou da amiga e se despediu com um beijo na testa.
— Fique bem!
Mon deixou o quarto e caminhou até a sala de espera.
— Como ela está? — Ricardo levantou-se.
— Como imaginas. Eu te sugiro que entre e a faça companhia, ela necessita. Se não for pedir muito, seja compreensivo, sim? Ela não necessita de ninguém a julgando ou dizendo que a culpa é dela. Sandra necessita de apoio.
— Foi isso que ela te disse?
— Não, é isso que estou dizendo. Sei o quanto deseja ser pai e isso faz com que Sandra perca as estribeiras quando pensa em maternidade. Ela tem um acompanhamento médico, já fez tratamento, mesmo assim, nada resulta. De verdade, é necessário que ela arrisque mais a sua saúde nessa tentativa inútil?
— Mon...
— Eu já sei que isso não é da minha conta, mas se trata da minha amiga e vê-la toda vez em um leito hospitalar por uma gravidez que não pôde ser, de verdade, é muito para mim; também deveria ser muito para vocês. Ela não pode ter filhos, aceite isso!
Montserrat sabia que o mais indicado era não se envolver em assuntos de casal, mas o pedido de Sandra a deixou alarmada e disparar verdades na cara de Ricardo terminou sendo inevitável.
Quando Montserrat deixou o hospital, Ricardo tomou um café e todo o fôlego que necessitava para visitar a Sandra. Admitia que a amiga tinha sua razão, Sandra não era culpada por não poder o regalar os filhos que tanto o apetecia, porém, por mais que tentasse, não conseguia a ver de uma maneira distinta e, quando as chances se tornavam cada vez mais difíceis, ele a desamava.
— Ricardo, que bom que está aqui, meu amor. Pensei que já havia ido e me deixado.
A possibilidade mencionada por ela era genuína. Nos últimos cinco abortos que sofreu, somente no primeiro Ricardo se fez presente e, se daquela vez estava ali, era pelo pedido de Montserrat.
— Vim te ver. — Cerrou a porta e acercou-se a ela. — Quero saber como está.
Os olhos dela marejaram.
— Muito mal. Eu somente queria cumprir o nosso sonho, meu amor, mas outra vez não pude e sinto que te defraudo a cada dia, porque sei o quanto coloca expectativa a cada gravidez, mas...
— Sandra, não chora, sim? Não deu. Temos que aceitar. — Para ser sincero, há muito ele já não colocava expectativas quando sabia que a gestação não iria durar mais que quatro meses.
— Mas, meu amor, nós...
— Sandra, já! — Ele foi rude.
Ela chorou em silêncio.
— Vou buscar o doutor e perguntar quando você pode ir para a casa.
Ele saiu do quarto, e ela rompeu em lágrimas. Além de ter que aceitar a fatídica ideia de não poder ser mãe, também tinha que aceitar que o seu matrimônio estava por um fio.
**
— Meu amor, por que você não foi para a agência? Passei todo o dia te esperando.
Quando Aaron chegou em casa no fim do dia, ele correu até a esposa, preocupado com o seu estado. Encontrar a Montserrat acostada na cama às seis da tarde era algo bastante incomum.
— Sente algo? — Sentou-se perto dela.
— Não, tranquilo, meu amor. Estou bem. Somente estou cansada e muito triste com o que sucedeu aos nossos amigos. Eles não merecem isso, de verdade.
— Eu sei, meu amor, mas o que podemos fazer, verdade? Há coisas que simplesmente não se pode fazer nada.
Aquela era uma infeliz verdade que Montserrat lamentava por existir. Nada que fizesse poderia mudar a triste realidade que a amiga vivia e muito menos dar um basta em seu sofrimento, mas ao menos decidiu tentar amenizá-lo.
— Sabe, Aaron, eu estive pensando.
— O quê?
— Creio que devemos cancelar o chá de bebê que iremos fazer. Sandra está muito abalada e não sei se a fará bem-estar em um lugar onde o tema seja precisamente a razão da sua tristeza.
— A ver, Montserrat, irá deixar de organizar algo a nossa filha por causa da sua amiga? — Esteve claro o quanto ele achou a ideia um absurdo.
— Meu amor, é o mínimo que posso fazer por ela. Sabe perfeitamente que essas coisas são sempre organizadas por ela e que ela também será madrinha de Estrella.
— Sei e entendo sua boa intenção, Montserrat, o que não aceito é deixemos de viver a nossa vida por um problema alheio.
Mon cerrou os olhos com impaciência.
— Não se trata de um problema alheio, se trata da minha melhor amiga que sempre há dado muitíssimo de si quando se refere a nossa família, ou minto, senhor Aaron?
— Não, não mente, mas ainda estou em desacordo que nossos filhos sofram por algo que eles não têm nada a ver. Hoje é um chá de bebê, amanhã é o que? A festa de aniversário de Nicolas?
