Nossas vidas em pequenas escalas - II
Emma e eu cochilamos nas cadeiras de espera, e pela manhã fomos despertados por uma enfermeira. Ela disse que já estavam transferido Juliet para um quarto. Ainda não era horário de visitas, mas poderíamos vê-la e um de nós poderia ficar com acompanhante depois.
Assim que chegamos no quarto vi uma das cenas mais lindas da minha vida, minha filha segurava sua pequena bebezinha nos braços, admirando com todo o amor do mundo aquele serzinho que ela trouxe ao mundo. Uma enfermeira a auxiliava com a bebê e Juliet ainda estava ligada ao aparelho de monitoramento cardíaco, estava pálida e com olheiras profundas embaixo dos olhos, mas parecia disposta e empolgada enquanto ouvia a enfermeira falar sobre as primeira horas da pequenina no berçário.
Fiquei um tempo ali, estagnado com a imagem e vi Emma cumprimentar a irmã com um beijo na testa e depois olhar pra neném com um sorriso encantado.
— Ela é tão pequena e calva, que sorte! Você não vai poder encher a cabeça dela de coisas. — ela provocou fazendo a irmã sorrir e balançar a cabeça. Me aproximei devagar, beijei a minha filha e olhei pro pacotinho rosado nos braços dela.
— Ela é tão perfeita — disse Juliet — Eu consegui pai. O médico disse que apesar de pequena, ela é muito saudável, ela tirou a nota máxima nos testes neonatais.
— Isso aí garota, nada de copiar o boletim da sua mãe — Emma falou pegando a mãozinha minúscula de Aurora e fazendo bater na dela. E Juliet revirou os olhos e se defendeu dizendo que mesmo estudando a distância, suas notas haviam melhorado no último semestre.
Me ofereci pra ficar de acompanhante, mas Emma praticamente me expulsou do hospital. Além de eu estar exausto, talvez fosse bom para as duas compartilhar aquele momento. Tirei algumas fotos pra exibir em casa e cuidei do registro da pequena Aurora. Conversei com o obstetra que me tranquilizou sobre o estado de Juliet e finalmente fui pra casa, onde dormi praticante o dia inteiro.
Quando Liv me despertou já passava das cinco da tarde e ela arrumava um monte de micro roupinhas em uma bolsa.
— Olha só fazem roupas de bebês em pequenas escalas, ou você comprou roupas de boneca? Espera, eu conheço esse aqui. —Falei pegando um unicórnio cor de rosa um pouco surrado —É o senhor Brideiro, onde você o encontrou? Era o brinquedo favorito da Juliet, perdemos ele há anos.
— Foi sua mãe que mandou essas coisas, devia estar com ela. Disse que a Juliet ia gostar de ver a filhinha não parecer um saco de batatas, porquê as roupas de recém nascido iam ficar enormes nela.
— Então você estava sequestrado na casa da bruxa má — falei olhando para a pelúcia.
— Juliet deve ter esquecido lá — falou Liv voltando a atenção para as roupinhas. — E a sua mãe está tentando ser mais agradável, você devia mudar a sua atitude com ela também. Afinal não vai ser bom prós bebês verem você chamar a bisavó de bruxa má.
— Com certeza o submisso do Brideiro foi sequestro, minha mãe sempre considerou objetos de apego infantis como sinais de fraqueza. Mas enfim a Juliet vai amar todas essas coisas — falei a abraçando por trás olhando para as peças em cima da cama. — a Juliet levou meses pra usar a primeira roupinha, era ainda menor que a Aurora. Foi tão difícil, estou tão aliviado pela bebê estar saudável, ser mãe de UTI não é fácil. E eu sei disso porque eu fui uma.
— Não seria pai de UTI? — Ela questionou.
— E onde você viu pai de UTI? Não que eles não se importem, muitos iam lá visitar, choravam horrores, mas quem ficava era a mãe. E eu tenho de admitir que se a Amber tivesse sido um pouco mais presente talvez eu não tivesse sido uma mãe de UTI. Não sei se é biológico ou social, mas somos seres bem escrotos.
