Elisa

22 de dezembro de 2024

No dia seguinte, Elisa foi cedo para a feira de livros. Eric não havia dito nada para ela — se ia ou não, se ainda estava mal ou não. Ela não insistiria. Tentou convencer a si mesma que estava tudo bem sair sozinha. Quantas vezes não havia feito aquilo? No entanto, aquilo parecia um pouco errado. Eric a havia convidado. Não parecia certa a ausência dele. Suspirando, Elisa andou pelas barracas com estantes de livros novos e usados, verificando alguns títulos de longe. Uma música natalina soava aos fundos e um senhor de cabelos brancos vendia algodão doce pelos corredores.

Elisa parou diante de uma tenda com livros infantis, pensando em sua sobrinha. Algumas crianças com os pais estavam ali, abrindo e fechando os livros, apontando para as imagens que saíam magicamente das páginas. Uma das crianças estava sentada em uma mesa baixa, passando a mão delicadamente pelas folhas O pai estava agachado ao seu lado. Em uma das estantes baixas e coloridas, Elisa viu uma capa com um unicórnio sorridente, cujo título brilhante dizia: O UNICÓRNIO FELIZ.

— Isso é a cara dela... — Elisa disse consigo mesma, pegando o livro.

— Meu filho também gosta de unicórnios — um homem disse atrás dela. — Mas é difícil achar livros para ele...

Elisa se virou, deparando-se com o pai da criança agachado ao seu lado. Sua pele era tão pálida quanto a dela e os cabelos negros e ondulados cobriam as laterais do rosto. Pela primeira vez, reparou que o livro que o menino lia era coberto de pontinhos pelas ilustrações e embaixo do texto.

— Ah... É para a minha sobrinha — ela olhou para a capa do livro novamente. — Acho que posso fazê-la gostar de ler com unicórnios brilhantes.

— Acho que pode — o homem sorriu, voltando a atenção para o filho.

Elisa olhou ao redor, procurando por Eric. Ela tinha que aceitar que ele provavelmente não viria — não depois do dia anterior. A moça pagou o livro, planejando explorar a tenda ao lado. Uma jovem mulher veio ao encontro do pai do menino, beijando-o de leve nos lábios. Parecia um casal feliz, ao julgar pelo sorriso e o olhar de ambos. Elisa engoliu em seco, desviando o olhar. Quem sabe aquele fosse um sinal do universo, provando-lhe que relacionamentos saudáveis existiam.

Após pagar o livro, ela começou a perambular pelas tendas. Elisa buscava por algum título que lhe chamasse a atenção. Já haviam se passado trinta minutos desde que chegara e nada de Eric aparecer. Entretanto, quando estava prestes a aceitar aquele fato, avistou um rapaz de blusa de mangas longas verde e calça jeans vindo em sua direção. Era Eric, dessa vez com os cabelos levemente molhados pelo provável banho que havia tomado.

— Desculpe a demora — ele disse, parando antes de se aproximar dela. Não a abraçou, não a tocou; mas exibiu um sorriso cordial. Sua expressão estava mais leve, sem indícios de que estava desconfortável ou arrependido de estar ali.

— Eu achei que não viria — Elisa confessou.

— É, eu mudei de ideia. Não é todo dia que tem uma feira de livros beneficente na cidade — ele olhou para trás. — Acho que por ali tem HQ's, estou afim de comprar uns. Quer vir comigo?

Elisa assentiu, acompanhando-o pelos corredores cada vez mais cheios. Eles entraram em uma tenda dedicada a vendas exclusivas de HQ's. Pôsteres de diferentes super-heróis e heroínas estavam expostos na entrada, anunciando as promoções. Eric começou a verificar as estantes, folheando alguns quadrinhos de capa dura. O rapaz encarou os bonecos de Star Wars.

— Não sabia que gostava de super-heróis — Elisa estava surpresa. — E Star Wars.

— É, eu gosto. É mais coisa da minha infância mesmo — o rapaz colocou a HQ de volta na estante. — Pareço meio idiota por isso?

— Claro que não — Elisa discordou. — Os adultos também merecem se divertir. Confesso que às vezes gosto de assistir desenhos infantis com a minha sobrinha.

Eric riu, colocando as mãos no bolso enquanto olhava para as estantes.

— E às vezes eu só queria atravessar uma ponte de arco-íris e ir para Asgard.

— Você seria um bom herói.

