03. Thorin
Eles foram até a entrada enquanto Gandalf abria a porta para o último visitante. Era um anão, mais alto que os demais, com olhos azuis gélidos e cabelos escuros longos, com algumas mechas grisalhas presas em duas tranças adornadas com contas de ferro. Ele tinha um porte natural de liderança e uma aura de autoridade que fez o ambiente da toca de Bilbo esfriar instantaneamente.
━ Gandalf ━ disse o anão, olhando para os rostos ao redor da sala com uma expressão severa ━ pensei que tinha dito que esse lugar seria fácil de encontrar.
Ele entrou, retirando sua capa com um movimento firme, mas contido. Pousou-a sobre a cadeira mais próxima, antes de continuar:
━ Eu me perdi, duas vezes... Se não fosse pela marca na porta, eu nunca teria encontrado.
Bilbo, que estava parado ao lado de Gandalf, ergueu as sobrancelhas, confuso.
━ Marca? ━ perguntou o hobbit, franzindo a testa. ━ Não há marca alguma nesta porta. Ela foi pintada há uma semana.
━ Há uma marca, sim ━ respondeu Gandalf com um sorriso sereno. ━ Fui eu mesmo quem a coloquei lá.
Bilbo ficou sem palavras por um momento. Ele sentia como se estivesse sendo carregado por uma corrente de acontecimentos que mal entendia. Antes que pudesse processar a informação, o anão avançou em sua direção com passos pesados, seus olhos perfurantes avaliando cada detalhe do pequeno hobbit.
━ Bilbo Bolseiro, permita-me apresentar o líder da nossa companhia. Thorin Escudo de Carvalho.
Thorin olhou de cima a baixo para o hobbit, a expressão em seu rosto séria e ligeiramente duvidosa. Depois de um momento de silêncio pesado, ele começou a caminhar ao redor de Bilbo, avaliando-o com uma meticulosidade desconcertante.
━ Então, este é o hobbit? ━ murmurou Thorin, com um tom de incredulidade. Ele parou na frente de Bilbo e perguntou em voz alta: ━ Diga-me, senhor Bolseiro, você já lutou antes? Machado ou espada? Qual é a sua arma preferida?
Bilbo piscou, surpreso pela linha direta de questionamento, e balançou a cabeça nervosamente.
━ Bem, eu... ━ começou ele, engolindo em seco. ━ Eu sou bom no jogo de rebater castanhas, se isso interessa, mas não consigo entender por que isso seria relevante.
Thorin soltou uma risada curta e seca, virando-se para os outros anões que agora o observavam com interesse renovado.
━ Foi o que eu pensei ━ disse ele com um sorriso debochado. ━ Ele parece mais um dono de armazém do que um ladrão.
As risadas dos anões ecoaram pela sala, alguns até se inclinando sobre a mesa para compartilhar o momento. Bilbo, por sua vez, ficou ruborizado, sem saber exatamente como responder àquela situação.
Do outro lado da sala, Elowen, prima de Bilbo, observava a cena com os braços cruzados e uma expressão de clara desaprovação. Seus olhos se estreitaram ao ouvir a palavra "ladrão" associada a Bilbo. Ela se aproximou um pouco mais, franzindo a testa.
━ Ladrão? ━ murmurou para si mesma. ━ De onde diabos tiraram essa ideia absurda? Bilbo mal consegue tirar uma maçã de um cesto sem pedir permissão, quanto mais roubar algo de alguém.
Enquanto os anões retornavam para a sala de jantar, a atmosfera alegre anterior parecia ter se esvaído. O respeito que todos os anões demonstravam por Thorin era evidente. Embora ele fosse um homem de poucas palavras, cada gesto e movimento carregava um peso imenso de responsabilidade e liderança.
Thorin ouvia atentamente enquanto sua companhia conversava em murmúrios baixos, aproveitando a comida quente que estava sendo servida. O som das colheres batendo contra os pratos e das risadas abafadas preenchia a sala até que, subitamente, a voz alegre de Bofur interrompeu o silêncio confortável.
━ Está tudo bem, moça? ━ perguntou o anão de chapéu engraçado, inclinando-se para frente com curiosidade.
Thorin ergueu uma sobrancelha e virou-se ligeiramente para ver o que estava acontecendo. Todos os olhos se voltaram na mesma direção, onde Elowen, com suas bochechas levemente coradas, estava inspecionando com cuidado algumas espadas, equilibrando e pesando as lâminas em suas mãos, claramente fascinada.
