2° capítulo
Eu estava sem ar,colocava a mão na minha garganta e massageava aquele local tentando respirar.Por algum motivo minha garganta dóia muito naquele momento.Olhei para os lados procurando encontrar alguém que me ajudasse a entender o que estava acontecendo.Era a primeira vez que eu levantava minha cabeça para observar o lugar onde estava e eu estava sentada no chão sujo.
O que eu vi foi galhos secos de árvores ao meu lado,o céu azul escuro,ventava muito fazendo meu cabelo que estava solto voar.Não havia ninguém ali. Tentei mais uma vez respirar e conseguir um pouco,soltei o ar me levantando devagar do chão. Olhei para trás de mim onde vi um muro muito alto e encostado nele tinha um homem de terno parado olhando para frente.Não dava para ver seu rosto direito.
Dei três passos lentos até chegar perto dele,mas o mesmo nem se moveu. Continuou com a mesma postura de antes. Sério,com os braços para trás e o vento forte parecia não o incomodar. Resolvi dizer um oi para ele que saiu com minha voz tremida o homem pareceu não me escutar.Levantei a mão devagar para pegar no seu ombro mesmo com medo e neste exato momento fui surpreendida com a mão do homem que agarrou meu pulso.
Ele virou a cabeça na minha direção rapidamente agarrando com mais força meu pulso.Tentei me soltar gritando,mas minha voz não saia. Apenas abri minha boca sem emitir som algum. O homem tapou minha boca e em seguida disse olhando nos meus olhos.
-Não se pode escapar de uma doença assim como também não se pode escapar da morte- sua voz parecia ser alta o bastante pra ser ouvida por todos,mas só tínhamos nós dois ali.
Seus olhos eram de uma cor estranha. Um cinza morto e ameaçador.
Meu pulso ainda dóia a cada vez que ele pressionava mais forte.Eu tentava falar sem sucesso então movida pelo medo mordi a mão dele que me soltou na mesma hora. Ele me jogou no chão com força sorrindo forçado.
-Viver é uma coisa difícil-disse se aproximando- Não se pode confiar em todos.
Dito isso ele continuou sorrindo só que dessa vez gargalhava alto me dando vontade de sair correndo dali. O homem foi sumindo aos poucos como fumaça deixando o lugar muito silencioso como antes.Eu ainda podia escutar sua gargalhada.
Abri os olhos com dificuldade sentindo que chorava. Senti mãos nos meus braços e pisquei meus olhos zonza. Eu suava muito.
-Se acalme minha menina-a voz estava longe- Está tudo bem-me abraçou e tentei retribuir,mas meu corpo parecia não responder aos meus comandos.
Fui abrindo os olhos aos poucos e vi um teto,olhei para frente ainda zonza vendo uma porta.Eu estava no meu quarto com Regina.Eu havia sonhado tudo aquilo.O lugar escuro,o muro alto e aquele...homem atormentador haviam sumido. Um calafrio subiu por todo meu corpo ao lembrar do sonho.O que significava aquilo?
-O que...-me esforcei para falar-Que aconteceu?
-Finalmente você acordou filha-ela me olhou preocupada- Não se esforce tanto.
De repente lembrei o motivo pelo qual eu havia desmaiado. Foi depois de ficar sabendo de um acidente com meus pais.Engoli em seco ao lembrar e me dei conta de que aquilo foi real.Aconteceu de verdade com meus pais e agora eu estava órfã.
-Me diz que eles resistiram por favor-me ouvi falando sem pensar-Me diz que não aconteceu nada de ruim-enxuguei uma lágrima que caiu.
-Ah filha-ela falou com sua voz carinhosa-Eu não vou te deixar sozinha.Seus pais não resistiram,o acidente foi muito feio a batida foi forte.Eu gostaria de dizer que eles vão voltar só que dessa vez não voltarão.
Ela falou sem olhar para mim.Mexia os pés e as mãos como se estivesse nervosa.Então era isso eu estava mesmo órfã.Meus pais faleceram e agora eu iria ser mandada para um orfanato cheio de crianças órfãs que precisam de carinhos.Eu iria viver em um lugar com muita gente que estava na mesma situação que eu e seríamos como uma família.Crianças e adolescentes da minha idade ou mais novos.
Eu não queria ir para um orfanato.Só queria meus pais de volta.Não era possível uma coisa horrível dessas acontecer logo com meus pais.Naquele momento eu não tinha mais proteção,mas na verdade nunca tive.Carinho,ajuda,proteção foram sempre da Regina.Eles não sabiam de quase nada da minha vida,porque estavam sempre ausentes,trabalhando fora e eu reconhecia o esforço deles.Meus pais trabalhavam em uma montadora de carros eles eram os donos de lá.Nossa família era muito rica, mas isso não me importava muito nem me livraria de ir para um orfanato.
