Capítulo 8
Os seis hóspedes voltavam juntos para o hostel, mas em formação intercalada. Giovanna e Nicolas iam à frente. Laura e Tommy seguiam logo atrás. E Pamela e Roberto estavam bem atrás. A loura olhava de um jeito enigmático para a morena, sentindo um pouco de inveja das curvas dela. Pela primeira vez notara que a garota nascida próxima às regiões selvagens do Pantanal tinha seios fartos, enquanto a estudante de Educação Física ainda conservava o corpo que o balé moldara.
Pamela, enquanto bailarina do Pas de Quatre Stude de Danse, se orgulhava de ter cintura quase reta e bumbum pequeno. Nunca fôra uma primeira bailarina, nem ganhara prêmio de melhor dançarina de um festival, mas era a mais gata de uma turma de quinze bailarinas e extremamente flexível e alongada. Mas agora, mulher feita, com quase 22 anos (que pareciam dezessete), ela tinha obsessão por ser o centro das atenções dos homens. Mas Laura teve mais atitude, e agora parecia amiguinha do americano Tommy.
— O que foi? — Roberto indagou-lhe ao notar de esguelha o semblante fechado da garota.
— Nada. Por quê? — a garota, que andava à vontade de fio dental pela rua com casas modestas e poucas pessoas andando, respondeu com desdém.
Pamela preferia morrer a deixar transparecer que estava com dor de cotovelo por não ter conseguido pelo menos um beijo do americano. E ainda tinha Roberto marcando em cima dela.
— Parece preocupada com alguma coisa — Pamela divagou consigo mesma, concordando que a ignorância era uma benção.
— Você não concorda com as bobagens da Giovanna, que acha que estamos correndo perigo? — o rapaz corpulento insistiu.
A pergunta de Roberto desviou momentaneamente a atenção da moça, esta até achou divertido que o professor pensasse que ela se afligiria com temores infundados da amiga.
— Você tá brincando? — ela zombou. — Não é porque um brasileiro desapareceu nesta cidade de descendentes de índios que isso vai acontecer com a gente.
Roberto deu à garota um sorriso. Já estavam perto do hostel.
— Eu também acho bobagem — ele disse. — Afinal, gente perigosa existe em toda parte do mundo.
Pamela revirou os olhos, suspirou olhando para o alto, aborrecida. Entrou atrás dos outros quatro.
Uma grande movimentação de pessoas intrigou aos seis. Homens, entre trinta e quarenta anos, a maioria de pele azeitonada e com tatuagens pelo corpo, conversavam alto e fumavam, e bastou os recém chegados entrarem para que os olhares ferozes deles se pregassem nas três garotas de biquíni.
— Uau! Gostosas! — um dos homens, com traços de índio quileute, assobiou enquanto focava a lente de seu celular na quase pelada Pamela.
— Você tá pensando o quê, cara? — Roberto prontamente pôs a palma de sua mão no peito do atrevido, fazendo-o recuar.
Rapidamente outro homenzarrão se colocou ao lado dele e empinou o queixo, crescendo para Roberto.
— Vai engrossar, cara? — o intimou.
A dona do estabelecimento aproximou-se quando percebeu que os ánimos se exaltaram e a situação ficaria tensa.
— Por favor, este é um ambiente familiar — lembrou-os com sua habitual voz tediosa. — Não vamos criar caso.
— Quem são esses babacas? — Roberto foi segurado pelo braço por Nicolas, que lhe pediu calma. — Aquela placa ali — apontou para um lembrete sobre a mesa na recepção — diz que é proibido fumar.
— Quem é você pra me chamar de babaca, brasileiro? — o homem que fotografou Pamela cruzou os braços pondo as mãos abaixo das axilas.
Giovanna correu o olhar pela sala, olhou de lábios semiabertos para cada um dos rapazes assustadoramente fortes. Conteve um grito com muito custo quando reconheceu que um deles era um dos homens que viu na noite anterior no quiosque.
Mais do que homens de aspecto rude que falavam alto como se estivessem num bar, eles lembravam uma categoria de seres não evoluídos capazes de quebrar ossos humanos com socos, prontos para brigar.
A garota negra notou no canto, no chão ao lado do balcão, uma correia familiar, e andando até lá, quase surtou ao ver sua mochila com a de Pamela, Nicolas, Laura, Tommy e Roberto.
— O que significa isso? — ela se colocou de frente com a proprietária do hostel. — Por que nossa bagagem está aqui? E quem deu à senhora autorização para mexer nas nossas coisas?
