april 19th, 2016
Never one without the other, we made a pact
Sometimes when I miss you, I put those records on
Percy
— Como é possível eu ter passado tanto tempo sem pedir uma prova do seu talento no piano? — A voz de Annabeth fez com que eu levantasse a cabeça, tirando a atenção da partitura no apoio do piano. Eu não precisava ler a música para conseguir tocar, mas gostava de ver a caligrafia caprichada da minha mãe no papel.
— Eu também nunca pedi pra você cantar pra mim — comentei, vendo a mulher se sentar ao meu lado no banco de marfim.
Se Annabeth já havia estado bonita, agora estava simplesmente encantadora.
Usava um short minúsculo e uma camiseta com um desenho do homem aranha que chegava até seus joelhos. Sua pele tinha a maciez usual de quem tinha acabado de acordar e seu cabelo estava levemente desalinhado. Acordar ao seu lado, com a visão dos seus olhos tempestuosos queimando contra os meus e com seu corpo pressionado contra mim, tinha se tornado uma das melhores partes do meu dia.
Ela se virou no assento e prendeu as mãos na parte posterior do meu pescoço, me puxando para um beijo com gosto de café da manhã. Suspirei com o contato, puxando seu corpo para mais perto do meu. Tinha se tornado uma necessidade, manter Annabeth o mais perto possível quando estávamos juntos.
Suas coxas raspavam contra as minhas, enviando arrepios pela minha coluna até ela se afastar com um beijo casto na minha mandíbula.
— Bom dia, lindo.
— Bom dia, Sabidinha.
A loira pegou a partitura nas mãos, passando os dedos por cima de cada nota e parecendo memorizar o tom ideal para a música.
— Charles Beckendorf?
— É meu cantor favorito — expliquei. — Sem ofensas, Sabidinha.
— Não ofendeu — a loira riu, parecendo analisar a letra da canção. — Sabia que eu já escrevi uma música pra ele?
— Não... — comentei, arrastando as sílabas em descrença.
— É verdade, conhece Lost In Japan?
— Você tá brincando com a minha cara, Annabeth Chase.
— Eu não tô, pode pesquisar. A gente já chegou a fazer alguns trabalhos juntos também, gravamos um remix de uma das minhas músicas no ano passado.
— Você não faz ideia de como a minha família é alucinada por esse cara, Anna. Minha mãe deve ser a maior fã no planeta inteiro, ela é louca pra conseguir um ingresso ou um autógrafo.
— Eu posso conversar com ele, se você quiser...
— Você faria isso? Mas sabe que não quero atrapalhar ou encher o saco, não sabe? Acha que ele se incomodaria?
— O Charles é a pessoa mais tranquila que existe, eu garanto pra você que ele não vai se importar — ela prometeu, apoiando a partitura de volta no piano. — Essa daqui é incrível, não é?
— É a favorita da minha mãe — respondi, como se essas poucas palavras explicassem como eu me sentia pela canção. — Eu aprendi a tocar com músicas infantis e tudo mais, mas essa daqui ajudou a minha mãe em tempos muito difíceis, então ela ensinou para mim e nós começamos a tocar juntos sempre que estávamos tristes ou zangados. Era uma forma de voltar à realidade, eu imagino.
— Eu e meu pai costumávamos ter filmes assim, que nos aproximavam, mas acabávamos cansando depois de assistir tantas vezes. — Sua voz saiu baixa. — Talvez seja por isso que nós não sejamos tão próximos desse jeito. Filmes são chatos.
— Você já percebeu que chama tudo que não conhece bem de chato?
— Eu não faço isso — ela se defendeu, com uma falsa expressão ofendida. — Só chamo de chato o que não é muito a minha praia ou o que não tenho tempo suficiente pra apreciar.
— Me diz que os filmes entram na categoria de "não ter tempo", por favor.
— Eu não sou um monstro, Perseu. Claro que eles entram na categoria de tempo.
— Se eu te desse um spoiler de um dos meus próximos filmes, acha que isso te deixaria animada pra assistir?
— Depende, a sua série de filmes entra naquele esquema de pirâmide?
— Esquema de pirâmide? — perguntei, o cenho franzido em dúvida.
— É, que precisa assistir quinhentos filmes e séries diferentes pra entender as mínimas referências de um outro filme. Eu sei que a sua companhia faz isso, mas não sei se a sua.
— Bom, eu já apareço em quatro filmes diferentes que importam para a construção desse último — considerei, rindo como uma gralha com seu ritmo de pensamentos enquanto Annabeth gemia de frustração.
— Não sei como você aguenta.
— Não é como se eu estivesse reclamando do salário, né, não sou burro nesse nível.
