Parte 6
Elisa
24 de dezembro de 2024
Elisa não teve tempo para pensar muito. No entanto, ela já havia se dado conta que, quanto mais ela pensava sobre aquela situação envolvendo Eric, menos ela agia ou se permitia explorar aquele novo sentimento. Ela já havia se apaixonado antes — há muito tempo; tanto tempo que ela mal se lembrava da sensação. Elisa achava que havia se apaixonado por Samuel, seu ex-namorado conturbado, mas havia chegado à conclusão que não, nunca havia se apaixonado por ele de fato. Ela sentia-se solitária, indigna de qualquer demonstração de carinho; e qualquer gesto para ela já era o suficiente. Elisa achava que tinha superado isso, mas o medo de cair novamente nas garras de relacionamento sufocante ainda permanecia. Assim, todas as vezes que Eric demonstrava algum interesse romântico, acima do normal, ela recuava. Era real demais. Eric definitivamente não era Samuel e o que Elisa sentia era totalmente diferente.
Ela não sabia que sentia por ele. Mas a moça sentia algo. Sua razão não seria capaz de explicar aquilo ou guiá-la para uma decisão, então ela se arriscou a sentir. Sentir o seu corpo, o seu coração; observar o comportamento de Eric e o que a sua presença em sua vida significava para ela. Elisa tinha a impressão que o rapaz nunca seria apenas um amigo — não quando as coisas aconteceram da forma como aconteceram. Quando o conheceu de fato, Eric já era apaixonado por ela. E isso era algo que a assustou por muito tempo. Sentia a sinceridade nas palavras do rapaz e a paixão faiscante de seu olhar. Todas as vezes que Eric olhava para ela, Elisa sentia que era objeto de uma paixão. Ao mesmo tempo que tinha medo de machucá-lo, não conseguindo corresponder à altura, aquele fato mexia com ela. Por que Elisa temia se arriscar em algo que para ela era tão raro?
Como pedras de gelo sob o sol quente do verão, aos poucos Elisa permitiu que seu coração voltasse a se abrir. Assim, pela primeira vez em tantos meses, ela sentiu que o que viesse a acontecer entre os dois poderia ser bom e saudável. Foi na feira de livros, há dois dias, que o seu coração deu indícios de que estava seguro. E vivo. No momento em que se deu conta que o rapaz estava ali, algo despertou dentro dela. Elisa estava feliz por vê-lo. Aquele dia ficou na sua cabeça durante toda a noite, fazendo-a questionar os próprios sentimentos. Pensou em todas as vezes que foi presenteada por Eric. As vezes que o rapaz a chamou para sair, a elogiou e fez-lhe companhia quando ela estava sozinha.
Elisa nunca saberia de fato aonde aquilo ia parar se não deixasse as coisas acontecerem.
Por isso, quando foi até ao Café Essência no dia anterior, ela apenas seguiu aquilo que desejou fazer. Percebeu que gostava da sensação que a presença do corpo de Eric lhe passava, mesmo não tocando-a. Perguntou-se como ela se sentiria caso tivesse deixado que ele a beijasse, ou se ele a tocasse de uma forma mais íntima. Quando, por um impulso quase mágico, Elisa tocou em sua mão e deixou que Eric entrelaçasse seus dedos nos dela, ela não pensou em nada. Ela apenas sentiu. Havia gostado tanto daquela sensação que foi difícil desvencilhar de seus dedos, que a tocavam de forma tão carinhosa.
Ao chegar em casa, após aquele acontecimento inusitado, ela chorou. Talvez com um pouco de tristeza, mas também de alegria. O pobre Puppy, sem entender porque a sua humana chorava tanto, deitou-se ao lado da cama de Elisa e observou a moça enxugar as lágrimas que insistiam em cair.
— Acho que eu posso ser amada de verdade, Puppy — ela disse com a voz chorosa. — Acho que eu gosto do Eric...
O filhote abanou o rabo. Elisa tinha a impressão que o cachorro se alegrava toda vez que dizia o nome dele. A moça enxugou as bochechas molhadas e pegou Puppy no colo, beijando a cabecinha peluda.
