Capítulo 9
O grupo dos seis mochileiros, liderado por Giovanna, andava apressadamente pela calçada já sem tantas pessoas. Os poucos transeuntes os olhavam com estranhamento, intrigados que rapazes com bermudas ou sungas e garotas só de biquínis caminhassem com mochilas cargueiras e olhassem por sobre seus ombros para trás, como se temessem estarem sendo seguidos.
Aquela era uma impressão real. Os jovens estavam com medo, um medo irracional, aventando a todo momento a possibilidade de que os tais usuários de drogas, que haviam exigido da proprietária do hostel sua saída imediata dos quartos e os forçado a se retirarem da casa só com a roupa do corpo, estivessem em seu encalço.
Giovanna ofegava. Estava com raiva e medo. Raiva porque tinha certeza de que não receberia estorno da velhaca proprietária e por seu orgulho ter sido ferido, por estar andando quase pelada. E medo pela expressão que aqueles homens musculosos tinham ao escanear seu corpo e os corpos de Pamela e Laura, como se elas fossem putas, pedaços de carne destinadas apenas a saciarem a volúpia de machos.
Nunca ela vira homens tão intimidadores, com olhos tão loucos e cheios de agressividade, selvageria. Homens do tipo que cortavam mãos com uma faca de açougueiro sem piscar.
— Alguém me diz por que isso está acontecendo com a gente? — Pamela exclamou, emputecida, já incomodada com o fio dental minúsculo.
— Deve ser karma — Laura respondeu. Era a primeira vez desde que ela interagia com a loura deste que esta recomendara a Tommy cuidado com piranhas caso conhecesse o Pantanal Matogrossense. — Ou muito azar, sei lá.
Enquanto as duas se queixavam, Giovanna teclava seu celular em busca de hospedagem barata. Nada. Todos os quartos estavam ocupados e as únicas vagas existentes estavam na vizinha Forks, a cidade dos Cullen.
— Que merda! — a garota negra expeliu o ar pela boca.
Nicolas, ao seu lado, segurou sua mão, fazendo-a lhe dar atenção.
— Vamos conseguir achar um lugar pra dormir — ele sorriu. — No quiosque devem conhecer uma pousada. Eles sabem de tudo por lá.
— Tomara. Meu Deus, nunca imaginei que isso fosse acontecer comigo. Já ouvi falar de casos tão ou mais absurdos que aconteceram com turistas, mas jamais achei que fosse acontecer comigo.
A estudante de Medicina levou as mãos às têmporas. Nicolas pôs a mão em seu ombro, olhou-a em solidariedade.
— Pense que quando voltar ao Brasil, terá uma história pra contar — brincou.
Giovanna fez um meneio de cabeça, por uma fração de tempo seus olhos se fecharam, e ao abri-los, riu.
Mais atrás, Roberto e Tommy andavam quase lado a lado, se estudando. Era nítido o desconforto entre os dois. Um via no outro a idealização do que detestavam, mas o infortúnio os aproximou. Eles estavam juntos.
— Ei, americano, isso já aconteceu com você alguma vez? — Roberto empregou um tom petulante. — De ser expulso de uma pousada?
— No, never — Tommy teclou alguma coisa no celular e o guardou no bolso da bermuda.
— Que chato, hem. Ser enxotado assim como um gato sarnento.
— Você parece estar levando de boa.
— Nem tanto. Eu tô puto, com vontade de voltar lá e colocar aquela espelunca abaixo e dizer umas boas para aquela velhota, não sem antes, é claro, entrar com uma denúncia.
O americano riu, sem contudo, parecer debochado.
— Para o seu bem, melhor que isso só fique em seu pensamento — objetou. — Aqueles gigantes mal-encarados não são brincadeira. E não devem ser só traficantezinhos. Se meter com gente assim é pedir pra morrer.
Roberto pensou por alguns segundos, quieto. Era um homem forte, se garantia numa briga com um homem de seu nível de força, porém mesmo alguém confiante como ele sabia reconhecer quando outro era mais forte.
Aqueles homens eram mastodontes, de músculos desenvolvidos como ele nunca vira num homem. Esmagadores de crânios, talvez?
O que mais impactou Roberto nem tanto foi o desenvolvimento físico dos hóspedes com traços indígenas, mas seus olhos loucos, desprovidos de humanidade.
— Aê — ele chamou para si a atenção de Tommy, que se adiantara a fim de se afastar de sua companhia nada agradável —, eu nunca mais volto pra esse país — seu desabafo era cheio de rancor. — Vocês vão ao Brasil, são bem recebidos, tratados como reis, ficam com nossas garotas, e quando a gente vem pra cá, ao invés de nos darem o mesmo tratamento cordial, nos tratam como escória.