━ Desculpem, eu só estava admirando as espadas ━ respondeu ela, um tanto envergonhada por ter sido pega em sua curiosidade. ━ Nunca vi nada igual a estas.
Balin, sempre pronto a compartilhar seu conhecimento, sorriu afavelmente e disse:
━ Porque foram feitas por anões, minha querida.
Thorin então falou: ━ O que uma garotinha como você sabe sobre armas? Duvido que no Condado façam espadas ou outras coisas perigosas.
Elowen, com uma postura confiante, respondeu enquanto colocava a espada cuidadosamente de volta em seu lugar:
━ Na verdade, há um lugar no Condado. Eu trabalho lá ao lado do meu pai. Ele é o ferreiro do Condado, mas como está muito velho, ele deixa as armas para mim.
O interesse dos anões aumentou visivelmente, e os olhares que antes eram de curiosidade transformaram-se em respeito. Elowen pegou um machado de batalha, estudando-o com precisão, e passou a mão sobre o ferro robusto.
━ Este material é muito resistente e durável ━ começou ela, sua voz firme e assertiva. ━ Não vai quebrar ou derreter sob altas temperaturas, nem se estilhaçar em climas frios.
Ela sinalizou com a cabeça em direção à pilha de armas sobre a mesa.
━ As lâminas de Fili e Kili são leves para facilitar manobras rápidas. O arco de Kili é feito de uma madeira de casca forte, capaz de suportar o choque de espadas sem ser destruído com um único golpe. E sua arma, Thorin ━ ela apontou para a espada do líder anão ━, foi forjada com ferro grosso e tem uma lâmina afiada, própria para cortar seus inimigos. Posso dizer que já esteve em muitas batalhas pelos cortes e arranhões em sua superfície.
O silêncio que se seguiu à explicação de Elowen era palpável. Os anões a observavam com surpresa e espanto. Como uma hobbit, ainda mais jovem, poderia saber tanto sobre armas? A sala estava tomada por um respeito silencioso por seu conhecimento, e até mesmo Gandalf tinha um brilho divertido nos olhos, admirando a coragem da jovem.
Thorin, que mantivera seu olhar fixo sobre Elowen durante toda a explicação, finalmente falou com a voz firme, mas intrigada:
━ Qual é o seu nome?
Ele não costumava se impressionar com facilidade, mas essa jovem mulher, com sua habilidade inesperada, havia despertado seu interesse.
━ Elowen Tûk ━ respondeu ela, com uma leve reverência.
Dwalin, que havia se retirado momentaneamente, voltou à sala com uma caneca de cerveja e, em sua maneira usual, deu um tapa brusco no ombro de Bilbo, que tropeçou para frente, quase derrubando um prato da mesa. Com um sorriso malicioso, Dwalin falou alto o suficiente para que todos ouvissem:
━ Parabéns, senhor Bolseiro! Você conseguiu uma esposa.
Os anões riram com a piada, e o rosto de Bilbo ficou vermelho em questão de segundos. Ele gaguejou, balançando as mãos no ar em protesto, tentando explicar a situação.
━ Nós... nós não somos casados! ━ disse ele, visivelmente embaraçado.
Elowen não conseguiu conter uma risada suave ao ver o desespero no rosto de Bilbo. Ela balançou a cabeça, ainda rindo.
━ Na verdade, somos parentes. ━ Ela sorriu para os anões. ━ Primos, para ser exata.
Dwalin arqueou uma sobrancelha, parecendo surpreso.
━ Primos? ━ repetiu ele, ainda desconfiado. ━ Bem, vocês certamente não parecem ser da mesma família.
A risada que seguiu foi calorosa e descontraída. Embora o momento de tensão inicial com Thorin estivesse longe, a companhia começava a aceitar Bilbo e Elowen como parte do grupo, ainda que de maneira um tanto desconfiada.
Elowen deixou a arma na mesa com cuidado e, percebendo que não havia mais espaço, foi para o fundo da sala, apoiando-se contra a guarnição da porta. Ela observava a companhia, sem muita intenção de intervir mais. Bilbo, por sua vez, estava do outro lado, perto de Gandalf, ambos se mantendo à margem. Não era lugar deles invadirem o espaço da conversa dos anões, pois nenhum dos dois realmente sabia do que se tratava.
Foi então que Balin quebrou o silêncio, virando-se para Thorin com uma pergunta que claramente estava na mente de muitos ali:
━ Quais são as notícias da reunião em Ered Luin? Eles vieram?
