𝟭𝟵, veronica.
O restante do sábado foi calmo, em compensação a manhã quente que eu tive. Olivia passou o dia e a noite aqui – dizendo que não podia arriscar que eu me entregasse para a minha mãe no dia seguinte, como se eu fosse burra o suficiente para fazer isso –, já que seus pais já haviam voltado para casa.
Agora são onze e quarenta da manhã de domingo, minha mãe já havia me dito mais cedo que chegaria antes das cinco, ou seja, ela pode chegar a qualquer momento.
─ Vocês dois são malucos. ─ ouço Liv murmurar enquanto mergulhava seu garfo na macarronada que eu fiz.
─ Hum? ─ me faço de sonsa, mesmo que tenha entendido o que ela disse.
─ Vocês dois são malucos! ─ ela repete, mais alto, desta vez. ─ E se a tia Vanessa tivesse chegado ontem e visse vocês numa putaria doida daquela?!
Ela agia mais como minha mãe do que a minha própria mãe.
─ Não tô no clima pra essa conversa, Olivia. ─ digo seriamente, sendo honesta.
Além do fato de que a minha mãe está voltando e eu teria acabar com a minha fantasia louca de transar loucamente com o meu padrasto pelas costas dela – o que já era motivo o suficiente para arruinar o meu dia –, também tinha a questão da última semana de aula. O meu tornozelo já estava bom o suficiente para que eu voltasse a escola, porém, eu duvido que possa fazer o que fazia no treino antes do acidente, o que me deixa ainda mais puta da vida.
Olivia respeitou as minhas palavras e não tocou mais no assunto, voltando a deixar que o silêncio nos consumisse.
Minha mente estava a mil por hora. Aulas perdidas, treinos perdidos, meu caso com o namorado da minha mãe, a culpa que eu carregava por isso. Estava tudo uma bagunça.
─ Olá, família! ─ e para piorar a minha mente em crise, lá estava ela, dona Vanessa em carne, osso e bom humor.
─ Tia! ─ Olivia foi a única a se levantar do sofá para abraçar a minha mãe; eu daria a desculpa do meu tornozelo machucado caso ela me questionasse. ─ Ainda bem que você chegou, eu não aguentava mais o tédio desses dois.
Mas é uma coisinha falsa.
Minha mãe apenas ri, vindo até mim para me dar um beijo na testa e, em seguida, um selinho caloroso em seu namorado.
É o namorado dela, Veronica, isso é completamente normal. Eu repetia essa mesma frase na minha mente a cada segundo, encarando as minhas unhas.
─ Estava preocupada que tivessem destruído a casa sem mim, mas vejo que fizeram um bom trabalho. ─ dou um sorriso forçado em resposta, para não parecer rude. ─ Por que essa cara de enterro? O que aconteceu?
─ É só preocupação pelas provas dessa semana, nada demais. ─ não minto, mas omito parte do motivo. ─ Aliás, eu preciso estudar.
Eu burlaria o meu próprio atestado e voltaria amanhã mesmo para o colégio, não terça, como o descrito.
Olivia subiu comigo até o meu quarto, e eu fiz o que disse que iria fazer. Estudei para espanhol, física e filosofia; parei apenas quando tive certeza que minha mente estava cheia de palavras em espanhol, equações e importantes filósofos do mundo, não tendo espaço para o drama familiar que eu estava vivendo.
─ Eu tenho que ir embora. ─ a voz doce de Olivia me desperta. ─ Olha, Ronnie... Eu não concordo nem um pouco com o que vocês dois fizeram, e provavelmente farão de novo, mas eu nunca te julgaria por isso.
Estreito os olhos de brincadeira.
─ Ok, talvez só um pouquinho. ─ nós rimos. ─ Mas você sabe que você é como uma irmã pra mim e, consequentemente, a sua mãe é como uma segunda mãe. Se não fosse por isso, eu te apoiaria cem por cento a fazer o que o seu coração manda.
