V - Sorte
Quando a porta abriu, um burburinho se espalhou pela casa, alcançando os ouvidos de Helena. Seu corpo travou e ela observou, impotente, enquanto o grupo entrava. Eles estavam ofegantes, alguns rindo e outros mais sérios.
Beth foi a primeira a notar que ela estava na cozinha, deixando a garota incapaz de fazer qualquer coisa senão ficar parada e aguardar o que poderia estar a caminho.
– Você acordou! – Beth a saudou. Todos os olhares se voltaram em sua direção. Helena engoliu em seco, sem saber como reagir e se sentindo um pouco invasiva por pegar a comida sem permissão. – Vamos, vamos! O café estará pronto em alguns minutos. Aproveitem para se trocar e depois venham se juntar à nós.
O grupo se dispersou enquanto Beth ia para a cozinha, tirando habilmente as coisas dos armários e depositando no balcão.
– Fico feliz que você já tenha se servido. Não precisa ficar tímida, o.k.? Imagino como deve ter ficado nervosa, mas lembre-se: o primeiro passo é sempre o mais difícil! Logo você vai se adaptar...
– Eu não vou me adaptar. Não sou uma de vocês. – Helena disse com a voz trêmula. Estava com medo, mas tinha que impor algumas coisas sobre ela mesma.
– Ah, claro... Ainda tem isso. – Beth parou um pouco, batucando o queixo, mas depois alargou o sorriso, fazendo Helena estremecer levemente. . – Bom, um dos nossos ou não, o café da manhã continua sendo a refeição mais importante do dia! Então, vá, vá. Eu levo suas coisas para a mesa.
Sem conseguir resistir, Helena foi para a mesa e sentou-se, os passos duros e incertos de quem não queria ter feito aquilo.
Ela quase abriu a boca para contestar a ordem, mas não conseguiu. Imobilizou-se, impotente, enquanto aquela estranha mulher dispunha as coisas em sua frente. Mirou com desconfiança, mas Beth apenas cantarolava alguma coisa qualquer enquanto se voltava para a cozinha, sem olhar duas vezes para a garota.
Pouco a pouco os adolescentes iam chegando. Uma garota se sentou ao lado de Helena e alternava seus olhares entre ela e Beth. Logo depois um garoto chegou. Ele sorria tão largamente que seus olhos – já pequenos e puxados – desapareciam completamente.
– Você está tão linda quanto o nascer do sol! – Cumprimentou a garota ruiva, sentando-se na frente dela.
Ela apenas revirou os olhos, mas um leve rubor coloriu suas bochechas e acentuou as sardas.
– Acordou de bom humor, Philip? – Uma segunda garota se juntou ao grupo. Ela tinha uma expressão forte, mas parecia sorrir com facilidade.
– Acordei apaixonado, Caroline. O amor faz milagres, devia experimentar. – Philip respondeu tranquilamente. Alguns segundos depois, um baque surdo e um gemido de dor deram indicações de que uma das duas garotas o chutou por debaixo da mesa. As duas, talvez.
– Você parece péssimo, David. – A garota comentou enquanto o último integrante do grupo se aproximava. Philip e Caroline se viraram para observar.
– Eu me sinto péssimo, Júlia. Tive uma noite de sono perturbadora. – Ele resmungou, tomando seu lugar na cabeceira da mesa e lançando um olhar emburrado na direção de Helena, que ignorou.
– Vai ficar melhor, eu prometo. – Beth comentou quando ninguém mais soube como reagir.
Helena ignorou todos na mesa e se esforçou para comer o mais rápido possível sem vomitar. Ninguém tentou puxar assunto com ela, tampouco, o que considerou uma benção.
Assim que bebeu o último gole do suco e todos pareciam olhar com um misto de incredulidade e divertimento, ela se levantou e andou com passos apressados até o quarto. Não tentaram impedi-la, nenhuma ordem para que voltasse e interagisse com o grupo.
Helena fechou a porta atrás de si, decepcionada por não encontrar nenhuma chave que pudesse trancá-la. Se contentou em empurrar silenciosamente uma cadeira e prende-la na maçaneta, como havia visto nos filmes. Caminhou até a cama e ficou ali até que escutou o som do carro saindo da casa, junto com todos os integrantes da casa.
Sentou-se no peitoril da janela, apreciando a visão dos fundos da casa. Era uma vista privilegiada, já que a falta de construções e o fato de estar no segundo andar permitia que ela enxergasse uma parte da praia e do mar.
Havia, também, um extenso paredão de ferro que circundava a ilha, alguns quilômetros no alto mar. A luz do sol refletia no ferro e tornava a vista desagradável, mas Helena continuou olhando, com mil perguntas na cabeça.
– Ainda se escondendo? – Uma voz conhecida soou do outro lado da porta. Helena pulou, quase caindo, e foi receber quem quer que fosse. O rosto de Vitor estava emoldurado na batente.
– Alguma novidade? – Helena perguntou, mal abrindo a porta antes que as palavras saíssem. Se Vitor estava ali, deveria ter alguma alteração no seu caso.
– Você é uma garota de muita sorte. Uma embarcação com um aparelho de testes estava saindo de uma ilha próxima quando pedimos que desviasse o curso. Eles chegam no fim da tarde de hoje.
Helena ficou parada, em choque. Ela iria refazer o teste muito mais cedo do que previra. Poderia saber a verdade sem ter que ficar se torturando por mais dois dias. Mas porque essa nova perspectiva a deixou nervosa?
– Está com as convicções abaladas? – Vitor riu, fazendo com que o temperamento de Helena aflorasse. Detestava que ele pudesse ver seus pensamentos.
– Era tudo o que você tinha para dizer? – Perguntou de forma grosseira.
– Ora, um velho amigo não pode mais aparecer para visitas? Ou está preocupada que eu esteja aqui para demovê-la de seus objetivos? Não se preocupe, você vai fazer o teste, não posso fazer nada quanto a isso. – Ele deu de ombros. – Mas você e eu sabemos qual vai ser o resultado...
– Se era tudo... – A garota começou a fechar a porta com força. Se tivesse esperado um pouco mais, teria visto olhar cheio de pena que Vitor lhe lançava.
***
Helena não saberia dizer se o dia fora o mais longo ou o mais curto de sua vida inteira. A casa ficou vazia durante todo o período em que esteve lá. O que quer que o estranho grupo fazia, não terminou até que o sol começasse a se despedir no horizonte. Ela já tinha roído todas as unhas quando Vitor finalmente chegou para buscá-la, demorando mais que o necessário para explicar a situação para Beth.. Helena pulou no carro sem muita cerimônia, olhando impacientemente para as costas do homem. Ele apenas revirou os olhos antes de dar partida.
– Nervosa, garota? – Vitor perguntou casualmente enquanto faziam uma curva.
– Pronta para voltar pra casa. – Respondeu, indiferente. Sua perna sofria alguns tremores espasmódicos.
– Eu não contaria tanto com isso. Espero que saiba que estou levando-a para seu último estágio da perda: a aceitação.
– Onde está Warren? Acho que ele seria mais agradável.
– Buscando outra pobre alma no Continente. Se ele tiver sorte, ela será mais fácil que você. – Vitor riu baixinho.
– Apenas faça seu trabalho. – Ela suspirou, virando o rosto para a janela.
Em pouco tempo ela saberia. Em pouco tempo a verdade seria revelada.
Se para o bem ou para o mal, Helena não tinha mais certeza.
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