Capítulo 19
Nicolas saltou sobre Cassie assim que a viu, não lhe dando tempo para fugir, e com habilidade, torceu seus braços por trás enquanto Giovanna a amordaçava para impedir que ela gritasse. A garota negra trancou a porta.
— Você tá junto com eles, não é? Não é? — Nicolas encostou a boca ameaçadoramente no ouvido da garota a quem imobilizava.
Giovanna correu ao armário. Seus olhos se pousaram num frasco de vidro contendo cianeto de potássio. O coração lhe bateu no peito como louco, as células de seu cérebro executavam uma dança visceral, instintiva, sem racionalidade. Sem titubear, ela pôs o veneno numa seringa, e se aproximando da moça rendida, injetou-lhe a agulha numa das veias do pescoço e inoculou todo o seu líquido mortal.
Cassie começou a sofrer parada respiratória antes mesmo de Nicolas deixá-la cair no chão, e Giovanna, segurando a seringa vazia, não acreditou que tinha sido capaz de um ato tão extremo.
A assistente de Fischer sentiu seus músculos respiratórios paralisando instantaneamente, ela urinou em si mesma, e em menos de um minuto estava morta. Seus olhos negros estavam bem abertos, e a boca salivante.
Os mochileiros observaram o corpo sem vida aos seus pés e trocaram um olhar cheio de significado. Nicolas arrastou o cadáver pelas pernas e o escondeu atrás da mesa. Ergueu os olhos, preocupado com Giovanna. Se aproximou da companheira, abraçou-a fraternalmente, afagou seu cabelo.
— Eu a matei… — ela suspirou baixinho.
— Não. Você só fez a única coisa a ser feita — as palavras de Nicolas a tranquilizaram. — Ela teria feito coisa pior com nós dois se pudesse.
A moça o olhou bem dentro dos olhos e concordou, balançado a cabeça. Seus olhos percorreram o chão e avistaram o celular que havia caído do bolso traseiro do short jeans de Cassie. Abaixando-se, entregou o aparelho a Nicolas.
— Eu não estou em condições de falar — ela lamentou.
O rapaz acariciou seu rosto, tentando sorrir. Mas a adrenalina também corria dentro de si. Segurando o aparelho, discou o número da polícia e uma voz feminina informou o departamento, perguntando a seguir em que podia ajudar.
— Eu não tenho tempo pra explicar. Meus amigos e eu fomos sequestrados por bandidos que extraem órgãos das pessoas, e estamos tentando fugir deles. Por favor, venham logo pra cá antes que nos achem.
A responsável pelo atendimento se manteve em silêncio por alguns segundos e essa reação desestabilizou Nicolas. Este coçou as têmporas, olhou aflito para Giovanna.
— Por acaso isso é um trote, senhor? — a voz empregou um tom reprovador na pergunta.
— Eu tô falando a verdade, porra!
Mas ele se arrependeu no mesmo instante da petulância.
— Policial, por favor, me desculpe… Minha amiga e eu estamos desesperados. Nós matamos dois dos bandidos, mas há vários deles aqui e daqui a pouco vão nos procurar. Por favor, venham logo pra cá.
— Certo… E o senhor pode informar o local onde estão?
Nicolas suspirou, andando em círculos.
— Eu não sei… Eu não sei dizer, é uma floresta, cheia de árvores altas, tem um rio caudaloso e uma cachoeira e…
Giovanna o segurou pelo braço.
— Zona de caça dos makais, Brookville — ela sussurrou.
— Isso! — o rapaz falou, ficando de repente radiante. — Estamos na zona de caça dos makais, em Brookville. O líder do lugar é um tal de Isaac Brown. Eu vou… — Nicolas se interrompeu. Deslizou com o polegar pela tela do aparelho, clicou num círculo com uma bolinha. — Moça, eu ativei a localização pra vocês nos acharem.
— Certo, senhor. Pode, por favor, fornecer seu nome e os nomes das pessoas que estão com o senhor?
A raiva se acumulava no peito de Nicolas, e se não fosse por Giovanna, que o segurou pelo braço e suplicou-lhe calma, ele teria se exasperado ao invés de cumprir o protocolo exigido pela atendente.
— Nós vamos mandar homens até aí. Mas a reserva fica longe do centro de Brookville, por isso pode ser que demoremos. Tentem se manter calmos e não enfrentem os criminosos.
Era irônico que lhes pedissem para se manter calmos. Nicolas encerrou a ligação, guardou o celular no bolso da calça, procurou no olhar de Giovanna um norte, uma direção para dar o próximo passo. Mas a garota não tinha condições de decidir, tão assustada estava, e ele compreendeu que precisava manter o equilíbrio pelos dois.