─ Relaxa, Liv. ─ a abraço. ─ Não é como se o seu julgamento valesse de alguma coisa, afinal.
Recebo um tapa forte na bunda e dou risada, apesar da dor. Olivia, antes que seu pai se assumisse ser homossexual, acabou dando uns beijos em Charlie – seu atual padrasto que, na época, tinha vinte anos e ela quinze, em um barzinho de esquina. Duvido que seu pai saiba disso.
Olivia negou que eu a levasse até a porta e sumiu em seguida, me deixando sozinha no quarto. Apenas eu e a minha mente atribulada.
Só percebi o que estava fazendo quando senti a textura do lápis entre meus dedos. Eu estava na escrivaninha, segurando um lápis e esboçando linhas sobre uma folha de sulfite. A maioria dos meus desenhos são feitos quando eu estou no meu estado de crise – seja ela existencial, pânico ou o que for – e, sem nenhuma surpresa, eles ficam melhores do que os que eu tanto me dedicava para fazer.
O contorno do vestido tinha uma simetria perfeita, diferente do que a maioria dos meus desenhos. Não houve tempo para me surpreender, já que eu não conseguia parar de mover a mão sobre o papel.
Eu não costumava colorir meus desenhos – além da falta de habilidade e paciência, eu acreditava que isso acabava com a essência deles –, mas dessa vez eu forçava o lápis de cor contra a folha, deixando o desenho um pouco esquisito e marcado pelo grafite grosso.
Não sei quanto tempo demorou para que eu acabasse, mas quando o fiz, levantei da cadeira em um pulo. A saia do vestido era preta, totalmente preta, enquanto a parte de cima era de um azul bebê, com linhas leves de azul marinho. O que quer que aquilo significasse – que eu acreditava ser como a minha cabeça está agora –, não era bom.
─ Ronnie? ─ me viro para trás, assustada. Minha mãe estava parada no pé da minha cama, e não parecia ter chegado ali há pouco tempo. ─ Quer conversar sobre isso?
Eu sabia que ela estava se referindo ao desenho, mas só o tom preocupado em sua voz foi capaz de me desestabilizar por completo.
Como eu pude ser tão egoísta?
─ Você não tem uma crise como essa há meses. ─ ela sussurra, vindo me abraçar. ─ É só respirar, se lembra? Inspirar e expirar.
Ela repete aquelas palavras mais algumas vezes, até que eu estivesse melhor ao ponto de conseguir formular uma frase coerente.
Qualquer esforço e progresso que eu havia atingido se foi quando os meus olhos atingiram a íris castanha de Nathan, escorado no batente de madeira da porta.
Felizmente, minha mãe não notou que fora ele o motivo da volta do meu choro,
apenas me abraçou novamente e repetiu o mesmo processo que havia feito antes.
Percebendo ser o motivo daquilo, Nathan some pelo corredor, me levando a uma conclusão: eu não poderia ficar aqui enquanto ele estivesse.
Pegando apenas o meu celular e a caixinha de calmantes – que eu costumo tomar apenas nessas ocasiões –, eu saí do quarto às pressas, encaixando o tênis esportivo nos pés e andando o mais rápido que o meu tornozelo torcido deixava. Dona Vanessa não me barrou, ela sabia que eu precisava tomar um ar.
Quando eu estava começando a ficar incomodada pelos fortes raios de sol no meu rosto e a dor latejante nos meus pés, eu percebi onde estava. O prédio cobria o sol, permitindo que eu olhasse para cima sem queimar minhas retinas.
O porteiro liberou a minha entrada sem que eu precisasse interfonar. Logo, as dobradiças da porta de madeira branca rangeram e, ao perceber o meu estado, Olivia me abraçou imediatamente.
Estava tudo bem agora.
eu escrevi esse capítulo depois de um início de crise de ansiedade quase igual ao que eu escrevi, mas creio que não escrevi nada que dê gatilho a ninguém (>eu acho<), por isso não botei aviso de gatilho.
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