Tommy franziu o cenho para o brasileiro.
— Não é porque vocês tiveram uma experiência de hospedagem ruim numa cidade americana que em todo lugar será assim. Você generaliza, my friend. Nem todo americano é inóspito, como eu sei que nem todo brasileiro é tão acolhedor como você imagina que seu povo seja. Eu também fui despejado, esqueceu? Estamos nisso juntos.
Roberto riu em desafio ao americano, que o olhava por sobre seu ombro enquanto andava, tentando alcançar os outros quatro.
— Como nativo, você tem uma ideia de onde podemos ficar essa noite? — o moreno indagou com malícia e raiva inconfessa.
— Não, eu conheço tanto desta cidade quanto você.
— Ah, é?
— Yes. E se não se importa, eu queria ficar um pouco em paz, ok?
— Uuuuiiiii, tá bravinho?
— Amigo… Roberto, não é? Já chega — Tommy fez com a palma da mão um gesto de que queria encerrar a conversa.
— Por que vocês não ficam quietos? — Giovanna, lá da frente, ralhou com os dois. — Não estão ajudando em nada se estranhando desse jeito como duas crianças do ginásio.
Roberto chiou com um meneio negativo de cabeça, segurando as alças de sua mochila cargueira com força, como se quisesse arrancá-las e se calou.
— Pra onde a gente tá indo, Giovanna? — Pamela perguntou, os pensamentos desorganizados.
— Nicolas acha que no quiosque devem saber se existe alguma pousada, hostel, sei lá o quê. Acho que não custa tentar.
A garota negra e o rapaz com quem caminhava lado à lado se olharam com gravidade e fizeram um sinal afirmativo com a cabeça.
— Bom, se não souberem, pelo menos podemos tomar uma cerveja, né? — Pamela sorriu.
Giovanna riu, por um momento se esquecendo de seu infortúnio. Adorava o jeito brincalhão de sua amiga. Pamela conseguia enxergar graça em qualquer tipo de situação, ao contrário de Giovanna, quase sempre séria.
Giovanna assistira a um espetáculo de balé em que Pamela dançara toda linda, vestida com um figurino de Cisne Branco, e ficara comovida com o semblante doce e triste da loura durante sua apresentação. As duas tinham na época só dezesseis anos e se conheciam desde o jardim de infância. Giovanna, ao ver no palco sua amiga mexendo os braços como um cisne bate suas asas em desespero, em dor, se perguntou como Pamela conseguia dar vida à algo que ela não era: uma garota triste. A resposta para isso era: Pamela tinha alma de artista. Podia ser o que quisesse ser, diferentemente de Giovanna.
O grupo chegou ao quiosque, que curiosamente não estava cheio. Apenas sete ou oito clientes, ocupando três mesas.
— Olá. Querem tomar alguma coisa? — a simpática atendente aprochegou-se a mesa onde eles se acomodaram.
Eles trocaram olhares casuais entre si. Cassie, ao fundo, lavava um copo e os olhou por sobre seu ombro com uma expressão cruel.
— Seis cervejas. Da melhor marca que vocês tiverem — Nicolas segurou a mão de Giovanna. Aquele local não lhe causava uma boa impressão. A estudante de Medicina se lembrava da silhueta dos homens que os espreitavam de longe, na noite passada, a mesma noite em que conheceram Sacha e Pavel.
Ela esboçou uma nervosa caricatura de sorriso, batucou com a mão livre sobre a superfície de madeira da mesa tentando, em vão, afastar um mau pressentimento.
— Ok. Seis cervejas — a moça anotou o pedido num bloquinho e girou nos calcanhares para providenciar-lhes o pedido.
Tommy lançou um olhar indiscreto para a bunda da garota índia, exposta pelo micro short jeans. Ninguém percebeu.
— Pensei que tivéssemos vindo atrás de informações sobre um lugar para dormirmos — Laura não escondia seu descontentamento.
— E viemos. Mas se agirmos de maneira natural, como qualquer cliente daqui, vamos chamar menos a atenção. Não queremos parecer pessoas desesperadas, não é? — Nicolas deu de ombros.
— Nós estamos só de biquíni e com mochilas cargueiras nas costas, e você acha que já não estamos chamando a atenção? — Pamela retrucou com acidez.
Antes que Nicolas respondesse, um rapaz achegou-se ao grupo com uma bandeja equilibrando as garrafas e ele as abriu uma por uma.