Thorin, sempre sério, assentiu com a cabeça, embora seu semblante indicasse que não havia boas notícias.
━ Sim, enviados de todos os sete reinos. ━ Ele fez uma pausa breve, antes de concluir. ━ Todos eles.
O grupo começou a conversar animadamente entre si, empolgado com a notícia. Mas então Dwalin, sempre pragmático, perguntou algo mais específico:
━ E o que os Anões de Colinas de Ferro disseram? Dáin está conosco?
O suspiro pesado de Thorin preencheu o silêncio que se seguiu, indicando que a resposta não seria o que eles esperavam.
━ Eles não virão. ━ Sua voz estava carregada de desapontamento.
Imediatamente, a mesa foi preenchida com murmúrios de decepção. A revelação de que ninguém viria em auxílio deles atingiu os anões profundamente. Eles sabiam o que aquilo significava: estariam sozinhos nesta empreitada.
━ Eles dizem que esta missão é nossa, somente nossa.
Bilbo, intrigado, quebrou o silêncio ao fazer uma pergunta que provavelmente estava na mente de Elowen também:
━ Você está indo em uma missão?
Apesar de seu interesse, ninguém se preocupou em responder diretamente à pergunta do hobbit, como se estivessem ocupados demais com seus próprios pensamentos. Gandalf, no entanto, soltou uma risada baixa e virou-se para Bilbo.
━ Bilbo, meu caro amigo, deixe-nos ter um pouco mais de luz ━ pediu o mago, com um brilho sagaz nos olhos.
Sem hesitar, Bilbo levantou-se e começou a procurar algo que pudesse iluminar melhor a sala. Enquanto ele fazia isso, Gandalf tirou um pedaço de pergaminho de suas vestes, desenrolando-o sobre a mesa com um cuidado que demonstrava sua importância. A atenção de todos se voltou para o mapa que Gandalf revelou.
━ Bem ao leste, sobre as cadeias de montanhas e rios, além de florestas e desertos, fica um pico único e solitário ━ disse Gandalf, enquanto seus dedos percorriam a superfície do mapa, pousando sobre uma ilustração detalhada.
Bilbo voltou com uma vela em mãos, inclinando-se para tentar ler o que estava escrito no mapa, seus olhos se estreitando enquanto tentava decifrar o nome gravado acima da ilustração que Gandalf indicava.
━ A Montanha Solitária ━ leu Bilbo em voz alta.
━ Sim ━ confirmou Gloin. ━ Oin leu os presságios, e os presságios dizem que é hora.
━ Corvos foram vistos voando de volta para a montanha, como foi profetizado ━ acrescentou Oin. ━ Quando os pássaros de outrora retornarem a Erebor, o reinado da fera terminará.
Bilbo, agora ainda mais intrigado, perguntou:
━ Que fera?
Bofur, sempre o mais animado do grupo, respondeu rapidamente:
━ Isso seria uma referência a Smaug, o Terrível, a maior e mais importante calamidade da nossa era. ━ Ele fez uma pausa dramática antes de continuar, ━ Cospe fogo no ar, dentes como navalhas, garras como ganchos de carne, apreciador de metais preciosos.
Bilbo, tentando parecer corajoso, respondeu com firmeza:
━ Sim, eu sei o que é um dragão.
━ Não estou com medo.━ Ori, um jovem anão cheio de coragem, levantou-se de repente, socando o ar com entusiasmo. ━ Aceito o desafio! Vou dar a ele um gostinho de ferro anão bem no seu traseiro!
━ Bom rapaz, Ori! ━ Nori o parabenizou, com um sorriso orgulhoso no rosto, enquanto outros anões riam e o mandavam sentar-se novamente.
━ A tarefa já seria difícil o suficiente com um exército atrás de nós, mas somos apenas treze ━ disse Balin, interrompendo a excitação dos outros. ━ E não treze dos melhores, nem dos mais inteligentes.
Nori, sempre pronto para provocar, rapidamente retrucou:
━ Quem você está chamando de idiota?
O clima, que já estava tenso, começou a ficar mais leve quando Fili bateu a mão na mesa de madeira com força, chamando a atenção de todos.
━ Podemos ser poucos em número, mas somos guerreiros, todos nós, até o último anão.
Os outros se entreolharam, concordando com um aceno silencioso. No entanto, Kili começou.