— Ah, Jack Hall — Eric observou Elisa de soslaio, provavelmente se lembrando do antigo personagem criado por ela; e que por acaso se parecia com ele. — Só se for na ficção.

— Ah, eu acredito no meu Jack — Elisa falou. — Acredito que um dia ele consiga conquistar o grande tesouro e salvar uma cidade.

— Jack Hall ainda não conseguiu conquistar o seu tesouro — ele pegou outra HQ, folheando novamente. — Vou levar uma de Star Wars. E uma de Thor. Pelo menos ele tem um martelo. O que o seu Jack tem?

Elisa deu um meio sorriso.

— Um bom coração — disse. — E boa vontade.

— E isso é o suficiente para conquistar o tesouro?

— É claro — a moça afirmou.

Eric mordeu o lábio inferior, ficando com a expressão séria de repente; a mesma do dia anterior. Mas a tensão em seu rosto não durou muito, desfazendo-se em segundos. Decidiu levar as duas HQ's e logo estavam andando pelos corredores novamente. Elisa parava para olhar alguns livros de ficção, autobiografias e manuais de escrita criativa. Eric parecia genuinamente interessado por tudo o que ela comentava; como sempre acontecia quando tinham algum assunto. Esse era um dos muitos pontos positivos de Eric. Elisa sempre se sentiu incomodada pelo fato de as pessoas não parecerem minimamente interessadas pelo seu gosto pessoal.

Após comprar alguns livros — o suficiente para alguns meses de leitura — eles foram para o pátio a céu aberto, onde alguns carros estavam estacionados. O senhor com os algodões doces passava por ali. Eric soltou um opa! quando viu os algodões doces coloridos à distância.

— Estou com vontade de comer algodão doce. Você aceita? — Ele perguntou a Elisa, os olhos brilhando pela possibilidade de presenteá-la (e presentear a si mesmo) com um belo algodão doce colorido. A moça assentiu sorrindo e o rapaz foi até o homem. Voltou para Elisa com algodões doces rosa e verde. — Eu sei que sua cor favorita é vermelha, mas não tem algodão doce vermelho. O rosa é o mais próximo. Ou prefere o verde?

— O rosa está ótimo — ela pegou o doce. — Obrigada, Eric.

O rapaz sorriu. Uma chuva fina começou a cair de repente, esfriando ainda mais o ambiente. Eric sugeriu que entrassem novamente; e eles acharam um ambiente de leitura com puffs e mesas de leitura. Distantes do movimento, o lugar estava tranquilo e propício a momentos de reflexão e apreciação de algodões doces. Eric e Elisa se sentaram juntos no mesmo puff vermelho — escolhido por Elisa, é claro. No centro, uma árvore de Natal de tamanho médio brilhava com suas luzes. O rapaz começou a verificar os livros que havia comprado, orgulhoso. Lá fora, a chuva engrossava cada vez mais.

— O Eric leitor voltou — ele disse, arrancando um pedaço de algodão doce com a boca e mastigando com prazer. O braço dele tocava casualmente no seu, mas aquele momento parecia tão natural que não gerou desconforto para Elisa. E, aparentemente, nem para Eric. O rapaz estava agindo de forma muito diferente do dia anterior. Sua expressão estava mais leve; não havia tensão em seus ombros ou em seus movimentos. E, o mais curioso de tudo, é que ele não estava exigindo nenhuma resposta de Elisa.

— Que bom que voltou — Elisa sorriu.

— Nicolas mandou dizer que está tendo promoção de mocaccinos — Eric lembrou.

— Nicolas? — a moça levantou a sobrancelha, desconfiada.

— É. Se for aproveitar a promoção, que vai até o dia 25, peça para Hassan fazer um alce. Ele não aguenta mais fazer árvores de natal.

— Pode deixar — ela riu. — Me lembre de agradecer Nicolas pelo convite.

Eric se virou um pouco para ela. Seu algodão doce já estava quase no final.

— Olha, na verdade, eu que estou te convidando. Aperfeiçoamos o mocaccino e ele está...hum, com um gosto mais natalino. E eu gostaria de te dar esse presente de Natal.

— Um mocaccino natalino?

— Sim.

Elisa sorriu, sentindo o açúcar derretendo deliciosamente em sua boca. Aquela chuva bem que merecia um bom mocaccino — sua bebida favorita desde que começou a frequentar o Café Essência.

— Tudo bem, então. Esse tempo pede um mocaccino com alce — Elisa confirmou. — Amanhã estarei lá.