— Claro que não. Eu somente não quero fazer algo do tipo amanhã quando hoje Sandra perdeu o seu filho. Eu somente a quero poupar. Irei falar com minhas amigas e fazemos algo mais sutil e pequeno sem a presença de Sandra. O que me diz?
— Eu ainda não estou de acordo. Sim, estimo muito a Ricardo e Sandra, mas não creio que para isso temos que sacrificar certas coisas em nossa vida.
Mon ficou em silêncio.
— Mas irei te apoiar. Se quer fazer assim, tudo bem, mas não deixe a nossa família de um lado, sim?
— Claro que não, meu amor. Jamais. Nossa família sempre virá em primeiro, mas Sandra é como minha irmã e não consigo estar bem quando ela está mal — asseverou.
— Você está certa. Eles estão passando por um momento de dificuldade e temos que ajudá-los de alguma maneira.
— Sim, mas como?
Ele deu de ombros.
— Não sei. Há que ter uma maneira — asseverou.
Montserrat respirou fundo ponderando as palavras do marido. Desafortunadamente não tinha as chaves para cerrar de uma vez o sofrimento dos amigos, mas talvez ainda pudesse fazer algo. Pensando nisso, ela agarrou o celular e enviou uma mensagem para Ricardo. Queria vê-lo o mais breve possível.
— Obrigada por disponibilizar um segundo do seu tempo, imagino que esteja se encarregando de Sandra. — O que dissera não se tratava de uma certeza, e sim de uma dúvida.
Ricardo acendeu o cigarro enquanto mirava as pessoas que circulavam no parque.
— Sim, ela sai hoje do hospital.
— Que bom! Ir para casa irá a fazer bem.
— Talvez. — Tragou o cigarro e soltou a fumaça.
— Bom, oxalá que faça. A razão de eu haver te solicitado aqui é precisamente sobre o bem-estar de Sandra, eu estava pensando que todas essas tentativas de gravidez devem ser muito prejudiciais à saúde dela.
— O que quer que eu faça, Montserrat? É o nosso sonho e não queremos desistir dele. — Ele falou com indiferença.
— Eu sei. Não estou sugerindo que vocês desistam de ter filhos, mas creio que seja hora de buscar outros métodos, como a adoção.
Ricardo riu.
— Está falando sério?
— Sim, esse é um gesto muito bonito, ademais, há tantas crianças desafortunadas no mundo que necessitam de uma família, de amor, proteção, carinho.
— Claro que não, Montserrat, o processo de adoção é muito complicado, ademais, eu não irei meter na minha família gente que não nunca vi antes!
Desafortunadamente Ricardo era um homem bastante inflexível e egoísta.
Mon indignou-se.
— Por favor, Ricardo, não seja frívolo! — Deixou de caminhar e parou diante do rapaz, que revirou os olhos e cruzou os braços. — Esse é o gesto mais lindo que existe no mundo.
— Ah, é? E por que você não fez? Claro. Você pode ter filhos e esse gesto não te incumbe, verdade?
— Cla...
— Mas vou te dizer algo, Montserrat, enquanto você tem filhos próprios, essas crianças que menciona seguem sem um lar. Se você realmente achasse esse gesto tão belo, você teria ido ao primeiro orfanato e adotado uma criança, mas, pessoas como você, acreditam que aquelas crianças só devem ser adotadas por pessoas tão infelizes quanto elas. — Alterou-se.
— Claro que não! O que te passa? — Irritou-se.
— É a verdade!
— Não, não é a verdade. Não adotei porque não tive o desejo, mas poderia ter feito caso tivesse vontade, Ricardo. Como isso não se equivoque.
— Ok, mas isso não significa que Sandra e eu tenhamos que adotar, porque também não é o nosso desejo. — Ele quis utilizar a mesma justificativa dela para demonstrar que entre eles não haviam diferenças.
Montserrat balançou a cabeça negativamente e deu-se por vencida.
— Tudo bem, Ricardo, eu já não irei insistir nesse assunto. Sei que não tenho direito de me envolver na vida de vocês, mas sinceramente quis ajudar.
— Aprecio a sua ajuda, Montserrat, mas se adoção fosse uma opção, já teria recorrido a ela.
— Sim, tem toda a razão. Perdão.
Não era válido seguir insistindo naquele tema quando Ricardo tinha a sua opinião muito bem construída e, infelizmente, Sandra deveria compartir do mesmo pensar.
**
Ricardo abriu a porta para a entrada da esposa, que adentrou a residência de cabeça baixa. Se mirasse atentamente para cada canto daquela morada, se recordaria desde os momentos felizes com o marido até os seis abortos que havia protagonizado. Aquela casa um dia foi o ambiente de um casal completamente enamorado e feliz. Se lembrava das noites de puro amor e candência, das manhãs de risadas e alegrias e também dos muitos sonhos que tinham por cumprir, mas nos últimos anos os planos que tinham na maleta pareceu ser perder e os momentos felizes eram apenas uma recordação.
