X - Casulo
O campo está silencioso.
Não, isso não é correto. Há um ruído, meio abafado, mas não se trata de vozes. Helena pensa que é o barulho que a grama faz quando é partida, aquele fiapo verde sendo desligado da parte que cresce do chão. Está escuro, mas a garota sabe que seus olhos estão bem abertos. Pode concluir, então, que algo obstrui sua visão, como uma venda. Tenta se concentrar e descobrir o que é, mas apenas uma sensação quente e grosseira é devolvida.
Não entre em pânico, alerta a si mesma. Sua mente, em contrapartida, aciona todos os alertas. Isso acontece quando Helena percebe que não pode mexer o seu corpo. Não como se estivesse paralisada, mas como se estivesse presa. Respirar exige um grande esforço, pois ela sente o ar faltar. Um grande cobertor de ferro a está sufocando, ela pensa. É como aquele pesadelo em que o elevador, uma terrível cabine de ferro, fica cada vez menor, colando-se à pele dela enquanto morre lentamente pela falta e ar.
Seus sentidos começam a ficar elétricos enquanto uma sensação esmagadora se assoma contra ela. Helena está presa e não consegue se mexer. Não consegue respirar. Não consegue pensar.
– Socorro! Socorro! – Ela grita, embora seja um som abafado. Lágrimas umedecem seus olhos.
O único movimento que consegue fazer é com os dedos e ela tenta a todo custo rasgar aquele tecido grosseiro e pesado que a prende.
Eu vou morrer, Helena pensa. Eu vou morrer, eu vou morrer, eu vou morrer.
Soluçando e já sentindo a consciência pesando pela falta e oxigênio, algo pressiona seus braços, fazendo-a recobrar um pouco da atenção. Ela grita mais algumas vezes e sacode o corpo, tentando se fazer ser notada.
Mais apertões e puxões e Helena tem a sensação de que cordas estão atadas por todo o seu corpo. Mais barulho de grama se partindo e, repentinamente, o mundo se enche de luz novamente. Helena respira e respira. Uma parte ela ainda está em pânico, porque embora possa ver o céu entre as frestas da copa da árvore, ainda não consegue se mexer.
– Meus braços! Meus braços! Por favor, me ajude! – Implora a quem quer que pertença a silhueta que se ergue sobre ela.
– Fique calma, mocinha. Já estamos terminando. – É a voz do professor. Ele está calmo, trabalhando metodicamente para soltar a garota. – Apenas respire, está bem? Vai ar tudo certo.
Depois de alguns minutos apenas respirando e chorando, Helena sente a brisa tocar as partes do seu corpo que, outrora, estavam imóveis. Depois e alguns segundos lança um olhar para o chão. Uma pilha de raízes e cipós jaz em volta o seu corpo. Estão quebrados e retorcidos, como se arrancados à força.
– Você sabe o que aconteceu? – O professor pergunta com a voz cheia de calma.
Helena as lágrimas remanescentes com as mãos. Ela quer negar, mas não pode. Devagar, ela faz que sim com a cabeça.
– É perfeitamente natural, ok? Não precisa se preocupar. – Responde em voz baixa e, depois, se vira para o outro lado.
Helena segue seu olhar e engole em seco. Os alunos ainda estavam ali, na outra ponta, observando tudo. Eles olhavam cheios de pena para a garota. Até mesmo Gil parecia preocupada, mas desviou o olhar assim que Helena a flagrou.
– O que a colega acabou de fazer é um ato de autopreservação. – O professor diz, voltando a dar sua aula. – Alguns de nós passam por situações traumáticas que antecedem o Despertar e, muitas vezes, podem ser a causa dele. Mais cedo, pedi que vocês relembrassem esses eventos, por isso eu estava preparado para uma reação parecida.
Helena cerra os punhos. Ela culpava o professor pelo que tinha acontecido, pela humilhação, e o pânico e o medo. Se ele sabia que iria acontecer, porque não fez nada para impedir? Para alertá-los?
– Eu sei que essas reações podem parecer assustadoras, mas não tenham medo. Eu os estou supervisionando, então poderei ajudar. Agora quero que vocês voltem a se concentrar em desenrolar o novelo, o.k.? – Dizendo isso, ele se virou para Helena. – Vamos conversar um pouco. Primeiro, me diga qual o seu nome.
– Helena. – Ela responde depois de tomar três respirações profundas.
– Muito bem. Eu me chamo Parmy. – Ele lança um sorriso, que não é devolvido. – Você acabou de passar pelo primeiro estágio do nosso treinamento. Eu entendo que você esteja com medo e, talvez, até zangada, mas tudo isso faz parte do nosso processo de aprendizado.
– Você podia ter nos avisado!
– Mas aí você teria medo de tentar, não é verdade? – Ele ergue as sobrancelhas quando a garota fica em silêncio. – Muitos de vocês chegam aqui cheios dos seus preconceitos, achando que o que é feito aqui é uma atrocidade da natureza. Eu não culpo nenhum de vocês. Seus pais os colocaram na frente da televisão antes mesmo de aprenderem a falar, então desde pequenos são alienados pela grande mídia sobre o que somos. Mas sabe o que somos e verdade? O que você é de verdade? Uma Mística. Um ser maravilhoso que possui capacidades além do pensamento humano. Isso assusta você? Saber que você é melhor que eles?
– Eu não sou melhor que ninguém.
– Então porque age como se fosse melhor que qualquer um de nós? – Mais uma vez silêncio. – Não se preocupe. Leva tempo para se acostumar, mas você vai. Aprenda a ter orgulho do que você é. Aprenda a controlar essa sua magia.
– E se eu não quiser praticar magia? – Ela pergunta, indulgente.
– Você não tem escolha, criança. – A voz de Parmy muda de extremamente calma para cheia de pena.
– Mas você disse...
– Algumas classes de poderes não podem ficar adormecidas para sempre. As sereias podem ficar a vida sem cantar. Os metamorfos não precisam se transformar. Mas um elementar não pode passar muito tempo sem praticar seu poder.
– Um elementar? É o que eu sou? E o que isso quer dizer?
– Quer dizer que existem energias primárias que sustentam a magia do universo. A maioria de nós recebe esse poder de forma diluída, misturada. Mas alguns, como você, tem o dom de entrar em contato direto com uma dessas energias. – A forma como ele disse, para Helena, não fez parecer um dom.
– E como você sabe disso, o que sou?
– Em todos esses anos lecionando, eu nunca vi nenhum outro místico, senão os elementais, convocar a terra como você fez.
– Conv... Hnm... – Helena parou, pensando. Isso, na verdade, explicava muita coisa. – Então, eu não tenho escolha? O que acontece se eu não fizer nada?
– Eu não deveria te assustar, mas como vejo que está inclinada a fazer alguma burrice, eu direi a verdade. – Ele parou, complacente. – Você iria à loucura. Sua magia iria consumir você, toda a sua mente. Não restaria nada. Nadinha.
– Professores deveriam falar assim com os alunos? – Ela riu, nervosa. Seu corpo estava todo tenso e a cabeça começava a doer de novo.
– Eu não sou um professor, querida. Sou um Mestre de Magia. – Ele fez um floreio com a mão e se ergueu. – Eu sugiro que, assim como os demais, você procure o novelo.
Helena olhou para o chão novamente, vendo o que acontecera. O que ela fizera. Um casulo verde, que quase a matara de pânico.
Sem precisar de mais algum incentivo, ela começou a desenrolar o nó.
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