━ E vocês estão esquecendo que temos um mago em nossa companhia ━ disse ele, gesticulando para Gandalf. ━ Ele deve ter matado centenas de dragões em seu tempo!
O comentário de Kili fez todos se virarem para Gandalf com olhares de expectativa. O mago, que até então permanecera quieto, tossiu desconfortavelmente, como se estivesse tentando ganhar tempo.
━ Oh, bem... não ━ disse Gandalf rapidamente, tentando dissipar a ideia. ━ Eu não diria...
━ Quantos, então? ━ perguntou Dori, curioso.
━ Sim, quantos dragões você matou? ━ ecoou outro anão.
Gandalf, claramente incomodado, começou a gaguejar, torcendo seu cachimbo entre os dedos enquanto pensava numa resposta. No entanto, antes que ele pudesse falar, metade da companhia já estava discutindo, defendendo o mago, enquanto a outra metade o pressionava por um número exato.
━ Vá em frente! Diga o número! ━ provocou Bofur.
O debate esquentou, com anões levantando-se da mesa, e Bilbo, no canto, olhava desesperado para os lados, como se temesse que a confusão chamasse atenção de seus vizinhos.
De repente, o som poderoso de Thorin falando em sua língua nativa ecoou pela sala, silenciando instantaneamente a multidão. Ele se levantou, sua presença autoritária dominando a sala. Até Elowen, que permanecera observando à distância, ficou impressionada com a força em sua voz.
━ Se lemos esses sinais ━ disse Thorin, com sua voz grave e firme ━, você não acha que os outros também não os leram? Rumores começaram a se espalhar. O dragão Smaug não é visto há 60 anos. Agora, eles estão olhando para o leste, para a montanha. Avaliando. Imaginando. Pesando o risco.
O silêncio se espalhou pela sala enquanto Thorin continuava:
━ Talvez a vasta riqueza do nosso povo agora esteja desprotegida. Eles nos tentarão enquanto hesitamos. Mas isso é nosso por direito, e vamos aproveitar esta chance de retornar a Erebor!
A companhia de anões ao redor da mesa começou a bater suas canecas e murmurarem em aprovação. Eles estavam prontos para seguir seu líder. No entanto, Balin levantou uma questão importante, cortando a crescente animação.
━ Você se esqueceu? ━ disse ele com a voz grave. ━ O portão da frente está selado. Não há como entrar na montanha.
Esse comentário fez o entusiasmo dos anões esmorecer rapidamente. O silêncio novamente pairou no ar, e a esperança que se construía parecia prestes a desaparecer. Mas então, Gandalf interveio com um leve sorriso em seus lábios:
━ Isso, meu caro Balin, não é inteiramente verdade ━ disse o mago, fazendo uma pausa dramática antes de continuar.
Os olhares se voltaram para Gandalf com uma mistura de curiosidade e esperança. Gandalf, com uma teatralidade característica, tirou uma chave antiga de suas vestes, levantando-a para que todos pudessem ver. O metal, embora envelhecido, ainda reluzia sob a luz da sala.
━ Como você conseguiu isso? ━ questionou Thorin, com olhos arregalados, ao ver a chave na mão de Gandalf.
━ Foi-me dada pelo seu pai ━ respondeu o mago calmamente. ━ Por Thráin, para guardar em segurança. É sua agora.
Thorin pegou a chave sem hesitar, segurando-a firmemente. Uma fagulha de esperança começou a crescer em seu peito. Finalmente, tinham uma chance.
━ Se há uma chave, deve haver uma porta ━ disse Fili, com curiosidade.
Gandalf assentiu, apontando com o cachimbo para a escrita estranha gravada no lado esquerdo do pergaminho.
━ Estas runas falam de uma passagem oculta para os salões inferiores ━ explicou o mago. ━ Há outra entrada. Bem... se pudermos encontrá-la. Mas as portas dos anões são invisíveis quando fechadas. A resposta está escondida em algum lugar neste mapa, e eu não tenho a habilidade necessária para descobri-la. Mas há outros na Terra-média que podem.
Os anões se inclinaram para frente, atentos ao que ele diria em seguida.
━ A tarefa que tenho em mente exigirá discrição e não pouca coragem ━ continuou Gandalf. ━ Mas se formos cuidadosos e espertos, acredito que pode ser feita.
━ É por isso que precisamos de um ladrão ━ falou Oin, de repente.