— Vamos, bebezinho — ela fungou, saindo do quarto. — Temos muito o que fazer hoje.
☕☕☕
Com atenção, Elisa picava as cebolinhas que Jonas havia acabado de pegar da horta. A mesa da cozinha estava cheia de ingredientes e tigelas. Seu cunhado murmurava consigo mesmo, recitando receitas e lamentando-se por ter se esquecido de uma erva para o tempero especial que pretendia fazer.
— Vou ao mercado, querida — Jonas deu um beijo na testa de Fernanda. — Fique de olho na Elisa. Ela costuma colocar muito sal no arroz.
— Ficarei de olho. Aproveite e compre mais leite condensado. Acho que vamos precisar de mais — respondeu a esposa, especialista em doces.
Elisa mal prestou atenção nas provocações do cunhado. Nunca esteve tão concentrada em uma tarefa. Suas mãos moviam-se lentamente e seus olhos encaravam a faca e as cebolinhas, mas sua mente estava em outro lugar: no passado. No dia anterior.
— Que sorriso bobinho é esse? — Fernanda bateu nas costas da irmã com um pano de prato. — Hum? Parece que acabou de descobrir que ganhou na loteria e não quer compartilhar com ninguém.
— Estou rindo do Jonas — Elisa mentiu.
— Sei. Você não me contou ontem como foi com Eric — Fernanda não conseguiu esconder o sorriso perverso.
— Foi bom. Ele estava trabalhando. — ela colocou as cebolinhas em um potinho de vidro ao lado. — Falando nisso... Eu o convidei para vir aqui hoje. Tem problema?
— Claro que não, irmã. Inclusive, se você não fosse convidar, eu te obrigaria a convidá-lo. Vai sobrar muito doce.
— Eu disse isso a ele — Elisa riu. — Ele virá. Ele...
Elisa parou, largando a faca sobre a tábua. Seus olhos marejaram de repente e ela começou a fungar.
— O que foi, querida? — Fernanda mudou a expressão, preocupada com a caçula. — Você está bem?
— E-estou — ela balançou a cabeça. — Estou feliz e estou com medo. Tudo ao mesmo tempo. Estou nervosa, estou... Estou sentindo algo diferente.
— Você está...apaixonada? — a irmã inclinou a cabeça para ela.
— Não sei, Nanda — ela suspirou, sentindo-se frustrada por estar tão confusa ainda. Ainda que estivesse confusa, ela se sentia bem. Muito bem. — Eu só sei que é algo novo. Algo que tentei fugir, mas não consegui.
Fernanda pôs a mão em seu ombro, fazendo-a se virar para ela. Um sorriso orgulhoso emoldurava o seu rosto. A irmã então a abraçou, acariciando suas costas.
— Cuide do seu coração, irmã — ela aconselhou baixinho enquanto a abraçava. — E isso inclui deixá-lo sentir o que precisar sentir. Você merece ser cuidada e amada de verdade.
— Ele pegou na minha mão. Eu nunca senti o carinho de alguém através das mãos. Estranho... — ela contou, sentindo-se uma adolescente descobrindo o primeiro amor. Sentia-se uma boba, mas estava sendo sincera. E a irmã sentia isso.
Fernanda riu, afastando-se um pouco para ver o rosto da irmã. Da sua eterna pequena caçula; que passou por tantas coisas... Por tantos desafetos em sua família complicada, por tanto abuso disfarçado de amor.
— Ei, estou feliz por você — ela apertou o nariz de Elisa. — De verdade. Eric é um bom menino. E eu adoraria, um dia, ser tia...
— Ah, não — Elisa a empurrou, batendo em seu braço. — Você já tem Puppy!
— Acho melhor eu voltar a fazer os doces! — ela começou a bater palmas. — Estou indo longe demais.
— Ainda bem que você sabe — Elisa franziu a testa de repente. — Ainda bem!
— MAMÃE! — a voz de Julia ecoou pela casa, assustando as duas. — Puppy fez cocô no tapete!
Fernanda olhou para a irmã, ocupada demais misturando os ingredientes para fazer a torta doce. Elisa revirou os olhos, pensando seriamente em dividir a guarda do cachorro com Eric.
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