— Eu digo aguentar tanta informação — ela explicou. — Seja honesto Percy, você entende mesmo todas as referências ou só finge que entende e segue o roteiro?
— Quem você pensa que eu sou? — fingi indignação — É claro que eu finjo, não tenho tempo pra assistir tanto filme assim.
Agora foi a vez da mulher dar risada, portando um sorriso convencido no canto da boca como se fosse uma obra de arte em uma exposição.
— Você bem que poderia me dar um spoiler de uma de suas músicas novas.
— Música não tem spoiler.
— Então o que são os teasers, hein, sabe-tudo? — Me deleitei em ver a imagem tão conhecida de seus olhos se revirando, ficando ainda mais contente em ver que seu semblante continuava suave e divertido.
— Ok, você venceu.
A cantora pigarreou e estendeu as mãos pelas teclas, parando por alguns segundos para decidir qual música cantaria. Após pressionar algumas teclas e bem quando iria começar a soltar a voz, meu celular começou a tocar com a canção personalizada de Tyson: Never Ending Story.
— Salva pelo gongo — a mulher comentou, limpando gotas de suor inexistentes em sua testa como forma de provocação. Apenas mostrei a língua para ela, dando passos apressados em direção ao telefone.
— E aí Tye, tudo bem? — Perguntei, imediatamente me arrependendo ao ouvir a voz desesperada do meu irmão caçula em meio a um choro agonizante. — Tyson, se acalma, o que aconteceu? Você tá bem?
O menino de onze anos não conseguia formar palavras direito, somente chorava, murmurando palavras emboladas e chorando um pouco mais.
— Tye, respira, por favor. Cadê a mamãe? O que aconteceu?
Se é que era possível, Tyson começou a chorar ainda mais. Ele engasgava com as próprias palavras e parecia não conseguir respirar. Consegui convencê-lo a fazer um exercício de respiração, dando o meu melhor para não ficar desesperado e conseguir acalmar a criança do outro lado da linha.
Annabeth estava imediatamente ao meu lado, colocando a mão nas minhas costas como apoio e demonstrando preocupação. Seus olhos me perguntavam o que tinha acontecido, mas eu não tinha uma resposta para lhe dar.
Tyson continuou gemendo e se lamuriando até conseguir sair do estado de choque em que se encontrava.
Mas então a resposta chegou. E eu preferia ter passado uma eternidade na mais adorada ignorância.
Meu mundo pareceu desabar, pontos pretos passaram a ocupar minha visão e eu não tinha certeza se eu mesmo estava respirando. Não tinha certeza se queria estar. Tyson ainda chorava no telefone, mas agora que havia tirado meu telefone do modo silencioso, dezenas de notificações apitavam no meu celular com uma insistência que me fazia querer gritar.
Annabeth moveu a mão que estava em minhas costas até meu ombro e, de repente, tudo pareceu muito pequeno. Minhas roupas pareciam me sufocar e aquele apartamento tinha se tornado uma prisão, as janelas de metal parecendo jaulas que poderiam me engolir a qualquer momento.
Não sabia o que tinha dito para Tyson, o que havia falado para que ele finalmente se acalmasse, mas sabia que precisava sair dali o mais rápido possível. Sabia que meus lábios tremiam demais para tentar falar mais alguma coisa e que minha cabeça poderia explodir a qualquer momento. Sabia que nunca tinha me sentido tão sozinho e tão sobrecarregado ao mesmo tempo.
Andei até a cozinha tentando ignorar o zumbido em meus ouvidos, o mundo abafado ao meu redor, e peguei a chave do carro, deixando a porta de entrada aberta e correndo o mais rápido possível para um lugar onde eu poderia quebrar sem ninguém por perto. Dirigindo o mais rápido possível, sabendo do perigo de bater em algum carro e deixando lágrimas grossas escorrerem com a possibilidade até que tivessem lavado o meu rosto em puro desespero.
Porque as palavras tremidas na voz do meu irmão de apenas onze anos ficariam gravadas na minha memória até que eu partisse dessa terra para uma melhor. Porque eu não sabia o que fazer, para onde ir ou até como lidar com a tontura que me inundava.
Porque meus pais tinham sofrido um acidente de carro ao tentarem me surpreender em Nova Iorque, e porque eu havia sido o pior filho do mundo ao não perceber as últimas chamadas não atendidas de Sally Jackson no meu celular.
Porque, quando ambos carros foram jogados para fora da pista, quando caíram de um desfiladeiro, ninguém havia sobrevivido.
I should have told you what you meant to me
'Cause now I pay the price
— The One That Got Away
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