━ Hum, e um bom também, eu imagino ━ refletiu Bilbo, sem perceber o olhar que estava se voltando para ele.━ Um especialista, eu diria.
━ E você é? ━ questionou Gloin, encarando-o com seriedade.
Bilbo, levantando os olhos do pergaminho, notou que todos os olhares estavam voltados para ele. Olhou rapidamente por cima do ombro, como se esperasse que estivessem falando de outra pessoa, mas não havia ninguém mais ali.
━ Eu sou o quê? ━ perguntou, confuso.
━ Ele disse que é um especialista! ━ exclamou Oin.
━ Eu? Não, não, não, não, não! Eu não sou um ladrão! Nunca roubei nada na minha vida! ━ respondeu Bilbo, agitado.
━ Acredite em mim, ele não vai conseguir fazer isso ━ alertou Elowen do canto.
━ Bem, temo que tenho que concordar com o Sr. Bolseiro ━ disse Balin, balançando a cabeça. ━ Ele dificilmente parece um ladrão.
━ Sim ━ concordou Dwalin, com os braços cruzados. ━ A natureza selvagem não é lugar para pessoas gentis que não conseguem lutar nem se defender.
Sentimentos mistos começaram a surgir ao redor da mesa, enquanto a companhia debatia entre si se Bilbo era a pessoa certa para o trabalho. As vozes aumentaram, e o desentendimento logo tomou conta do grupo.
Foi então que Gandalf se levantou abruptamente. A sala pareceu escurecer, e sua voz ecoou com autoridade:
━ Eu disse que Bilbo Bolseiro é um ladrão, então ele é um ladrão!
O silêncio tomou conta do ambiente, enquanto a escuridão se dissipava. A presença de Gandalf dominava o lugar. Após uma pausa tensa, ele continuou em um tom mais calmo:
━ Os hobbits são notavelmente leves em seus pés. Na verdade, eles podem passar despercebidos pela maioria se quiserem. E enquanto o dragão está acostumado ao cheiro de anão, o cheiro de um hobbit é quase desconhecido para ele. Isso nos dá uma vantagem distinta.
Os anões, embora relutantes, começaram a considerar as palavras de Gandalf. O plano parecia arriscado, mas talvez... apenas talvez, fosse exatamente o que precisavam.
O mago olhou para Thorin e
retomou seu assento.
━ Você me pediu para encontrar o décimo quarto membro desta companhia, e eu escolhi o Senhor Bolseiro. Há muito mais nele do que as aparências sugerem, e ele tem muito mais a oferecer do que qualquer um de vocês sabe, incluindo ele mesmo.
Thorin sentou-se, pensativo, ponderando se era realmente uma boa ideia levar o hobbit. Baseado nas primeiras impressões, ele ainda tinha dúvidas. No entanto, as palavras de Gandalf sempre pesavam bastante e raramente eram ditas sem cuidado.
― Você deve confiar em mim━ insistiu o mago.
― Muito bem ━ respondeu Thorin, relutante.
Bilbo olhou para a parte de trás da cabeça de Thorin como se o anão fosse louco. Ele definitivamente não esperava que Thorin concordasse.
━ Faremos do seu jeito ━ disse Thorin.
━ Não, não, não ━ Bilbo tentou protestar, mas sem sucesso.
━ Dê o contrato a ele, Balin━ ordenou Thorin.
Balin, de pé, estendeu um pergaminho grosso.
━ É só o de sempre━ explicou o anão mais velho.━ Resumo das despesas do próprio bolso, tempo necessário, remuneração, arranjos funerários e assim por diante.
Bilbo, percebendo que não conseguiria evitar a situação, observou Thorin pegar o contrato e forçá-lo contra seu peito.
━ Arranjos funerários? o hobbit questionou, alarmado.
Ao abrir o pergaminho dobrado, ele se deparou com uma lista extensa de exigências e termos do acordo. Elowen, observando da parede, inclinou-se curiosa para ler também.
━ Pagamento ao final da jornada, não excedendo o valor de um quatorze avos do lucro total, se houver━ Bilbo leu em voz alta. ━ Parece justo... A presente companhia não será
responsável por injúrias infligidas ou recebidas como consequência da direta, incluindo, mas não se limitando a,lacerações, evisceração, desmembramento ou decapitação.━ Ele olhou, incrédulo, para os outros ao redor da mesa. ━ Incineração?━perguntou Bilbo, espantado.
━ Oh, sim ━ respondeu Bofur casualmente. ━ Ele derreterá a carne dos seus ossos em um piscar de olhos.
