VI - A Verdade
O pedaço de céu que preenchia a janela de Helena estava repleto de pontinhos luminosos. Na escuridão da noite não era possível ver a cortina de ferro que circundava o mar. Aquela cortina que nunca antes parecera tanto os muros de uma prisão.
Helena estava no peitoril, encolhida. Não derramou uma lágrima desde que chegaram e, por algum milagre, Vitor não fez comentários. Ainda estava meio em choque. Na primeira vez tinha sido difícil, mas agora era ainda pior. Não tinha mais como evitar o inevitável. Lançou um olhar para o caixote ao lado da cama. Tinham dado uma folga, um tempo para se adaptar. Não que todo o tempo do mundo fosse o suficiente. Mas agora ela teria que começar a construir a vida dela naquela ilha.
Escorregando do peitoril até o chão, Helena se aproximou da caixa. Dentro, algumas roupas de cores padronizadas e uma pilha de livros. O tecido das roupas era engraçado, como couro, mas ao mesmo tempo não. Não pareciam muito confortáveis. Deixando as vestimentas de lado, ela pegou os livros e folheou os títulos. "Manual de Magia 101", "História e Tradições"...
– Posso entrar? – Disse uma voz depois de algumas batidas suaves.
Engolindo em seco e levantando-se, Helena abriu a porta devagar, revelando o rosto de uma garota. Ela estava com as roupas de dormir e o longo cabelo negro emoldurava seu rosto.
– Caroline, certo? – Helena arriscou. A garota assentiu e, sem esperar uma permissão, entrou no quarto. Tentou não se importar com o gesto.
– Desculpa a invasão, mas eu queria falar com você antes dos outros. – Ela comentou e indicou a cadeira. – Posso sentar?
Helena anuiu e fechou a porta, indo se sentar na borda da cama.
– Eu soube do teste. – Um segundo em silêncio. – Vai ser um pouco difícil, mas você vai se acostumar.
– Eu duvido muito. – Helena lançou um olhar para a janela. – Como é? A magia?
Outro momento silencioso e a garota estava quase retirando a pergunta.
– É diferente... – pensou um pouco – mas é bom também. É como descobrir um novo sentido para as coisas e parece tão vital como beber água. E no fundo, você vai se perguntar... Vai se perguntar como pôde viver sem isso.
– É perigoso? – Helena continuou, tentando ignorar uma sensação na boca do estômago.
– Só se você não souber usar. – Caroline deu de ombros. – Mas para isso é que tem o centro de estudos e tudo o mais. De qualquer forma, eu não vim aqui só bater papo. Toma.
Ela estendeu um frasco de vidro com um líquido esbranquiçado dentro. Helena o agitou contra a luz, mas não adivinhou o que era.
– A primeira noite é sempre muito difícil, por causa dos pesadelos e tudo. Isso é pra te ajudar a dormir, descansar direito e essas coisas. Amanhã vai ser um dia cheio.
– Olha, eu não sei...
– Não se preocupe, é seguro, juro.
– Eu vou pensar sobre isso. – Helena disse de forma sincera. A outra apenas deu de ombros.
– De qualquer forma, as coisas aqui são o.k. Eu sei que parece assustador com todas aquelas histórias que a gente escuta lá fora, mas não é bem assim. Você é uma de nós agora, vai ver como a maior parte dessas coisas é mentira. E sabe o que eu acho? O mundo é bem mais assustador o lado deles.
Helena não sabia como responder àquela afirmação, então ficou em silêncio.
– Eu já vou indo. Bom, foi um prazer, Helena. Espero que possamos ser amigas. – Caroline disse, se dirigindo à porta. – E lembre-se, o primeiro passo para lidar com a situação é aceitá-la.
Antes que Helena pudesse tecer qualquer comentário, a garota já caminhava pelo corredor, de costas.
***
Tinha um relógio na parede do quarto de Helena. Ele não fazia barulho, nem mesmo um tic-tac. O ponteiro das horas parecia alerta, andando cada vez mais rápido. A garota encarava o relógio, quase esperando que ele diminuísse a velocidade. Mas ele não fazia.
Um pequeno frasco de vidro estava pousado sobre a escrivaninha. Ele zombava dela, fazia pouco e sua cara. Quanto mais tempo demorava para Helena pegar no sono, mais as sombras o seu quarto se pareciam com garras, monstros espreitando em cada fresta. Ela estava toda encolhida na cama, tentando contar as fendas do teto. Antes que ela chegasse no 157, seu pensamento embaralhava e se voltava para as sombras do quarto.
Não poderia ter nada de tão mal naquele frasco. Talvez fosse laxante, mas ela não se importava. Àquela altura, um noite no banheiro parecia mais agradável do que ficar encarando as sombras.
Rápido, antes que pudesse pensar, ela sacou a tampa e derramou o conteúdo na boca. Não tinha gosto e nem odor, o que a deixou conjecturando sobre a sua composição.
Voltou os olhos para o teto novamente, começando a contar as fendas. Dormiu antes de chegar no 15.
***
– Dormiu bem? – Caroline perguntou quando Helena se aproximou da mesa de café da manhã.
– Sim, obrigada. – Comentou de forma sucinta. Se fosse honesta, diria que fora uma das melhores noites de sono da sua vida. Ela tinha descansado tão bem que sua motivação estava no auge. Se ignorasse toda a tragédia e desgraça, poderia dizer que estava pronta para sua nova vida.
– Estamos falantes hoje! – Beth comentou enquanto entregava um prato para que Helena se servisse. – Pena que estão atrasados! Vamos, vamos, comam rápido e sem enrolar.
O café da manhã passou em um instante. No outro, todos estavam na minivan de Beth. Enfurnada entre a bolsa e a janela do carro, Helena meditou sobre o que a aguardava no resto do dia e porque aquilo soava como o primeiro dia em uma escola nova. Uma escola nova cheia de criaturas mágicas.
Nada podia ser mais aterrorizante.
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