— A mochila dela — Cassie a havia deixado cair no momento em que foi capturada, e Nicolas a levantou do chão. Pôs dentro as armas, a munição e os passaportes e documentos.
— Nós vamos sair? — Giovanna indagou mesmo já sabendo a resposta.
— Eu não vou brincar de esconde-esconde com quem quer tirar meus órgãos. Não vão pegar a gente fácil.
A estudante de Medicina aprovou a firme resolução do parceiro, e aceitando a mão que ele lhe ofereceu, saíram pela porta após se certificarem que não havia ninguém guarnecendo o corredor.
Eles nem tentaram entender por que a casa estava vazia. Talvez estivessem nas outras construções, ou caçando. A verdade é que os fugitivos não viram câmeras na parede, então andaram sem interromper a marcha, até encontrarem a saída.
…
Fischer, recostado num sofá, bebericava com satisfação o vinho na taça. Isaac e Susie estavam sentados no outro sofá, o filho pequeno do casal brincando no chão.
Serena entrou.
— Eles chegaram.
Todos se levantaram e saíram. Um jipe prateado estava parado ao lado do helicóptero, e do veículo desceram Miranda e seu jovem amante, Martin. Ambos olharam ao redor de si, para as casas de madeira, a fumaça de lenha queimando saindo das chaminés. Tudo muito pitoresco e simplório.
Miranda não ocultou dos moradores da localidade seu desconforto por estar num lugarejo perdido e esquecido por Deus, e seu amante a imitou na careta.
— Não esperava vê-la — Fischer foi logo dizendo, também desconfortável com a presença da contratante. — A senhora nunca teve interesse em acompanhar de perto meu trabalho.
A esnobe e orgulhosa mulher abaixou os óculos.
— Quero levar uma parte da encomenda agora — ela andou e parou diante da casa maior.
— Eu extraí os rins e os fígados da garota loura e também da morena. Os órgãos estão nas caixas térmicas, com gelo.
— Ótimo, Herr Doutor Fischer.
Ao sinal do médico, dois capangas correram para dentro da casa e voltaram com as caixas. A mulher ordenou que as pusessem no helicóptero, e tão logo os homens cumpriram a tarefa, o piloto subiu no aparelho.
— Ele vai voltar para Seattle. É um sujeito de confiança. Mas Martin e eu vamos ficar, já que tenho curiosidade em acompanhar seu modus operandi — um sorriso cruel estampou o rosto de Miranda.
— Não me importo — Fischer cruzou os braços. — Acho uma tremenda bobagem, uma extravagância, mas não me importo, desde que vocês fiquem de boca calada. Mas aviso: evisceração não é pra quem tem estômago fraco.
— Dr. Fischer!
Todos olharam para um homem de meia idade que apareceu, agitado.
— Dr. Fischer! O Jeff e eu fomos buscar a garota negra e o cara que estava com ela, e achamos o Max morto! Eles… Eles fugiram!
— O Max, morto? — Isaac, que se mantivera a distância, se manifestou em choque.
— Vão procurá-los, agora! Devem estar escondidos nos fundos de uma das casas! — Fischer ordenou, exasperado, a veia do pescoço pulsando.
O helicóptero havia desaparecido no horizonte, com os órgãos retirados das duas garotas em seu interior. Fischer não sabia se entrava dentro com Max e Isaac ou se ficava fora para tentar explicações a sua empregadora — se é que poderia explicar alguma coisa.
— Eu o aviso — Miranda se antecipou ao doutor. — Sou grata por você ter transplantado o rim que salvou a vida do Martin — ela puxou para si o braço do rapaz que a acompanhava —, mas sou uma mulher prática e não aceito falhas. Aqueles dois não podem fugir.
Fischer assentiu, cofiando os fios grisalhos e escuros da barba, sem responder.
Dentro da casa, depois de encontrarem o corpo sem vida de Max, Sam e Isaac vasculharam outros dois cômodos e chegaram ao aposento onde Cassie estava caída. Sam abaixou-se, pálido, sem acreditar que sua namorada estava morta. Afagou a cabeça dela contra seu peito, os lábios estremecendo.
— Desgraçados! — gritou.
Jeff entrou, seguido por Serena. Ver a filha morta criou um contraste terrível no rosto do caçador, que não chorou como a outra garota, porém ficou trêmulo e sem fala.
O grupo deixou a casa. Sam desceu os degraus da escada carregando nos braços o corpo da jovem, andou até Fischer, Miranda e Martin.