Com os braços caídos, Bilbo desviou o olhar, tentando processar a ideia de incineração. Sua mente vagava pela perspectiva de perigo iminente, e ele começou a se sentir tonto.
━ Nossa...━ murmurou Elowen, ao notar o desconforto de Bilbo.
Ela conhecia bem o primo e sabia que qualquer coisa envolvendo dor e morte o aterrorizava. A ideia de sangue ou ferimentos já era suficiente para deixá-lo fraco.
━ Você está bem, jovem? ━ perguntou Balin, ao perceber o rosto pálido de Bilbo.
━ Hum? Sim... ━ respondeu o
hobbit, visivelmente enjoado. ━
Estou me sentindo um pouco fraco.
━ Pense numa fornalha com asas ━ acrescentou o anão de chapéu, rindo. ━ Um clarão de luz, uma dor lancinante, e puff! Você vira uma pilha de cinzas.
Elowen suspirou profundamente, sabendo que isso não acabaria
bem.
━ Agora você conseguiu ━ murmurou, já esperando o inevitável.
Bilbo soltou um gemido engasgado antes de desmaiar e cair para trás, inconsciente.
Bilbo acordou de seu desmaio e estava sentado em sua poltrona, tomando uma caneca de chá. Sua prima, Elowen, sentou-se ao lado dele e, preocupada, disse:
━ Se você se sentiu fraco, deveria ter se sentado.
━ Eu vou ficar bem ━ Bilbo respondeu, estressado. ━ Só me deixe ficar sentado em silêncio por um momento.
━ Você ficou sentado em silêncio tempo demais ━ interrompeu Gandalf, com um tom de brincadeira. ━ Diga-me, quando os panos de prato da sua mãe se tornaram tão importantes para você? Lembro-me de dois jovens hobbits.
Os olhos do mago brilharam ao recordar as memórias dos dois jovens, sempre correndo atrás de elfos na floresta, ficando fora até o anoitecer e voltando para casa depois que a escuridão caía, deixando rastros de lama, galhos e vagalumes.
Elowen sorriu ao relembrar aqueles dias. Era verdade que os dois viveram muitas aventuras, e ela se viu sentindo falta da simplicidade daqueles tempos com seu primo mais novo.
━ Jovens hobbits que gostariam de nada mais do que descobrir o que havia além das fronteiras do Condado ━ continuou Gandalf. ━ O mundo não está em seus livros e mapas, está lá fora.
━ Eu não posso simplesmente sair correndo do Condado. Eu sou um Bolseiro de Bolsão! ━ Bilbo insistiu, sua voz tingida de indignação.
━ Mas você também é um Tûk ━ disse Gandalf, o tom de sua voz desafiador.
Bilbo suspirou frustrado.
━ Você sabia que o seu tataravô, Bandobras Tûk, era tão grande que conseguia montar um cavalo de verdade?
━ Sim, sim, bem, ele podia ━ disse Gandalf, com um brilho de humor nos olhos. ━ Na batalha dos Campos Verdes, ele atacou as fileiras orcs. Ele bateu com sua clava com tanta força que arrancou a cabeça do rei orc e a jogou a centenas de metros pelo ar até que caiu em uma toca de coelho. E assim a batalha foi vencida. E o jogo de golfe foi inventado ao mesmo tempo!
━ Acredito que você inventou essa última parte ━ retrucou Bilbo, um sorriso involuntário se formando em seus lábios.
Gandalf riu, sentando-se de forma descontraída.
━ Bem, todas as boas histórias merecem um toque de embelezamento. Você terá um conto ou dois para contar quando voltar.
━ E você pode prometer que eu vou voltar? ━ Bilbo questionou, a ansiedade tomando conta dele.
Houve um momento de silêncio. Gandalf olhou nos olhos de Bilbo e respondeu:
━ Não. E se fizer isso, você não será o mesmo.
Suspirando pesadamente, o Hobbit pousou a xícara e se levantou.
━ Foi o que eu pensei. Sinto muito, Gandalf. Eu não posso assinar. Você pegou o hobbit errado.
Elowen seguiu seu primo rapidamente, tentando convencê-lo de que essa era a oportunidade que ele sempre esperou. No entanto, Bilbo foi ágil demais; antes que ela pudesse alcançá-lo, ele disparou pelo corredor mais longo em direção a outra parte da casa, buscando a solidão. Ela parou, respirando pesadamente, e se recostou na parede, frustrada.