— Ué, você como cidadão de bem, pai de família, não devia defender a masculinidade?
— Não defendo nem a mim mesmo, vou defender caras barbados que peidam o tempo todo e coçam o saco? — falei e ela riu se voltando pra mim e enroscando os braços no meu pescoço.
— Eu te amo. — Ela disse me aconchegando. — E eu estou muito feliz que o nosso filho vai ter um exemplo de homem em casa. Tirando a parte de peidar e coçar o saco, porque sinceramente Noah...
— Vai ser uma menina, mas não fique feliz não porque os puns da Emma eram de dar orgulho a qualquer pai.
Tomei um banho e vi uma mensagem da doutora Cooper. Disse que Juliet havia entrado em contato sobre o nascimento da bebê e ela queria saber quando poderia marcar para a coleta do exame. Não a respondi e segui para o hospital.
Quando cheguei ao quarto juliet dormia, Aurora provavelmente deveria estar no berçário e Miguel cochilava no sofá auxiliar.
— Ei acorda, cadê a Emma?
— Foi pra faculdade — disse que tinha umas coisas da resolver e que essa maternidade estava dando alergia. Você e a Liv estavam mortos, então eu não quis incomodar — Falou com um leve sorriso.
— É ontem foi um dia tenso e estamos grávidos, gravidez da sono, sabia? Como ela está? O médico passou aqui, falou alguma coisa?
— Primeiro, quem tá grávida é a Liv o fato da sua barriga tá crescendo se chama gordura visceral, tio — ele riu e eu respondi com uma careta de desprezo — E relaxa, ela tá bem. Alguma coisa tinha que dar certo na vida dessa garota né? Pelo que eu vi o médico falando, vão segurar ela aqui por mais uns dias, mas que estão ótimas ela e a bebê. Ah levaram a neném pra tomar um bronzeado, mas ela mamou e fez todas as coisas nojentas de bebê. Devíamos levar uma enfermeira dessas pra casa, acredite, eu vi trocarem ela e sai coisa demais daquela coisinha minúscula. —Ele falou e eu respirei aliviado . Olhei ao redor e vi um buquê enorme de flores dentro da lixeira e arqueei a sobrancelha. — São dos Callinham. — Miguel disse mudando o tom.
— Como eles souberam?
— Não sei, — ele deu os ombros — Mas eu acho que estão vigiando a gente e que devíamos mesmo começar a considerar assassinato. Se a gente organizar direitinho, ninguém vai preso. — Ele falou olhando para a lixeira e eu fui até lá e peguei o cartão.
"Parabéns pela nova vida que se inicia, com os cumprimentos da família Callinham" — li no cartão timbrado com o símbolo da empresa. Eu já desconfiava que Alfred estava nos vigiando, certamente devia ter um detetive particular vasculhando cada momento das nossas vidas para que pudesse usar contra nós no tribunal. A doutora Cooper foi bem clara quando disse que em casos assim, desmoralizar a imagem da vítima é uma das táticas mais eficazes da defesa.
— Isso é praticamente uma ameaça. Esse cara é um psicopata. — Falei em tom baixo guardando o cartão em minha carteira, talvez viesse a ser util. — Como ela ficou depois disso?
— Nervosa, ligou pra doutora Cooper —Miguel arqueou as sobrancelhas pensativo— disse que quer resolver isso, o mais rápido possível. Mas não sei se é bom pra ela lidar com tudo isso agora. Sei lá, embora a Aurora seja a coisinha mais fofa desse mundo, psicologicamente falando, eu não consigo imaginar o quão difícil isso vai ser, aprender a amá-la sabendo que aquele filho da puta é... Eu não vou chamar de pai, porquê isso ele nunca vai ser, mas você sabe... Ter que enfrentá-los no tribunal... principalmente pra alguém que cresceu sem esse laço com a mãe biológica.