Laura e Pamela se entreolharam em incredulidade e andaram até o local onde Giovanna estava há pouco. Suas mochilas cargueiras estavam ali, fechadas.
— A senhora pode explicar por que tirou nossas mochilas do quarto sem nossa autorização? — a loura exigiu.
Acuada, a velha índia suspirou e pediu com voz monótona ao rapaz que começara a confusão que saísse dali. Ele lançou um olhar cheio de fúria e desafio para Roberto, porém saiu sem nada dizer.
Ela chamou os seis jovens que recém voltaram da praia, olhou-os com gravidade.
— Vocês têm que ir embora daqui — comunicou sem alterar sua voz.
Pamela franziu o cenho, cruzando os braços e trocando um olhar perplexo com Giovanna. Elas não podiam ter ouvido direito.
— A senhora só pode estar brincando — a estudante de Medicina replicou. — Temos mais um dia aqui. Nós pagamos a hospedagem pelo aplicativo, não pode nos expulsar.
— É para o bem de vocês — a hospedeira insistiu.
— Como assim para o nosso bem? — Nicolas se pôs ao lado de Giovanna. — A gente foi à praia, ficou o dia inteiro fora, e quando voltamos, tem uma gangue de maconheiros, nossa bagagem está no chão, e a senhora diz que temos que ir embora?
— Isso só pode ser brincadeira! — Laura pôs as mãos na cintura.
Os jovens avançaram um passo em direção à hospedeira, que já não estava tão calma. Todos eles falavam ao mesmo tempo, o que lhe dificultava articular uma resposta.
Resolveu tentar ser o mais direta possível.
— Aqueles homens se hospedam aqui algumas vezes durante o ano. São traficantes de drogas, muito perigosos. Eles queriam um quarto. O de vocês, porque é o que tem vista para a praia. Eu expliquei que estava ocupado, mas eles se mostraram irredutíveis e me mandaram tirá-los de lá, do contrário, a coisa iria feder para o meu lado e para o de vocês. Sinto muito.
— Senhora, não me fode, tá? — Pamela se aproximou ameaçadoramente da mulher insossa. Era gentil com as pessoas, mas aquela situação bizarra extrapolava todos os limites imagináveis. — A gente PAGOU, PAGOU duas diárias nessa bosta de hostel. Não pode simplesmente falar que um bando de viciados tomou nosso quarto e que precisamos ir embora.
A hospedeira meneou a cabeça em negação e com a serenidade de uma pessoa que não se abala diante de uma jovem que perde o controle.
— Eu sinto muito, mas não há nada que posso fazer, senão estornar o valor da diária não usufruída — lamentou. — Por favor, chequem suas mochilas e vejam se não deixei nada no quarto.
Giovanna foi a primeira a se abaixar para conferir seus pertences. Com um resmungo, levantou pelo indicador uma calcinha vermelha que Pamela pegou prontamente quando percebeu que era sua.
Algumas peças de roupa estavam trocadas, nada que uma simples destroca não resolvesse em menos de um minuto.
— Não sei como as coisas funcionam neste fim de mundo, mas no nosso país um absurdo desses rende processo criminal — Nicolas apontou com o indicador para a velha.
A índia suspirou tediosamente, já cansada daqueles seis.
— Nos Estados Unidos também, mas aqui é Brookville, uma das cidades mais inóspitas da costa do Pacífico e onde nem todas pessoas estão ao alcance da proteção da lei — replicou em tom sombrio. — Por favor, saiam agora.
Os hóspedes se entreolharam boquiabertos.
— Quer que saíamos assim? — Giovanna apontou para si, para o biquíni que usava.
De repente, risadas assustadoras se fizeram ouvir do corredor. A espinha das garotas gelou. Nunca haviam escutado um ser humano emitir um sons tão assustador, como se saíssem das entranhas de um hospício.
— Eles me respeitam um pouco porque me conhecem, mas não posso garantir a integridade física de vocês se eles voltarem aqui — a hospedeira quase implorava para que se pusessem da porta para fora. — Vão agora.
Os jovens, percebendo que era inútil discutir, calçaram chinelos, puseram as respectivas mochilas nas costas e andaram em direção à porta. Estavam furiosos com razão. Nicolas estava quase passando pelo batente da porta, quando deu meia volta e quase colou seu corpo ao da velha.
— Não vou dar nem uma estrela pra esta espelunca! — esbravejou.
Eles saíram murmurando, proferindo frases de baixo calão. Como se não fôsse suficiente sua cota de infortúnios, o tempo, que até então estivera parecido com o de uma ilha tropical, começou a mudar. Algumas nuvens se levantavam do mar e um vento fresco soprava do mar contra os corpos seminus deles.