━ Parece que perdemos nosso ladrão ━ comentou Balin, acenando com a cabeça.
Elowen, em um momento de distração, percebeu que havia anões ocupando o salão adjacente. Balin continuou:
━ Provavelmente para melhor. As probabilidades sempre foram contra nós. Afinal, somos mercadores, mineradores, consertadores, fabricantes de brinquedos, dificilmente o material de uma lenda.
━ Há alguns guerreiros entre nós ━ disse Thorin, com um tom de determinação.
━ Velhos guerreiros ━ afirmou Balin, com um olhar nostálgico.
━ Eu escolheria cada um desses anões em vez de um exército das colinas de ferro, pois quando eu os chamei, eles responderam. Lealdade, honra, um coração disposto. Não posso pedir mais do que isso ━ completou o príncipe anão.
Elowen observava a conversa, admirando a bravura dos anões. Embora não tivesse certeza do que estava acontecendo exatamente, ela sabia que a tarefa à frente deles não seria fácil. As costas deslizaram silenciosamente pela madeira até que uma voz a interrompeu.
━ E o que você vai fazer?
Assustada, Elowen levantou a cabeça rapidamente e encontrou Gandalf parado na passarela.
━ Eu não queria espionar ━ ela admitiu timidamente.
O mago ignorou a defesa dela e insistiu:
━ Mas o que você vai fazer?
━ Não tenho certeza. Você veio aqui por Bilbo, não por mim ━ disse ela, olhando na direção onde seu primo havia desaparecido. ━ Tem que ser escolha dele, não posso forçá-lo a nada. E eu não vou deixá-la aqui se o que você está me pedindo é para preencher o lugar dele. Você tinha fé nele, então deve continuar assim.
━ Eu também tenho fé em você ━ confessou o mago.
Os olhos deles se encontraram novamente, a conexão entre eles era palpável.
━ Então por que você não me perguntou? ━ Elowen desafiou.
━ Porque você não estava em casa quando eu passei ━ respondeu Gandalf, com um toque de ironia.
━ Então, você poderia ter vindo até a minha casa ou até a forja. Mas é óbvio que você sabe mais sobre nós dois do que deixamos transparecer ━ ela retrucou, com um olhar penetrante.
O mago riu, um som suave que preenchia o espaço ao redor deles.
━ Você é uma mestiça interessante, Elowen Tûk. Mas o seu caminho não é o de uma ladra.
Ela arqueou a sobrancelha, intrigada.
━ Então, qual é o meu caminho?
━ Isso ainda precisa ser determinado ━ disse Gandalf, olhando fixamente para ela, como se visse além do presente e pudesse vislumbrar um futuro mais amplo.
Elowen ficou em silêncio, ponderando sobre as palavras do mago. A incerteza e a esperança lutavam dentro dela, mas uma coisa estava clara: sua jornada estava apenas começando, e ela não poderia se afastar agora.
A noite avançava, e as primeiras horas da manhã se aproximavam lentamente. Os anões estavam reunidos na sala de estar, onde um fogo crepitava na lareira, lançando uma luz suave e calorosa que iluminava o ambiente aconchegante. O aroma de fumaça proveniente dos cachimbos dos anões preenchia o cômodo, criando uma atmosfera íntima e tranquila. As demais luzes estavam apagadas, dando ao lugar um ar de conforto.
Elowen se acomodou em uma das cadeiras grandes, coberta por almofadas, uma que Bilbo costumava ocupar quando se perdia em um bom livro. Às vezes, ela se sentava ali após um longo dia, buscando descanso na companhia do primo. Contudo, Bilbo não aparecia desde que saíra da sala de estar. Ele se isolara em seu quarto, encostado em um poste, perdido em pensamentos que pareciam profundos e perturbadores.
Ela desejou poder falar com ele, mas sentia que, em seu atual estado de espírito, não conseguiria fazer nada que o confortasse. Com as pernas puxadas para cima, deitando-se de lado, sua cabeça repousava no braço enquanto observava as chamas dançantes da lareira. Havia algo hipnotizante naquelas chamas, uma beleza que sempre a encantava. A forma como a luz se movia e brilhava era quase mágica; as chamas pareciam ter vida própria, refletindo emoções que Elowen não conseguia expressar em palavras.