— Acho que você está supervalorizando a biologia. E não, não acho que a Juliet em algum momento vá culpar a Aurora ou se frustrar com ela por conta disso, ela está muito bem resolvida nessa questão. Acho que muito melhor do que qualquer um de nós, mas sim, ela não devia ter de lidar com os Callinham num momento tão delicado. — falei olhando pra minha menina ainda adormecida e depois para a lixeira onde as flores teimam em sair para fora — Quer saber, eu vou dar um jeito nisso. — peguei as flores da lixeira e dei um beijo na testa de Juliet — Cuida dela, eu volto em uma ou duas horas.
— Tô sentindo o cheiro de confusão no ar tio.
— É o seu odor natural Miguel, não se preocupe, não vou fazer nada que me leve pra cadeia.
Dei uma passada no berçário e observei Aurora na encubadora por um tempo. Mesmo tão pequena, estava muito ativa, esticava as pernas e esfregava os braços pelo rosto coberto pelo protetor ocular. Sem dúvida seria tão guerreira quanto sua mãe e por mais que eu soubesse que não poderia lutar todas as batalhas por elas, era meu dever no mínimo tornar as coisas mais fáceis. Sai do hospital a passos largos e dirigi até a Callinham e associados.
Depois de um pequeno escândalo na recepção , Alfred decidiu me receber e eu subi os trinta andares do edifício com aquele buquê cor de rosa enorme mas mãos.
— Senhor Johnson, a que devo a honra. — ele disse naquele tom sarcástico e eu lancei as flores sobre a mesa de mármore branco.
— Eu vim dizer que chega, entendeu!? Não vamos tolerar mais nenhum tipo de ameaça ou represália, tá me entendendo?
— Eu sei que já tenho uma certa idade, mas imagino que mesmo agora nesses tempos modernos, um buquê de flores, não é exatamente uma ameaça.
— Olha aqui seu filho da puta, já chega dessa palhaçada. Se você ou um dos seus filhos voltarem a chegar perto da minha família de novo, eu te garanto que os Johnson também são muito bons em fazer da vida alheia um inferno — falei me curvando sobre a mesa, mas Alfred permanecia com a mesma expressão vazia.
— Ainda podemos resolver isso da melhor forma a todos, senhor Johnson e eu lhe garanto que nunca mais sua filha vai sequer ouvir o meu sobrenome por aí. Mas enquanto vocês continuarem com essas alegações ridículas na justiça eu continuarei defendendo a minha família.
— Você pode fazer o que quiser com a porra da sua família, eu só quero que pare de vigiar a minha, entendeu? Porquê embora eu não quisesse ir tão baixo, também tenho grana pra pagar um detetive e eu tenho certeza que a vida dos Callinham é muito mais interessante do que a de uma adolescente que graças ao psicopata do seu filho, nem sequer pode ter a vida normal de uma garota da idade dela.
— Se sua filha tivesse a decência de retirar essas alegações ridículas, nada disso estaria acontecendo. E tudo bem eu até posso assumir que Theodor tenha passado dos limites quando teve aquele surto na escola e expôs a sua filha. Mas assim como ela, ele também bebeu demais naquela festa, mal se lembra do que aconteceu, e talvez essa criança que nasceu realmente seja dele estamos dispostos a arcar com todas as responsabilidades. Mas uma acusação de estupro? Tem ideia de como isso está afetando a vida do meu filho, da minha família?
— Isso só pode ser brincadeira — eu ri sem humor — Você sabe, que eu não estou falando do Theodor. Foi o Eric, voces sabem disso, mesmo o pior pai do mundo saberia que criou um predador sexual em série! Um degenerado que não deve estar no meio das pessoas!
Ouvi a porta se abrir e meu nome ser chamado, quando me virei vi Theodor, com o cabelo despenteado, com uma cara de quem não dormia a dias.
— Senhor Johnson... o que está fazendo aqui?
— Vim devolver as flores que seu pai mandou pra minha filha.— falei sem rodeios e Theodor voltou-se ao pai.
— Mandou flores pra Juliet? — o garoto questionou surpreso. — O que está acontecendo?
— O senhor Johnson já está de saída — Disse Alfred que finalmente havia perdido aquela cara de dono do mundo.
— Bom, o recado está dado. — falei me afastando a porta, enquanto ouvia Theodor questionar o pai.
Desci ao estacionamento, ainda irritado. Não acho que a minha visita fosse melhorar as coisas, mas pelo menos tirei um pouco do que estava entalado na minha garganta. Por mais que a doutora Cooper tenha pedido pra manter distância e esperar, eu precisava pelo menos falar alguma coisa. Mas embora eu me sentisse um pouco mais aliviado, talvez não deveria ter revelado que já sabemos sobre o Eric. Por mais que parte de mim acreditasse que Alfred já sabia o que realmente havia acontecido, pela mudança no depoimento de Theo e também a pouca importância que ele deu ao fato de eu ter roubado o HD de segurança da sua casa, pela primeira vez pareceu realmente preocupado.
Ele sabia e sabia que tentar me acusar de qualquer coisa, poderia trazer a luz aquele HD, que mesmo que não pudesse ser usado como prova, esclarecia muito sobre aquele dia.
Respirei fundo e tentei me acalmar antes de ligar o motor do carro e quando finalmente me senti pronto para dirigir, batidas frenéticas ao vidro do carona chamaram minha atenção. O rosto de Theodor grudado a janela, enquanto dedilhava com pontas dos dedos, mexendo a boca visivelmente nervoso.
Abri a janela e o encarei por instantes enquanto ele parecia tomar fôlego e coragem para abrir a boca.
— O que foi agora?! — questionei de forma ríspida.
— Se... Senhor Jonhson... Eu... Eu... Só queria saber como a Juliet está? — ele perguntou gaguejante.
— Isso só pode ser brincadeira — falei voltando a fechar o vidro e ele segurou a janela.
—Por favor senhor Jonhson... Eu sei que ... Sei que fui um babaca com ela, mas eu realmente gosto ... Gostava da sua sua filha e, ela não me atende, não responde as minhas mensagens... Ela... Eu só quero conversar.
— Em que mundo você vive moleque? Ser um babaca é marcar um encontro e não ir, o que você e fez com a Juliet...— balancei a cabeça vendo a total falta de noção daquele garoto.
— Eu nunca quis machuca-la, — ele me interrompeu — Não era pra nada daquilo ter acontecido, eu não fazia ideia que alguma coisa tinha acontecido naquela festa eu... Na escola eu, eu só fiquei com raiva e muito ciúme, eu ....
— Olha aqui Theodor, nada justifica o que você fez com ela, mesmo que você não soubesse. E que não tenha sido você, agora você sabe e fica mentindo no tribunal, inventando histórias pra proteger um criminoso, enquanto a minha filha tem que lidar com uma situação a qual nem a família dela está preparada pra lidar. Então , pode parar com essa ceninha e solta o vidro do meu carro, antes que eu esqueça que tenho uma família pra cuidar e passe com ele por cima de você. — gritei.
— Eu não estou protegendo ninguém, eu ainda não entendo o que aconteceu eu só... Eu jamais machucaria a Juliet eu juro, mas eu... Ela estava tão nervosa eu só queria que ela relaxa-se. Eu já tinha bebido um pouco eu... Eu... Não estava pensando direito quando botei aquilo na bebida dela, eu mal lembro daquele dia — ele disse trêmulo — E depois que começaram a falar aquelas coisas na delegacia, eu fiquei apavorado, Eric disse que eu poderia ser preso por tentativa de assassinato... Que era melhor assumir o bebê e resolver isso, eu... Senhor Johnson eu não quero ir pra cadeia, eu não sei o que aconteceu, mas eu não machuquei a Juliet, mas sei que se aconteceu alguma coisa, a culpa foi todos minha e isso está acabando comigo. — Ele falou de modo afoito e descompassado, pode parecer loucura mas parecia estar sendo sincero dessa vez.
Ou aquilo seria mais um truque dos Callinham? — pensei.
Apesar do Theodor ser um tremendo idiota, ele parecia ser o único da família que não parecia ter tido Tedy bundy como babá.
— Entra aí — falei destravando a porta e ele exitou arregalando os olhos, certamente lembrando do horror que passou com Miguel — quer conversar não quer? Então entra aí.
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