— Merda! — Nicolas praguejou.
Por instinto, Pamela e Laura olharam juntas para a janela do quarto onde passaram a noite. O homem que Giovanna vira estava com os braços cruzados no peitoril, fumando um cigarro. Vendo-se observado pelas garotas, ofereceu às duas um sorriso mau e abaixou um dos braços, mostrando em seguida um instrumento de corte.
Um bisturi.
As duas garotas se encolheram, bocas entreabertas, apertaram o passo para alcançar o grupo.
— Droga! Pra onde a gente vai agora? — Nicolas perguntou em voz alta, como forma de desabafo.
Ninguém respondeu. O grupo continuou andando, com as garotas abraçando seus corpos para se protegerem do vento frio, sob os olhares dos moradores das casas.
Mas diante das circunstâncias, ter deixado o hostel foi um ato prudente, eles achavam.
…
Um casal se beijava deitado na cama que pertencera a Giovanna. O homem tinha um lobo tatuado no braço direito, era corpulento e possuía músculos bem desenvolvidos. A moça, uma nativa da cidade, tinha a pele azeitonada e várias tatuagens no braço esquerdo, que lhe desciam desde o ombro até o pulso. Ambos se beijavam com devassidão e trocavam carícias devastadoras, enquanto os outros ocupantes do quarto ocupavam-se fumando e jogando cartas.
— Querem parar de balançar a cama aí embaixo? — rugiu um homem de coque samurai que teclava um celular na cama de cima.
— Cala a boca, antes que eu a feche com um murro — o sujeito que beijava a garota ameaçou.
O homem de cima saltou no chão, cresceu diante do casal.
— Vai, arrisca a sorte então. Seu bosta!
— Calem a boca vocês dois — o nativo que há pouco mostrara um bisturi para os hóspedes expulsos deu um empurrão num dos contenedores. — Temos que ficar espertos. Daqui a pouco vamos ter um trabalho a fazer, o Fischer vai ligar pra velha e passar as informações.
— O Fischer, o Fischer! — o namorado da morena zombou. — Quero que o Fischer se foda. Tô cansado dessa vida, cara. Uma hora a gente vai se ferrar. Tô falando!
Max não gostou do tom de voz de Sam e desejou matá-lo. Mas não o culpava por temer que um dia a casa caísse, no fundo também estava cansado. Porém, era tarde para voltar atrás. Tinha ido longe demais, junto com seus primos da reserva quileute.
O nativo andou de um lado para o outro com o cigarro aceso pendendo dos lábios, ora olhando para seus companheiros de quarto, ora para o céu nublado. Estava odiando ficar ali, acuado como uma fera. Queria agir logo.
Não era de seu feitio ficar dentro de uma casa e aguardando ordens para agir. Ele era um descendente dos quileutes, índios ligados por um laço invisível e forte à predadores como lobos e ursos, e como tal, sentia em seus poros o impulso de estraçalhar uma presa.
Depender da ordem de um branco para agir o vexava. No fundo, pensou enquanto olhava para seus irmãos, somos só empregados de um homem sem escrúpulos que faz o que faz por dinheiro. E sem dinheiro não se pode viver.
Todos os homens têm seu preço, pensou Max consigo.
A porta do quarto se abriu e a velha entrou. Estava com as bochechas rubras de raiva.
— Querem parar de gritar, seus idiotas? Eu ouvi tudo de lá baixo. Aqui é um hostel de família, não um manicômio.
— Foi mal, velha — Sam passou o braço em volta do pescoço de Cassie. A mesma Cassie que trabalhava no quiosque e que trabalhava para a quadrilha de Fischer. — Nos empolgamos um pouco.
— Essas merdas que vocês fumam destroem seus cérebros, que não são grandes.
Os cinco homens e a jovem Cassie riram como se a hospedeira tivesse contado uma piada.
— O que você veio fazer aqui? — Sam se levantou de braços cruzados, andou e parou diante da idosa.
— Vim dizer que os seis acabaram de sair.
— Eu vi pela janela — ele replicou. — O que mais?
— O Fischer ligou. Será hoje mesmo. Todos nós vamos participar da coisa toda. E você — empinou o queixo para a garota —, volte ao quiosque pela rua de trás.
Ao ouvir esse comunicado, um sorriso cruel se formou no rosto de Sam. Ele andou até o armário, tirou de dentro duas pistolas e carregou-as.
— Ótimo! — disse com entusiasmo.
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