— Vou para o quarto. Estou cansada! — disse Sandra, com um nó na garganta. Há muito estava repreendendo as lágrimas que teimavam em sair. Odiava chorar na frente do esposo.
Ricardo assentiu com a cabeça e pôs as maletas no canto da parede.
— Quer que eu te leve algo?
— Não, não é necessário. Vou ficar bem.
Sandra subiu as escadas lentamente e caminhou pelo corredor com a intenção de adentrar o seu quarto e quitar as lágrimas que inundavam o seu peito. Depois disso se sentiria exausta e cairia em um profundo sono, onde além de descansar, esqueceria por um momento de sua triste realidade. No entanto, algo a motivou dar um passo atrás e ir visitar o espaço que jamais seria o cenário do seu grande sonho.
Sandra abriu a porta do quarto e os seus olhos puderam ver com perfeição o ambiente que, como ela, há muito aguardava pela chegada de um bebê. Viu as paredes brancas e o berço da mesma cor. Viu os móveis, os brinquedos, as roupas e até os regalos embalados que Montserrat havia enviado. Era aquilo. Aquele era o seu mundo tão desejado. O seu sonho sem cumprir. O templo do seu pranto. Era ali que chorava cada vez que era abatida pela melancolia e se sentia demasiado sozinha. Era ali que rogava aos céus por piedade e suplicava por um filho. Era ali que poderia morrer se não fosse mãe.
Em lágrimas, Sandra contemplou cada canto daquela habitação e o seu pranto somente se fez mais intenso. Parada no centro do quarto, ela agarrou um urso de pelúcia e chorou copiosamente.
No final da noite, Sandra estava recostada na cama quando Ricardo adentrou com uma bandeja nas mãos.
— Te preparei uma sopa.
— Não era necessário. Eu não estou com fome. — Pôs o livro sobre a mesinha ao lado.
— Tem que comer, meu amor. — Caminhou até a ela e pôs a bandeja no colo da esposa. — Tem que ficar forte para seguirmos na tentativa.
— Sei, mas às vezes, creio que...
— Depois conversamos, sim? Agora tenho que ver a partida de futebol! — A beijou no topo da cabeça e afastou-se.
— Espera!
Ele parou a centímetros da porta.
— Está enojado, verdade? Está enojado pelo que sucedeu novamente, por minha falha como mulher. — A voz de Sandra falhou ao engolir o pranto.
— Estou enojado com a situação.
Ricardo colocou a mão na maçaneta da porta e mencionou em sair.
— E comigo?
Ele suspirou impaciente.
— Você não tem a culpa de ter um problema.
As lágrimas invadiram o rosto de Sandra.
— Vou assistir à partida!
Ricardo saiu do quarto e bateu a porta.
Sandra caiu em prantos e derrubou a bandeja no chão. A boca do marido alegava algo, mas as suas atitudes eram completamente distintas quando o afastamento estava cada dia mais vivo entre os dois.
Apesar dos maus momentos, os dias foram ágeis em sua transição. Oito dias se passaram, e Sandra já ansiava pela liberação médica para voltar a tentativa pela maternidade.
Montserrat, apesar de não coincidir com a amiga, elegeu não voltar a se involucrar naquele tema, o melhor que poderia fazer era pedir a Deus que nada de ruim sucedesse aquela mulher e evitar o máximo exibir os seus festejos para a amiga.
Para isso, reuniu um pequeno grupo amistoso em sua casa para o chá de sua filha. A sala de estar estava decorada, as guloseimas sobre a mesa e as mulheres reproduziam jogos típicos daquela ocasião. Era certo que Sandra iria fazer falta, afinal, ninguém se doava tanto naqueles momentos quanto ela, mas Montserrat estava segura de que a manter distante era a melhor opção.
— E Sandra por que não veio? — questionou uma amiga.
— Bom, acreditei ser melhor não a invitar!
— Por quê?
— Por seu problema, vocês já sabem! — lamentou.
— Ah, imagino. Deve ser terrível ser casada com um tipo tão guapo quanto Ricardo e não poder cumprir o seu sonho de ser pai, ou seja, é uma surpresa que ele ainda siga com ela.
Mon não teve forças para repreender aquele comentário quando pressentia que, cedo ou tarde, Ricardo iria se desfazer daquela relação.
— Por favor, meninas, peço muita discrição com essas fotografias porquê...
Ela calou-se quando viu Sandra adentrar a casa e a encarar com indignação.
— Por quê, Montserrat? Para que a sua amiga infértil não te inveje?
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro