II - o espetáculo
Toda a confusão começou quando meus pais se divorciaram, deixando para trás quase vinte anos de casados. O mundo da minha mãe desmoronou quando ela descobriu o caso extraconjugal do meu pai.
O meu também, Mason.
Sei o quanto isto pode ser difícil. Se eu, que era a filha, me sentia traída, imagino a raiva e tristeza da minha mãe. Mas graças a Deus ela teve coragem de pedir o divórcio para começar uma nova vida. Ela conseguiu transferência no trabalho e foi assim que nos mudamos para outra cidade em busca de um recomeço para nós duas.
Antes da mudança, eu e ela fizemos um pacto: daríamos o nosso melhor, não importavam as circunstâncias, os obstáculos e as barreiras em nossos caminhos. Estávamos empenhadas em ganhar de volta nossa harmonia e batalhar por nosso futuro.
Foi com este pensamento em mente que entrei com passos firmes na sala de aula do penúltimo ano do ensino médio, da nova escola, completamente desconhecida, com um monte de alunos estranhos a mim.
Vários pares de olhos me devoraram viva no segundo em que cruzei a soleira da porta.
Eu poderia ter recuado ou me encolhido, afinal, o primeiro dia de aula como aluna nova podia ser bem intimidador. Mas não. Usei uma técnica que minha mãe me ensinou, para quebrar o nervosismo, e imaginei que todos ali estivessem pelados, inclusive a professora, e eu fosse a única normal com roupas.
Era a minha primeira vez usando aquela técnica. Eu não estava preparada para a visão absurda que se formou em minha cabeça, e aquilo quase me fez gargalhar.
Primeiro dia de aula e... me divertindo.
Valeu, mãe.
A professora, que estava parada diante da classe, encarava meu sorriso com curiosidade.
— Taylor, certo? — ela quis confirmar.
Assenti com a cabeça.
— Pessoal, esta é Taylor, a nova colega de turma de vocês — anunciou a professora para a classe. — Ela acabou de se mudar para a cidade, portanto, sejam bonzinhos com ela. Peguem leve, okay?
— Fale isso para o Ian. Ele é o esquisitão aqui! — disse uma garota negra com cachos lindos, sentada no meio da sala.
A turma caiu na risada.
— Vai com calma, Chloe. Ainda estou aprendendo a lidar com todo esse amor que você tem por mim — retrucou o cara que imaginei ser o tal Ian.
O irônico é que Chloe e Ian estavam sentados um ao lado do outro. Mais irônico ainda é que eles trocavam sorrisos, mesmo após as alfinetadas.
Mais tarde, no horário de almoço, descobri que eles eram um casal. Os dois estavam agarradinhos no banco, de uma maneira muito íntima.
— Ei, novata, por que não senta aqui? — Chloe convidou assim que me viu parada no refeitório, com a bandeja do almoço em mãos, sem saber onde me sentar.
Olhei para a mesa lotada de alunos.
Apesar de aqueles serem seus amigos, você não estava lá, Mason. Você estava ocupado se pegando com uma garota no banheiro, coisa que vim saber poucos dias depois de ter te conhecido.
— Obrigada, mas não acho que cabe mais uma pessoa aí — respondi.
— Bobagem! Claro que cabe! Meninas, abram espaço para a Taylor — ela disse como se tivesse alguma espécie de autoridade.
Depois desse pedido, as garotas se espremeram e milagrosamente surgiu um lugar vago, no qual me sentei mais que agradecida.
— O que está achando da nova escola? — Ian me perguntou antes de enfiar uma batata frita na boca.
— Diferente.
— De um jeito bom ou ruim? — indagou Chloe, parecendo estranhamente interessada no que eu tinha para dizer.
— De um jeito bom. Vocês parecem legais.
— E nós somos! Tão legais que vou te convidar para fazer parte do time de líderes de torcida — ela terminou com um sorriso confiante.
Ian atirou a cabeça para trás e seus olhos miraram o teto quando exclamou:
— Eu sabia!
— Sabia... o quê? — falei, me sentindo perdida.
— Chloe ficou de olho em você desde que te viu entrar na sala. Ela é capitã do time de líderes de torcida e, por alguma razão, colocou na cabeça que você já foi uma animadora na sua antiga escola.
— Sério? O que te fez pensar isso? — Dessa vez me dirigi a Chloe, sem perceber o sorriso misterioso se formando em meus lábios.
— Seus braços. Consigo ver as curvas dos seus bíceps. — Ela apontou para meus braços desnudos, apoiados na mesa. — Suas pernas também são delineadas. Parecem firmes e poderosas.
— Uau. Sempre presta atenção assim nas garotas?
Ian riu com vontade. Já Chloe, deu de ombros. Não parecia nada constrangida com meu comentário irônico.
— Só quando o período de recrutamento está aberto — respondeu. — E então, acertei? Você era mesmo animadora de torcida, não era?
Ponderei por alguns segundos, pensando se seria uma boa revelar a verdade. Eu tinha a impressão de que a partir do momento em que admitisse, Chloe não me deixaria em paz até que eu me juntasse à equipe dela.
Nunca tive problemas em animar torcidas. Pelo contrário, era algo que eu adorava. A cantoria, a sincronia, o frenesi, a vibração durante as partidas... Jogos esportivos eram a minha paixão, mas também eram cultura e deveriam ser incentivados.
Então, por que não continuar espalhando minha paixão? Eu era boa nisso. Talvez eu devesse aceitar a oferta de Chloe.
Com um suspiro, confirmei:
— Sim, eu era líder de torcida.
— Viu só? Eu te disse! — ela exclamou em puro triunfo quando deu um tapinha no braço do namorado.
— Taylor, você acabou de declarar sua sentença de morte. Agora ela não vai largar do seu pé — Ian me avisou.
E foi bem isso mesmo. Chloe passou o intervalo todo tentando me convencer a fazer o teste para a seleção. Acabei fazendo e sendo selecionada entre as dezenas de meninas. O fato de já ter experiência me ajudou. De alguma maneira, ter me encaixado rápido em um grupo me deixava feliz.
Isto é, até eu perceber a besteira que tinha feito.
Até me dar conta de que tudo aquilo foi só um aquecimento para o show de horrores que estava prestes a começar.
Quando o período de seleção terminou e a equipe estava formada, todos os membros se agruparam na quadra de basquete para darmos início aos ensaios. Os rapazes e as moças se olhavam e se falavam pela primeira vez. Quem era novato foi sentar na arquibancada para os veteranos nos mostrarem algumas coreografias.
Vi Ian no meio vestido com o uniforme. Ele era um dos poucos homens ali. Urrava cantos de torcida e executava passos sob o comando ativo de Chloe, que liderava sua pequena tropa.
Então... aconteceu.
As portas do ginásio foram empurradas e você fez sua entrada triunfal.
Eu olhei para ver quem era e me arrependi profundamente.
Caramba, Mason, o ar escapou dos meus pulmões com a visão que tive de você. Sua beleza era literalmente de parar o show, pois até seus colegas de equipe interromperam a coreografia quando te notaram se aproximar.
— Está atrasado, Mason — Chloe resmungou em tom de bronca, cruzando os braços.
— Eu sei. Foi mal — você respondeu sem parecer ligar muito.
— Já nos arranjamos sem você. Senta aí no banco com as novatas e espera a gente terminar.
Ao encarar o grupo de garotas que praticamente te comia com os olhos, um sorriso predatório surgiu no canto de sua boca.
— Por mim, tudo bem.
Então você veio na nossa direção e eu pude sentir quando as garotas prenderam a respiração. Seus olhos castanhos analisavam a fileira de meninas como se à procura de fixar um alvo. Seus cabelos, de um tom médio de marrom, tinham um aspecto sedoso e os braços, com as veias saltadas, garantiram suspiros do seu público. Alto, encorpado e bem cuidado, você tinha o que era preciso para deixar qualquer uma de joelhos.
Eu me senti incomodada com a ameaça que você representava, Mason, por isso virei o rosto para Chloe. Meu movimento brusco deve ter chamado sua atenção, pois senti quando seu olhar cravou em mim.
E eu não sei que merda passou na sua cabeça naquele momento, mas aquele foi o começo do fim. Você tinha me escolhido e não ia perder tempo.
Ali, naquela quadra, o ilusionista fez o seu primeiro número.
— Posso sentar do seu lado? — você disse ao parar diante de mim.
Lembro-me de ter odiado como fiquei nervosa com seu corpo a pouquíssimos centímetros do meu rosto. Ainda acho que você fez aquilo de propósito.
Além disso, sua pergunta me fez arquear a sobrancelha. Eu estava sentada entre duas garotas. Não tinha lugar disponível a meu lado.
— Não tem espaço — respondi, irritada com seu corpo robusto tampando meu campo de visão, de modo a me obrigar a olhar para você.
— Eu dou um jeito.
— Que jeito?
Antes que eu pudesse prever, você se meteu entre mim e a garota ao meu lado direito, forçando espaço entre nós. Eu caí sobre a líder de torcida à minha esquerda, que tombou na próxima garota e assim por diante. Não tivemos outra alternativa a não ser nos afastarmos para abrir espaço para você se sentar.
Te olhei, puta da vida.
Imune à minha raiva, você abriu um sorriso que mostrava dentes brancos e perfeitamente alinhados.
— Não importa o quão apertado seja, eu sempre dou um jeitinho de caber. — Sua frase carregava um duplo sentido canalha que, por ter sido tão inesperado e sem-vergonha, me fez corar.
As novatas explodiram em risadinhas.
— Mason! — Chloe repreendeu, após se virar e identificar a origem da algazarra.
— O quê? Você disse para eu me sentar.
— Beleza, agora dá para ficar calado?
— O que você quiser, querida prima.
Prima?
As coisas só pioravam.
— Qual é o seu nome? — você me perguntou segundos depois, em clara desobediência ao pedido de Chloe.
— Não é da sua conta.
— Que nome diferente... Você é a primeira "não é da sua conta" que eu conheço. Acho que já te vi antes, na mesa de almoço com Chloe. Vocês são amigas?
Sua voz era aveludada, macia como um carinho, porém ardilosa o suficiente para colocar uma garota em alerta. Seu tom era uma rara combinação de suave com perigo que eu não tinha escutado em lugar nenhum antes.
Para completar, um dos lados de seu corpo roçava o meu. Minha pele formigava onde quer que a gente se encostasse. Isso era estressante para meu autocontrole.
Não respondi sua pergunta nem as seguintes que me fez. Mas é claro que você deu seu jeito de conseguir o que queria. Você sempre consegue o que quer, não é, Mason?
Sua perseguição ficou mais óbvia quando, após o treino, você foi atrás de Chloe para saber quem era a nova líder de torcida que se fez de morta para você. E, Deus, você foi incansável. Não saiu do pé dela, não parou até arrancar as informações que queria. Eu sei disso porque Chloe depois me arrastou para o banheiro feminino e contou tudo.
— Não sei o que você fez com meu primo, mas deu certo! — Ela estava esbaforida e seus olhos brilhavam como se estivesse diante do acontecimento do século. — Eu nunca vi Mason assim, Taylor. Nunca. Por nenhuma garota. O que disse a ele?
— Quase nada. Trocamos poucas palavras.
Rindo, ela colocou a mão no meu ombro.
— É melhor se preparar, pois Mason não se contenta com poucas palavras. Ele vai te fazer falar.
— Isso é problema dele, não acha?
— Seu também. Ele está caidinho por você! Mas, escuta, por mais que eu goste do meu primo, preciso alertá-la de que ele é um galinha. É bom para aproveitar, dar uns beijos... mas se quiser algo mais sério, você pode se decepcionar.
Era justamente por conhecer seu tipo que eu sabia o que tinha que fazer. Você era lindo de morrer, Mason, mas era um perigo para meus planos.
— Chloe, não vai rolar. A única coisa que eu quero dele é distância.
O que era impossível durante os intervalos de almoço e os treinos. Aliás, em qualquer folga e até quando você devia estar em outro lugar, mas ia me encontrar onde eu estivesse. Como na vez em que você apareceu de surpresa para assistir a uma aula comigo. Você encostou sua mesa na minha, disse as suas besteiras — algumas tão engraçadas que me fizeram rir, confesso — e só saiu do meu lado porque o professor te expulsou da sala.
Mason, você não tinha limites. Assim como os ilusionistas, você aparentava desafiar todas as leis do universo enquanto performava seus números chocantes.
Eu assistia e me entretinha, porém fazia de tudo para me manter na linha da razão. Com o tempo, você perderia o interesse e partiria para outra.
Pensei mesmo isso na época. Agora vejo que só estava me iludindo.
O entusiasmo de Chloe pela novidade de ver o primo cafajeste de quatro por uma garota foi acabando. Você teve a capacidade de transformar uma coisa, que deveria ser seu problema, no problema de todos. E isto vou exemplificar com uma situação que foi o estopim e, ao mesmo tempo, a minha rendição.
Certo dia estávamos ensaiando para a abertura da temporada dos jogos de basquete. Chloe ordenou que fizéssemos a pirâmide. Eu subi em cima de você, como de outras vezes, e levantei os braços e a perna para ficar na posição esperada de mim.
Com a aprovação e sinal da capitã, desfizemos a pirâmide. No nosso caso, como fazíamos parte do extremo da pirâmide, você deveria apenas me agarrar nos braços quando eu saltasse para frente.
Você bem que fez isso, Mason. O problema foi o que veio depois.
— Te peguei — você disse com um sorriso travesso.
— Não fez mais do que a sua obrigação. Agora me solta.
— E se eu não quiser?
Por mais que eu me mexesse ou tentasse pular fora, você não soltou. Seus braços eram tentáculos me prendendo firme. Era difícil me livrar porque, porra, você tinha força para caralho. Você carregava peso, você dava cambalhotas no ar e todo tipo de movimento de ginástica que ser líder de torcida te exigia. Destreza corporal não te faltava.
Somado à boa forma, você tinha um sex appeal de fazer as pernas tremerem. Você me segurava forte e tão perto que pude sentir sua respiração no meu rosto. A boca sedutora, muito próxima da minha, me fez paralisar enquanto seus olhos aprisionavam os meus em uma hipnose diabólica, da qual eu não via meio de me libertar.
Um homem assim não poderia ser obra de Deus mas do diabo. Tudo em você era um convite ao pecado. Você me fazia querer pecar.
Aquele minuto... aquele maldito único minuto... foi a minha perdição. Foi quando a minha guarda baixou e me vi desprotegida. Você poderia me beijar, se quisesse. Para falar a verdade, Mason, eu queria que você me beijasse.
E o que você fez?
Você efetivamente inclinou a cabeça para me beijar, porque nem você se aguentava mais. Pensei que meu coração fosse sair pela garganta conforme nossas bocas venciam a distância que as separavam.
Então, ouvimos um grito:
— Mason, caralho! Põe a Taylor no chão! — Chloe soava bravíssima. Não era para menos, já que nos últimos dias você tinha mostrado uma falta de concentração absurda, durante os ensaios, que só foi resolvida quando Chloe te designou para fazer par comigo na maior parte da coreografia. Ou seja, você tinha até mesmo prejudicado a sincronia da equipe para conseguir o que desejava.
Despertando para a realidade, empurrei seu rosto e me debati até finalmente ser colocada no chão. A raiva logo veio. Tardia, mas veio.
— Qual é o seu problema? — berrei, nervosa.
Eu não devia ter dito aquilo. Não devia ter dado margem para uma discussão. Discussões traziam verdades à tona, algumas que eu preferia não escutar.
— Meu problema? — você repetiu, irritado. — Meu problema é você, porra! Ainda não sacou?
— Saquei o quê?
Sabe aquele momento, durante o espetáculo, que o mágico chama alguém da plateia para participar do número? E as atenções se voltam para a pessoa comum, que antes ninguém sabia que existia? Pois é, você fez isso comigo, Mason. Conseguiu me colocar de vez em seu jogo.
Tudo o que você vinha fazendo levou a isso... e logo eu me tornei também a protagonista desse show.
Todos os olhos estavam em nós.
— Que eu gosto de você, caramba. Não percebe que eu te quero? — Eu podia escutar o desespero em sua voz, e ele era quase inacreditável.
— E daí? Você quer todas — respondi, tentando não demonstrar meu abalo com sua declaração.
A risada amarga que você soltou deu o tom dramático à sua performance.
— Pode até ser, Taylor, que no passado eu tenha querido todas. Mas não agora. Já faz quase cinco semanas que nos conhecemos e em cada fodido dia você não saiu da minha cabeça. Eu tentei te esquecer, mas não consigo. Ian está de prova. — Você apontou para seu amigo. — Ele me viu tentar, me viu sair com outras garotas, para no fim não dar em nada.
Olhei para Ian e obtive a confirmação. Chloe também o olhou, parecendo surpresa que o namorado não tivesse contado aquilo para ela.
— Não tem nenhuma outra que eu deseje mais do que você, Taylor. Meus dias sem você são sofridos, tristes e vazios. Quando estou com você, eles se tornam alegres e iluminados. Você é inteligente, perspicaz. Sabe ser séria, mas também sabe ser divertida. E tem um rosto e corpo muito bonitos — você murmurou essa última parte, descendo o olhar pelas minhas formas na camiseta e o short curto de elastano apertando minhas coxas. De repente, você se virou para o pessoal que nos encarava: — Alguém ainda tem alguma dúvida de que eu estou babando por essa garota?
Ninguém ousou negar. Os sorrisos e os olhares mostravam o quanto estavam achando excepcional o nosso espetáculo.
— Fica comigo, Taylor — você pediu roucamente. Docemente.
Com isso, minha resistência ruiu.
Eu nunca tinha desejado alguém da maneira que desejava você. Nunca tinha sentido essa química louca que sentia com você. Sobretudo, nunca tinha me apaixonado por alguém como achava que estava me apaixonando por você.
O planeta Terra possui mais de sete bilhões de pessoas. É tanta gente que nosso ego fica ameaçado ao nos darmos conta de que não somos especiais, tampouco insubstituíveis. Havia várias outras garotas por aí iguais a mim, então por que eu pensaria que era única? Especial? Mas a questão é que você sabia me fazer sentir como tal, Mason. E isto, para uma adolescente de 16 anos, com quase nada de experiência no amor, podia ser fatalmente atrativo... e decisivo.
Talvez, no fundo, todos nós estejamos esperando por uma aventura. Principalmente quando se é jovem. Você quer algo intenso, marcante. Quer viver experiências de dar inveja. Quer ter histórias maravilhosas e impressionantes para contar.
Ali, com o cara dos meus sonhos se declarando para mim, percebi que a aventura da minha vida me chamava.
E eu aceitei sem saber que, na verdade, tinha vendido a alma para o diabo.
Nós saímos, nos divertimos, trocamos beijos. Por algumas semanas, vivi o paraíso. Você podia ser um pouco maluco, mas era um maluco galanteador que sabia sempre o que dizer para me ganhar.
Eu cavei minha cova no instante em que me joguei de cabeça em você. Em nós. Minha entrega foi total e minha rendição, absoluta.
Você continuou dando seus shows. Não sossegou nem quando nos tornamos oficialmente namorados. Você me exibia e me colocava num pedestal diante de todos. Me venerava com suas loucuras, me fazendo passar vergonha na frente dos meus colegas de classe com suas brincadeiras exageradas e declarações intempestivas.
A sua paixão lunática provocava risos na mesma medida em que despertava ciúme e inveja nas garotas. Naturalmente suas fãs tomaram raiva de mim. Às vezes, elas me encaravam como se quisessem me trucidar. Você, observando isso, ressaltava o quanto preferia mil vezes a mim do que elas. Dizia que elas nunca teriam o que eu tinha. Que nunca seriam únicas como eu era.
E eu adorei isso, Mason, por mais errado que fosse. Adorei o fato de você pisar em todas elas para me mostrar a importância que eu tinha em sua vida.
Lembra do prazer distorcido que o ilusionista oferece? Eu me sentia culpada com o prazer de ser invejada, mas não conseguia abrir mão disso. Você alimentar a rivalidade feminina, rebaixando aquelas garotas para me fazer pensar que eu era melhor do que elas, foi mais uma ilusão na qual você me capturou. Precisei de todas as minhas forças para me libertar disso.
Ser a namorada do sr. Sex Appeal tinha um preço. Um que você não tardou em cobrar, Mason.
Um dia estávamos dando uns amassos no armário de vassouras. Tínhamos completado dois meses de namoro. Não foram poucas as vezes que você tentou me levar para a cama nesse período. Só que eu sempre dava meu jeito de escapar sem precisar me explicar.
Contudo, naquele dia, quando os amassos se transformaram em carícias mais íntimas e ousadas, não vi outra alternativa a não ser falar a verdade: eu era virgem. Não transei com você porque não me sentia pronta.
Seus olhos pareciam rir de mim enquanto me encaravam.
— Fala sério, Taylor.
— Mas é verdade...
— Não faz o menor sentido uma garota gostosa como você ainda ser virgem.
Se isso era um elogio, não surtiu o efeito esperado, porque você conseguiu fazer com que eu me sentisse péssima com minha escolha.
— Tenho 16 anos, Mason. Não tem nada de anormal em eu ser virgem.
— No seu mundo, talvez. No meu as coisas são um pouco diferentes — você respondeu, me soltando do seu aperto.
A preocupação fez meu estômago retrair.
— Diferentes como?
— Não é porque larguei a cafajestagem que vou parar de fazer sexo. Gosto de você e é lógico que quero transar com você. Você é minha namorada, porra! É natural que eu queira isso. Mas se eu tiver que procurar em outro lugar, com outra pessoa, não será problema para mim.
Não gostei do seu tom. Não gostei de nada naquela resposta.
— Seria capaz de terminar tudo entre a gente só porque não quis fazer sexo com você? — perguntei, entre medrosa e perplexa.
— Sabe qual é o seu problema? — você começou, ignorando minha pergunta e pegando meu queixo entre o indicador e o polegar. — É que você fica se contendo à toa e se prendendo a caretices que não acrescentam nada ao nosso relacionamento. Pelo contrário, só estraga ele. A gente tem uma química explosiva que você ignora por uma questão moral ridícula.
— Não é isso. Apenas não me sinto preparada — repliquei, mais insegura do que nunca.
Você balançou a cabeça e me olhou com impaciência.
— Para de estragar uma coisa tão bonita, Taylor.
— Eu não estou...
— Sabe quantas garotas sonham em estar no seu lugar? Sabe do que elas seriam capazes de abrir mão para ficar comigo?
O silêncio pesou entre nós antes que eu desse minha resposta.
— Sei — murmurei, o olhar baixo.
— Você precisa parar de enxergar isso como um sacrifício. Vai ser bom para você. Só tem a ganhar. Vai se sentir mais linda, confiante. Se você já me deixa louco agora, não será difícil te amar depois que se entregar a mim.
Meu coração quase parou com a afirmação inusitada.
— Me amar?
— Sim, te amar, sua boba — você sussurrou, cobrindo meu rosto de beijos. — Você vai me achar idiota, mas eu imagino a gente casando, comprando uma casa legal para morar e tendo uma penca de filhos... ah, e não pode faltar um cachorro. O cachorro é essencial a toda família que se preze.
Talvez eu devesse ter me assustado com a facilidade e seriedade com que você dizia aquele tipo de coisa, em tão pouco tempo de namoro, mas não me assustei. Meu lado romântico adorou. Me encantava que você imaginasse um futuro comigo. Isso mostrava, de algum modo, que seu interesse em mim ia além de sexo.
Até hoje não sei se você falou a verdade ou se foi para me enganar. A questão, Mason, é que o truque funcionou comigo e eu cedi a toda aquela pressão por medo de te perder. Eu queria corresponder aos seus anseios, estar à sua altura, atingir as suas expectativas. Precisava que continuássemos juntos, então deixei você tirar de mim o que eu tinha de mais precioso.
Assim, minha primeira vez foi em um armário de vassouras sujo e empoeirado. E eu nunca vou esquecer, Mason, mas não porque foi especial, e sim porque, quando tudo tinha acabado, eu não me senti mais linda ou confiante como você disse que me sentiria.
Eu me senti horrível.
Enojada.
Imunda.
Droga, por que a gente faz merda mesmo sabendo que vai se arrepender?
Por dias fiquei desejando voltar no tempo e desfazer o que tinha sido feito, mas já era tarde demais. Como não tinha mais volta, eu só segui em frente na esperança de que as emoções conflitantes sumissem igual acontece naqueles números de mágica:
Agora você vê.
Agora você não vê.
Mas não, nada é assim tão fácil e simples.
Pode parecer que estou aqui apenas para falar mal de você, Mason, o que não é verdade. Você também tinha suas qualidades. Uma delas foi sua fidelidade, por mais espantoso que fosse para algumas pessoas.
Você nunca me traiu. Nunca procurou outra garota.
Pelo menos, não que eu saiba.
Apesar do temperamento explosivo, jamais levantou a mão para me bater nas nossas brigas mais feias. Não, você não fez nada disso.
Talvez tenha feito pior, até.
Bastou iniciarmos uma vida sexual juntos que você fez com que meu corpo já não fosse meu. Ele era seu, para bel-prazer e usufruto.
Por um tempo, ser desejada por você realmente impactou minha autoestima de forma positiva. Passei a gostar de fazer sexo com você, a parar de me sentir estranha toda vez que terminávamos o ato, a aproveitar o prazer em seus braços.
Tudo isso mudou no dia do meu aniversário de 17 anos.
Após um jantar romântico, recheado das suas graças e elogios efusivos, você me levou para sua casa, seu quarto. Eu não era ingênua para não saber o que aconteceria ali e deixo claro que meu corpo também ardia de desejo pelo seu, isto é, até você se recusar a colocar o preservativo.
— Detesto usar camisinha. Não gosto dessa barreira entre a gente — você se justificou.
Afastei o corpo do seu.
— Não podemos transar sem proteção. E se eu engravidar?
— Deveria ter pensado nisso antes de interromper o uso do anticoncepcional.
— Parei de tomar porque eu ficava morrendo de dor de cabeça. Sem mencionar que me sentia toda inchada... Isso refletia no meu rendimento durante os ensaios. Não estava fazendo bem para mim.
Balançando o pacote da camisinha entre os dedos, você redarguiu, um tanto ríspido:
— Isso aqui também não está fazendo bem para mim. — E atirou o pacote para o chão do seu quarto. — Tome a pílula do dia seguinte — você disse, voltando a me beijar. Nem ao menos era uma pergunta. Você simplesmente tinha resolvido que era isso que eu tinha que fazer, afinal, você odiava usar camisinha.
— Aquele negócio é uma bomba de hormônio para o corpo. Não tem por que eu tomar.
— Você que sabe. Não sou eu que vou engravidar mesmo. — Essas foram suas palavras finais.
Que belo presente de aniversário você me deu.
Mesmo quando me afastei de novo, ainda incerta, tentando raciocinar e clarear a mente, você ficou me provocando até eu não aguentar mais.
Eu continuei lá, mesmo com todos os alertas e avisos possíveis. Assumo minha parcela de culpa. Afinal de contas, eu estava pagando, não estava? Um mágico não existe sem a sua plateia. Eu patrocinava tudo o que você fazia comigo na medida em que não era capaz de levantar e abandonar o show.
Bem, lembra quando eu disse que tudo mudou após esse dia?
E mudou mesmo.
Fiz o que me pediu. Tomei a pílula jurando que aquela seria a primeira e última vez. Para mim, as bases do nosso relacionamento haviam enfraquecido. Você mostrou um descaso e um egoísmo sem tamanho, que nunca tinha visto antes em você. Tinha esperanças de que isso mudasse, que fosse apenas uma turbulência passageira. Porém, a vergonha que senti de desabafar sobre o assunto com minha mãe me fez ver que, no fundo, bem lá no fundo, alguma coisa em mim gritava o quão errado era toda a situação. E se era tão errada e distorcida assim, eu não poderia decepcionar minha mãe contando que cometi este erro gigantesco. Não quando havíamos prometido uma à outra que daríamos o nosso melhor naquela cidade.
Por isso, fui até você, na escola, para pedir para darmos um tempo. "Darmos um tempo" porque eu ainda estava apaixonada por você. Isso não sumiria de um dia para o outro. Não conseguia abrir mão de você, mas também não te queria por perto. Era impossível pensar direito com você agindo feito o louco apaixonado de sempre e murmurando em meu ouvido o quanto me amava.
E antes que se pergunte, eu também te amei, Mason. De um jeito totalmente errado e deturpado, mas amei.
Quanto a se era amor ou não o que você sentia por mim, o que quer que fosse te fez rejeitar meu pedido. Caras como você não davam um tempo. Era oito ou oitenta: ou terminava, ou continuava como estava.
Eu não poderia continuar como estava.
— Tudo bem, então eu quero terminar — falei sentindo uma dor terrível no coração. Eu sequer olhava nos seus olhos no intuito de evitar mais sofrimento.
De repente você me agarrou com tudo, me assustando, e não tive outra saída a não ser sustentar seu olhar.
— Por que você quer terminar? O que eu fiz?
Eu tinha algumas respostas:
Você me fez pensar que sem você, eu não era nada, mas que com você, eu era alguém.
Dominou meu corpo, minha alma. Tirou tudo o que pôde de mim, inclusive minha capacidade de distinguir o que era ilusão e o que não. Você adorava me confundir.
Sua mágica me fascinou, mas também me deixou cega. Nem tudo que reluz é ouro — eu estava começando a aprender o verdadeiro significado destas palavras.
Lógico que não disse essas coisas a você. Apesar de tudo, eu queria terminar numa boa.
Mas você, não, Mason.
Por isso, ante o meu silêncio, você sentenciou com voz inflexível:
— O jogo termina quando eu disser que acabou.
— O quê?
— Nós vamos terminar quando eu sentir vontade.
Eu simplesmente não podia acreditar no que estava ouvindo.
— Não pode estar falando sério — comentei, incrédula.
— Sim, estou falando muito sério, Taylor! — você berrou e puxou meu braço de um jeito doloroso. — Você ainda é a minha namorada, e continuará sendo até eu dizer o contrário. É isso. Se eu te pegar paquerando outro cara, você vai ver o tamanho da briga que vou criar. Não me teste!
E, sem mais nada a dizer, você se afastou.
Sua declaração agressiva me deixou perdida e apavorada. Eu não queria acreditar, embora meus instintos me alertassem para tomar cuidado, porque, no final das contas, você era louco.
Você era insano.
Não sabia até onde estava disposto a cumprir o que prometeu.
Tive uma noção dessa sua disposição no dia que resolvi sentar a uma mesa diferente para almoçar. Eu conversava com um garoto novato de uma das minhas aulas, quando de súbito ele foi puxado, caindo com tudo para trás.
Me virei, confusa, mas logo ao deparar com você de pé, perto do corpo que agora se contorcia no chão, foi que entendi tudo. Você avançou com intenções de bater nele, mas, antes que isso acontecesse, eu gritei para você parar.
Você parou.
Me olhou.
— Seu lugar não é aqui. Você vai sentar naquela mesa com seus amigos. Vai sentar comigo. Com seu namorado.
Engoli em seco. Você parecia completamente perturbado.
Você olhou para o rapaz no chão, depois para mim. A ameaça estava clara: ou eu fazia o que me pedia, ou aquele garoto sofreria as consequências. Então ajeitei minha bandeja, levantei e sentei à mesa dos animadores de torcida.
Mas as coisas não pararam por aí.
Você passou a me acompanhar todo dia, após as aulas, até minha casa. Mesmo eu não querendo.
Você tinha meu endereço, sabia onde eu morava. Quando fui compreendendo o segredo por trás dos seus truques, acordei das ilusões e comecei a sentir medo do que você poderia fazer caso eu te rejeitasse novamente.
Minha mãe te conhecia e sabia do nosso relacionamento. Você se mostrava um bom rapaz na frente dela. Solícito, educado, charmoso. O namorado perfeito. A ponto de me fazer duvidar dos meus medos, pensando que fossem injustificáveis, que eram coisa da minha cabeça.
Eu tinha a impressão de estar me afogando num mar de terror, porque, não importava o quanto eu pedisse, o quanto implorasse, você não me libertava.
Uma vez tentei conversar com Chloe sobre isso. Acho que não me comuniquei direito, pois ela não se alarmou. Disse que era tudo muito novo para você. Que você gostava muito de mim e que eu teria que ter paciência com você.
Mais uma vez, cheguei a pensar:
Será que estou ficando louca?
Imaginando coisas descabidas?
Então, ao me lembrar da minha paixão por ilusionismo, eu caí na real. O ilusionista não opera com a força física; ele trabalha com as nossas mentes. Ele mexe com nossos pensamentos, nos faz duvidar de verdades e acreditar em mentiras. Nos faz questionar o que é real e o que não é.
Você pode não ter me batido.
Pode não ter me xingado.
Ou me traído.
Mas você me machucou. Você me enganou de outras formas inimagináveis. E eu nunca teria provas suficientes para mostrar o quanto você podia ser perigoso e mortal para uma garota, mas pelo menos agora eu sei que, no fim de tudo, o louco era você, não eu, Mason.
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