Um zumbido baixo começou a surgir entre os anões, uma melodia suave que ecoava no ambiente. Era um tom profundo, quase sem palavras, que criava um efeito calmante. Elowen fechou os olhos, permitindo-se ser envolvida pela música e pelo calor do fogo. Gradualmente, suas pálpebras pesaram, e ela começou a se deixar levar por um estado de sonolência, como se o canto dos anões e o calor da lareira a envolvessem em um abraço reconfortante. A combinação da melodia e da luz dançante a fez sentir que, mesmo em tempos de incerteza, havia beleza e calma a ser encontrada ali, no seio de seus amigos.
“Para além das nebulosas montanhas frias
Adentrando cavernas, calabouços cravados
Devemos partir antes de o Sol surgir
Em busca do pálido ouro encantado
Operavam encantos anões de outrora
Ao som de martelo qual sino a soar
Na profundeza onde dorme a incerteza
Em antros vazios sob penhascos do mar
Para o antigo rei e seu elfo senhor
Criaram tesouros de grã nomeada
As Pedras plasmaram e luz captaram
Prendendo-a nas gemas do punho da espada
Em colares de Prata eles juntaram
Estrelas floridas fizeram corôas
De fogo dragão e no mesmo cordão
Fundiram a luz do Sol e da Lua
Para além das nebulosas montanhas frias
Adentrando cavernas calabouços perdidos
Devemos partir antes de o Sol surgir
Buscando tesouros há muito esquecidos
Para seu uso taças foram talhadas
E harpas de ouro, onde ninguém mora
Jazeram perdidas e suas cantigas
Por homens e elfos não foram ouvidas
Zumbiram pinheiros sobre a montanha
Uivaram os ventos em noites azuis
O fogo vermelho queimava parelho
As árvores como tochas em fachos de luz
Tocaram os sinos chovendo no vale
Erguiam-se pálidos rostos ansiosos
Irado o dragão feroz se insurgira
Arrasando casas e torres formosas
Sob a luz da Lua furavam montanhas
Os anões ouviram a marcha final
Fugiram do abrigo achando o inimigo
E sob seus pés a morte ao luar
O mundo jovem, as montanhas verdes
E limpa era da Lua a fronte
Sem peia pedra e rio então
Vagava Durin na solidão
A monte e vale nomes deu
De fonte nova ele bebeu
No Lago-espelho, foi se olhar
E viu um diadema estelar…”
Os anões haviam arrumado suas camas em diversos cômodos da casa, já que os colchões eram escassos. No entanto, isso não importava; o essencial era ter um teto sobre suas cabeças e um lugar seco para dormir. Para os anões, essa simplicidade era suficiente. Thorin se movia pelos corredores, retornando à sala de estar, onde Balin dormia tranquilamente em uma das cadeiras próximas à lareira. Thorin dormiria mais perto da entrada. Era um local estratégico, perto da porta, em caso de visitantes indesejados. Depois de anos na estrada, Thorin havia se tornado cauteloso por natureza.
Ao perceber que Balin descansava pacificamente, Thorin lembrou-se de que havia uma jovem na sala. Elowen! Ele se esqueceu dela, supondo que ela já estivesse na cama como qualquer hobbit. Movendo-se novamente, seu olhar se fixou nela, que envolvia seu corpo com os braços. O príncipe pegou um dos cobertores de uma das cadeiras e colocou sobre ela.
Para sua surpresa, ela segurou seu pulso ao acordar lentamente, seus olhos se abrindo com preguiça. Com um olhar curioso, perguntou: ━ O que você está fazendo?
━ Você estava com frio ━ respondeu Thorin, mantendo a seriedade.
Ela olhou para o cobertor e, com um leve sorriso, disse: ━ Obrigada━ Soltando o punho dele, levantou-se e esticou o corpo, bocejando.
━ Está tarde, eu não devia ter me demorado tanto ━ ela comentou, dirigindo-se à porta. ━ Tenho que ir para casa. Meu pai está doente, então, tenho que ficar com ele.
Thorin a observou enquanto ela se movia em direção à saída. ━ Boa noite, senhorita Tûk ━ disse ele.
━ Boa noite, Thorin━ ela respondeu, voltando-se para ele com um último sorriso.
━ Melhoras ao seu pai.
Ela agradeceu e saiu, notando que a luz do amanhecer começava a se aproximar, trazendo consigo uma nova esperança para o dia que se seguia. Thorin ficou ali por um momento, pensando em como o mundo estava mudando e na determinação que aqueles que estavam ao seu lado pareciam ter, mesmo diante das adversidades.
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