— Eu vou matar aqueles dois. Juro que vou.
— Sam, não deixe seu ódio sufocar sua razão. Precisamos dos órgãos deles.
Sam não respondeu, virando as costas acintosamente ao médico e levando o corpo da jovem índia para a casa de Jefferson.
…
Nicolas e Giovanna viram a movimentação do pessoal de Fischer. Não podiam dar um passo em falso, se quisessem sair com vida daquele pesadelo, mas as perspectivas não eram das mais animadoras. Dos cômodos das casas vinham os gritos furiosos dos comparsas de Fischer, atônitos, possuídos por uma fúria selvagem.
Não são tantos, não chegam a doze, constatou o rapaz, segurando a arma com o silenciador acoplado. Giovanna se encostara em seu ombro e seus olhos também se mantinham fixos nos três personagens diante da casa, que pareciam discutir enquanto gesticulavam.
Um quarto elemento se aproximou do trio. Um rapaz de barba rala, alto, postura firme.
Tommy.
Ele bateu as mãos nas coxas e andou em torno de si, pondo a mão na testa, e os mochileiros o ouviram esbravejar, gesticulando, mostrando que tinha intimidade com o tal Fischer como se o conhecesse bem.
Não podia ser.
— Aquele desgraçado é um deles — por pouco Nicolas não praguejou em voz alta.
Giovanna, por sua vez, estremeceu de ódio por Tommy tê-los enganado todo aquele tempo, se fingindo de viajante e se aproximado deles como amigo. Ele havia enganado Pamela, com certeza fora ele a trazê-la de volta para aquele abatedouro humano, e ao cogitar essa última e terrível hipótese, Giovanna quis dar um grito. Mas Nicolas, sempre ponderado, a fitou e sem nada dizer lhe passou a calma necessária para não se desesperar.
Ao toque do rapaz em seu ombro, a moça o seguiu, os dois se arrastando furtivamente pelo espaço entre duas casas de madeira, de uma das quais saia um cheiro horrível e se depararam com um tipo de porão. A princípio eles pensaram em continuar se esgueirando, mas os brados dos homens de Fischer ficavam cada vez mais audíveis, o que não lhes deu opção senão entrarem no aposento.
Eles desceram os degraus após Nicolas fechar a porta atrás de si e o mau cheiro ficou insuportável, causando, além de nojo, uma sensação terrível de sufocamento por causa do escuro.
Nicolas tateou pela parede, encontrou o interruptor. Quando o aposento aclareou, um quadro horrível se apresentou aos jovens: o corpo nu de Pamela estava atirado num canto, encostado na parede; ela estava sentada, com as pernas abertas e a cabeça pendendo para um dos lados. Sua boca estava semiaberta, os olhos vítreos como os de uma boneca. De sua barriga aberta, todo o intestino saltara para fora e moscas voavam sobre as fezes que vazavam.
— Não! Não! Não! Pamela…! — Giovanna exclamou desesperada, horrorizada por ver a amiga morta, com a barriga aberta, sem os rins e o fígado.
Nicolas se apressou em se colocar à frente dela e ampará-la em seu peito, tentando acalmá-la, mas a jovem prorrompeu num choro convulsivo.
— Por quê? Por que fizeram isso com ela? — perguntou, inconsolável, soluçando alto.
— Não adianta chorar agora, Giovanna, ela se foi. Temos que pensar em nós dois. Temos que escapar desse lugar amaldiçoado o quanto antes.
Giovanna cobriu os olhos com as mãos, balançando a cabeça, se lamentando. Não podia estar acontecendo. Nicolas a apertou mais contra si, beijou sua testa e poupou-a de ver o outro corpo, próximo ao da loura. Laura também tivera um triste fim. Os dois também teriam, se ficassem se lamentando ao invés de fugirem.
A vontade de viver, no entanto, sobrepujou de repente seu medo, e lançando um olhar cheio de significado para as duas garotas nuas e mortas, ele prometeu a si mesmo que lutaria até o fim pela sobrevivência dos dois.
— A Laura…! — os olhos de Giovanna avistaram o cadáver da outra companheira.
— Não olhe — Nicolas pediu, brando.
Um barulho metálico os fez olhar para a porta e um homem desceu os degraus, sendo prontamente atingido no peito por um disparo certeiro de Nicolas.
O rapaz e a moça deram as costas para aquele horror pútrido e saíram do porão, pulando o corpo do comparsa baleado. Se certificando que não havia ninguém na entrada, eles olharam para os lados e começaram a correr, no instante em que um grupo de homens armados surgiu ao local de onde haviam acabado de sair.
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