O quarto ficou calmo e com um clima tenso depois do que ela disse.Agora eles nunca mais voltariam.Olhei para minha escrivaninha onde estava a foto deles sorrindo.
-Você quer água ou quer comer alguma coisa?-Regina perguntou interrompendo meus pensamentos.
-Não consigo comer nada-respondi séria-O que vai acontecer comigo agora?Vou morar aonde?
-Não se desespere-ela levantou as mãos-Você tem a mim e eu prometi que cuidaria de você.
-Como assim?Vai me adotar?-olhei para ela surpresa.
Ela passou a mão no rosto e foi assim que percebi que tinha olheiras nos seus olhos.Quanto tempo eu passei desmaiada? Que horas eram?
-Se eu pudesse te adotaria-sentou do meu lado na cama-Mas não posso.Não tenho como te adotar Bianca.
-Seria melhor eu ficar com a senhora-peguei a mão dela-Você poderia conseguir ficar comigo.
-Desculpa-sorriu com os olhos cheios de lágrimas-Mas isso está fora de cogitação.Não posso mesmo.Já sei o que fazer vou no conselho tutelar ainda hoje e explicarei para eles sobre você.Eles saberão o que fazer.
Senti como se tivesse sido rejeitada pelo jeito que ela falou.Parecia sem saber o que fazer comigo como se eu fosse um peso maior para ela,mas eu sabia que ela gostava de mim.
Havia uma segunda opção da qual não havia lembrado.Eu poderia ficar com alguém da família,mas meus parentes não moravam aqui.Nunca tive contato com meus avós,primos ou tios.Meu pai disse que meus avós moravam em Nova York.
-Não tenho parentes aqui-balancei a cabeça.
-É mesmo tinha esquecido disso.Vamos resolver isso e você vai ir morar com algum familiar.
-Você não entendeu.Eles moram fora do Brasil.
-Não não-ela falou alto-Me recordei agora de seus tios que você foi os visitar uma vez com seus pais.
Minhas lembranças daquele dia não eram muitas.Sim eu havia ido na casa deles e lembro que ficava muito longe daqui.Em um lugar com muito verde,pouco trânsito,casas bonitas e outras antigas. Era somente disso que eu lembrava,porque fazia muito tempo que fomos quando eu tinha 10 anos. Eu mal conhecia meus tios e eles não mantinham contato desde quando fomos lá.Por mais que eu forçasse a minha mente não conseguia lembrar de como eles eram. Me recordo também de não ter brincado com ninguém lá,porque eles não tinham filhos.
-Isso faz um tempão-suspirei-Ir para tão longe...não mesmo eu nem conheço eles direito. Devem nem lembrar de mim.E também não sabem que meus pais faleceram.
-Isso quem vai dizer é o conselho tutelar-falou decidida-Agora vamos filha precisa comer alguma coisa.
-Como pode falar de comida logo agora?-perguntei com raiva-Poxa eu não estou bem sério.Só preciso ficar sozinha e pensar.
Ela se assustou com meu jeito.O que eu podia fazer? Não estava nada fácil para mim já havia absorvido tudo que aconteceu só que perder os pais depois de tanto tempo sem os ver era a pior coisa.Seriam dias que eles passariam comigo e ausentes do trabalho deles que precisava de muita responsabilidade.Afinal eles eram os donos e eu nunca tinha me gabado por causa disso.Os dias felizes com eles tinham sido destruídos por causa de um trágico acidente que levou meus pais.Só me restava as lembranças de pouco tempo juntos que passamos,a única foto que eu tinha de nós três e a saudade.
Respirei fundo tentando me acalmar.Eu não podia descontar tudo na pessoa que mais me ajudou e queria minha felicidade.Me levantei,comecei a andar pelo quarto sem saber o que fazer por fim acabei indo até ela e me ajoelhei deitando a cabeça no seu colo.Desse jeito eu me sentia segura quando era criança,mas não foi a mesma coisa que senti agora.
Ela acariciou meus cabelos enquanto eu chorava baixinho.
-Eu te amo-sussurrei- Não sei como te agradecer por tudo.Desculpa por ser teimosa as vezes,te desobedecer ou gritar com você.Sou uma boba e mal agradecida.
-Não fale assim.Você é inteligente e sei que vai longe com isso.Sabe eu a admiro por ser desse jeito.