— Você — Nicolas dirigiu-lhe a palavra —, sabe nos dizer se em Brookville existe um albergue, uma pousada ou qualquer coisa que lembre uma hospedaria, para podermos pernoitar?
O garçom os olhou com incredulidade, como se o sul- matogrossense pronunciasse um idioma estranho à sua compreensão.
— Hospedaria. Tipo uma pensão — Giovanna fixou seus olhos negros no pobre rapaz.
— Sei o que é uma hospedaria — ele disse com secura —, mas não encontrarão aqui. Havia duas, que fecharam há dez anos. Os dois únicos hostels são o Olympic e o Black Crow, que fica longe. E os hotéis só fazem reservas com no mínimo três dias de antecedência.
— Ah… Acabamos de sair do Olympic — Giovanna trocou um breve olhar com sua amiga Pamela e tornou a direcionar seu rosto para o moço. — E não há vaga no Black Crow.
— Nesse caso, é quase impossível que vocês acham alguma coisa aqui.
Giovanna, irritada, pôs a mão na testa, suspirou alto. Pensou um pouco ao olhar para o próprio colo.
— Sabe os horários de ônibus que partem daqui para Forks?
— Temos três horários: às 6 da manhã, ao meio-dia e às 6 da tarde.
A estudante de Medicina continuou pensativa. Nicolas e Pamela aprovaram o que ela deliberava. Se não havia possibilidade de dormirem sob um teto em Brookville, então podiam ir para a cidade vizinha. O primeiro ônibus saíra faz tempo e por muito pouco não puderam pegar o segundo. Mas o último ônibus do dia podiam pegar.
— Obrigada — Giovanna agradeceu.
O garçom fez uma breve inclinação com o corpo, pediu licença e saiu.
— É… Já que não dá pra ficar aqui, o jeito é esperar até às 6 da tarde e embarcar num ônibus para Forks — Pamela tomou um gole de seu copo de cerveja.
O rapaz que havia servido o grupo conversava com as duas moças que trabalhavam no quiosque. Os três olhavam para os brasileiros, ora pondo a mão em frente à boca, e quando Giovanna os olhava à furto, disfarçavam.
— Vou sair — uma delas disse e saiu de trás do balcão.
— Vai, vai — sua colega a apressou.
Os outros clientes se levantaram de suas mesas, dirigiram-se ao balcão com as comandas em punho a fim de pagarem suas respectivas contas. Saíram em silêncio.
Pamela olhou em volta, imitada por sua amiga.
— Todo mundo foi embora — a estudante de Educação Física constatou.
Os olhos de Tommy ficaram vítreos de repente.
— O que foi? — Pamela perguntou sorrindo, ainda que intrigada.
O americano não respondeu. Continuou olhando para frente, impassível, e quando Giovanna direcionou seus olhos para a mesma direção que Tommy projetava seu queixo, viu a silhueta de um furgão preto e de vidros escuros parando e saindo, de seu interior, vários homens altos e mascarados. Eles brandiam pistolas. Dois deles seguravam metralhadoras.
Os viajantes fizeram menção de se levantar e correr, mas o bandido que parecia ser o líder se adiantou e apontou sua arma para a cabeça de Laura.
— TODO MUNDO PRO CHÃO AGORA OU A GENTE ATIRA! EU NÃO TÔ BRINCANDO!
As garotas se debruçaram no chão apavoradas, com gritos de medo presos nas gargantas. Nicolas se jogou ao lado de Giovanna, segurando sua mão.
— Calma — ele pediu baixinho.
— CALEM A BOCA! NÃO QUERO OUVIR NENHUM PIO!
Pamela começou a chorar. Logo seus braços foram segurados por trás e suas mãos, amarradas com cordas. Um capuz foi posto sobre sua cabeça, a garota foi levantada do chão com violência e arremessada dentro do furgão.
Os gritos dos bandidos se misturavam aos murmúrios dos outros mochileiros. Todos estes foram amarrados e tiveram suas cabeças cobertas, sendo a seguir jogados para dentro junto com a assustada e chorosa Pamela.
Batendo com força as portas traseiras do furgão e dando um murro na lataria, o chefe dos bandidos caminhou até o balcão apoiou as mãos no balcão. Cassie apareceu, sorridente, e o abraçou pelo pescoço, dando-lhe um beijo longo e apaixonado.
— Prepare-se, gata. Antes do trabalho, vamos nos divertir um pouco.
Cassie mordeu o lábio inferior e deu um sorriso cheio de maldade e malícia.
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