-Grossa e teimosa?-sorri.
-Não-ela continuou acariciando meu cabelo-Por ser forte mesmo com a ausência deles você nunca deixou se abater.Focou nos estudos como nunca tinha feito e melhorou muito na escola.Imagino como deve ser difícil passar o dia estudando,chegar da escola fazer tarefas e nos finais de semana você não se importa em sair somente em estudar.Me orgulho da jovem linda e inteligente que você se tornou.
Era a primeira vez em anos que eu escutava aquilo.Não imaginava que ela se orgulhava tanto assim de mim.Realmente era como uma mãe e seu papel não foi somente para cuidar da casa ou de mim,foi também de ser mais que uma babá.De ser como uma amiga.Com ela eu me sentia protegida com a certeza que ela não me deixaria,mas eu já tinha 16 anos e sabia que logo seria maior de idade.Em apenas dois anos eu teria meus tão esperado 18 anos e teria mais responsabilidades.E sim eu tinha feito planos que agora pareciam tão longe. Enfim eu já podia cuidar de mim e fazer escolhas que resultariam em coisas boas ou ruins no futuro.
-Fiquei sem palavras-levantei a cabeça-Me emocionei com que falou.Não tenho palavras pra te agradecer mesmo.Eu sei que você quer me paparicar até demais-sorri-Mas se esquece que eu cresci e agora não sou mais aquela garotinha indefesa.
-Para mim você continua precisando de cuidados-sorriu.
-Você é a melhor-beijei sua bochecha e a abracei.
Conversamos um pouco mais e depois de muita insistência dela eu tomei um banho mesmo com o frio que estava fazendo e desci as escadas.Andar pela casa sem ouvir mais as risadas deles ou a voz da minha mãe cantando era estranho.Música.Eu não consegui esquecer a noite anterior onde ouvi uma pessoa cantando e depois vi uma sombra na janela.Coisas estranhas andavam acontecendo,mas o que mais me assustou não foi os eventos da noite anterior foi o sonho perturbador que tive.
Olhei as horas no relógio e marcava 07:15.Eu já era para estar na escola,mas não tinha como eu pensar em estudar depois de tudo isso que aconteceu dentro de poucas horas.Provavelmente ninguém lembraria de mim mesmo ou somente uns professores lembrariam e sentiriam minha falta.Nenhum aluno gostava de mim e eu sofria bullying desde pequena,mas nunca havia contado pra ninguém.Nem para Regina.
Quando me acordei estava escuro lá fora devia ser de madrugada,mas as horas se passaram rápido e logo amanheceu.Não sei por quantas horas fiquei desmaiada e isso não me importava muito. Passei a manhã deitada no sofá,vez ou outra eu chorava ao recordar dos últimos dias que passei com eles.
Por mais que eu insistisse que não queria nada a minha babá se preocupava e não entendia.Não a culpava por me tratar feito uma criança afinal ela não teve filhos. Sabia que ela também nunca foi casada só namorou duas vezes e estava solteira.Mas o que era triste era que Regina não podia ter filhos.Logo ela uma mulher que amava bebês não podia gerar um.
A tarde resolvi sair de casa para pensar.Não foi fácil sair só que eu dei meu jeito,porque precisava de um tempo só para mim.Logo eu estaria com meus tios provavelmente e não veria mais esse bairro.Aqui o trânsito era coisa normal,tinha muito barulho de buzinas ou de pessoas que passavam na rua e uma escolinha particular do infantil até o 5° ano ficava no final da rua.Esse bairro era grande e a maioria das pessoas daqui eram ricas.Assim como muitos dos jovens daqui estudavam na mesma escola que eu por serem uns ricos que se gabavam por terem pais com muito dinheiro.
Prometi para Regina que voltaria logo e ela cedeu.Sai e fechei a porta me sentindo triste.Andei pela rua enquanto prestava atenção nas lojinhas que tinham ali.Segui adiante até chegar na famosa praça.Deram esse nome para ela, porque foi a primeira praça que surgiu no bairro.Realmente aquele lugar era antigo.
Os brinquedos velhos e enferrujados estavam lá.Os balanços balançavam por causa do vento e o escorregador que antes era vermelho agora tinha uma cor diferente.Sabia que a noite as crianças gostavam de ir brincar nesse parquinho,mas era perigoso e não confiável os brinquedos.Os pais precisavam estar atentos.
Andei pela praça,passei do parquinho e fui para a quadra de areia.O silêncio me dava paz.Suspirei cansada e ouvi latidos como se viesse do lado esquerdo.Nesse momento um cachorro peludo e branco passou correndo passando por mim latindo.Atrás dele vinha uma garota que gritava segurando uma coleira.
-Já mandei você não sair correndo cachorro chato-ela parou de correr se agachou e pegou nos joelhos respirando rápido.
A coleira caiu da sua mão.Ela nem me notou ali.Resolvi me aproximar e foi o que fiz.
-Oi-disse timidamente.
A garota era magra,cabelo ruivo e olhos pretos.Percebi que era mais alta que eu pouca coisa.Ela se ajeitou e pegou a coleira depois olhou para mim.
-O que você quer?-perguntou fria e fehou a cara.
Nossa garota ignorante.Eu falei com educação para ser respondida com grosseria.
-É...-procurei as palavras certas-Quero conversar.
Dei de ombros parecendo relaxada,mas na verdade eu não estava.Ela fez um bico me olhando com raiva.O que eu fiz de errado?
-Você mora por aqui?-perguntei quebrando o silêncio.
-Ah não mesmo.Acho que se eu morasse aqui me mandaria embora rapidinho-estalou os dedos-E você?
Tentei entender o porque ela disse aquilo.
-Sim moro aqui-disse lembrando me que logo estaria bem longe.
-Preciso ir atrás do meu cachorro-olhou para os lados e ficou de ponta de pé.
-E você está aqui na casa de um familiar?-puxei assunto como quem não quer nada.
Não podia ficar a vida inteira me escondendo.Eu estava no mundo para viver de verdade pertencia a este lugar e estava mais que na hora de mudar minha vida.A morte dos meus pais foi o fim de uma jornada agora eu sentia que estava no começo de outra.E eu precisava de amigos.Viver era uma aventura perigosa,mas eu estava disposta a aceitar esse desafio.O desafio de viver.
-Na verdade estou com meu avô-revirou os olhos-Ainda bem que volto para minha casa logo-ela deu ênfase na palavra minha.
-Sou Bianca Souza e você?
A garota pareceu sorrir e suavizou um pouco sua expressão de entediada.
-Beatriz de Oliveira-disse com orgulho.
Esse sobrenome não me era estranho.De onde eu conhecia...
-Me parece familiar esse seu sobrenome-pensei em voz alta.
-Deve ser porque você viu meus pais na tv durante semanas somente porque eles foram os heróis-fez aspas com os dedos-Por terem feito um parto de uma jovem mãe que estava grávida de gêmeos.
Beatriz explicou desinteressada como se aquilo não significasse nada.Eu sabia desse casal de médicos que haviam salvado a vida de uma mãe jovem e de seus filhos gêmeos.Eles ficaram famosos simplesmente por terem feito o parto da jovem mãe em um metrô e eles não estavam em hora de trabalho.Acho que iriam viajar até que aconteceu um emprevisto e eles foram ajudar.E eu estava diante da filha do casal.
-Nossa nunca pensei que fosse te conhecer-sorri animada-Ah e seus pais fizeram um ótimo trabalho.
-Claro.Eles sempre fazem tudo que está ao alcance deles-bufou-Meus pais quiseram foi aparecer e conseguiram.Se passaram por bonzinhos só para terem fama e ficarem conhecidos na mídia.Eles são médicos,mas o sonho da minha mãe é se tornar uma atriz famosa.
Fiquei feliz por ela estar falando mais que antes.Isso já era um avanço.Algo em Beatriz me chamou atenção e eu queria ser amiga dela mesmo sem a conhecer.Seu jeito desinteressado de ser também me chamou atenção.E o principal ela parecia não ligar para os pais enquanto eu sentia tantas saudades dos meus.Novamente pensei neles depois de uma conversa com Beatriz.Eles não saiam de meus pensamentos.Consegui esquecê los um pouco,mas tudo voltava como uma enxurrada na minha mente.
-Agora vou mesmo se não perco aquele cachorro e meu avô me mata.
-Voce mora com ele não é?
-Com quem?Com meu avô?Não não florzinha-ajeitou seu cabelo-Moro com meus queridos pais.
Fez aspas novamente ao falar queridos,se despediu e saiu atrás do cachorro.Até que foi legal conversar com alguém diferente.O ruim era que eu não veria mais a Beatriz.Acabei voltando para casa um pouco feliz por ter conhecido ela,mas eu não estava completa. Na verdade sentia que nunca mais me sentiria completa sem as pessoas mais importantes para mim.Meus pais.
Mais um capítulo se vocês gostarem não se esqueçam de deixar sua estrelinha e comentar.Até o próximo capítulo bjs
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