Medidas mais que extremas
Ficamos um tempo parados na escada, abraçados um ao ao outro enquanto eu ouvia e sentia o choro recheado de soluços dela. Uma parte de mim queria gritar como ela havia sido tão irresponsável, manda -la pro quarto, pegar um bastão de beisebol, ir a casa daquele infeliz e fazer ele esquecer do próprio nome de tanta porrada. Mas a outra, só queria ficar ali, abraçando aquela garota chorosa eternamente, para que nenhum mal acontecesse a ela.
— A minha vida acabou pai... — Ela começou um relato dolorido sobre quando tomou coragem para contar sobre o teste. Segundo ela, Theodor primeiro disse que ela estava enganada, que era impossível, afinal, ele havia tomado todos os cuidados. Mas quando ela mostrou o teste foi como que o rapaz fosse tomado por uma fúria colossal, passou a gritar com ela e a dizer que se o teste era dela, só significava que ela estava transando com outro cara. E que suas tentativas de dissuadir o namorado desse pensamento, só serviram para deixa-ló ainda mais irritado. No fim na aula quando o procurou novamente para tentar conversar com mais calma, ele nem sequer lhe deu ouvidos e ao lado dos amigos zombaram dela latindo em sua direção, fazendo-a deixar a escola aos prantos. Relatou entre soluços e suspiros que tentavam inutilmente controlar as lágrimas, enquanto se aninhava em meu peito abraçando a minha cintura como fazia quando era pequena, dizendo que nunca mais voltaria a escola. Tentei processar algumas palavras de conforto, mas tudo que eu sentia era raiva.
O que o infeliz do Theodor estava pensando? Ele os amigos dele zombaram e latiram pra ela? Eu ia matar aquele desgraçado. — Era o que soava na minha mente.
—Hey, olha pra mim — Me afastei um pouco e segurei seu queixo, forcando-a levantar a cabeça. Tentando não deixar a raiva que eu estava sentindo transparecer — Me escuta, você vai voltar sim pra aquela escola, você não fez nada sozinha e vocês são dois são igualmente responsáveis por essa situação. Ele não tem direito de te humilhar, ninguém tem e não vamos aceitar isso, entendeu? Agora vai pro seu quarto eu preciso de uma ou vinte doses de uísque pra processar isso e você precisa descansar, tem muita coisa pra pensar — disse ainda sem ter ideia do que fazer, me desvinculando dela.
A vi ficar instante ainda parada na escada, esperando que eu fizesse ou dissesse mais alguma coisa, mas no momento eu não tinha mais nada pra dizer. Eu precisava de um tempo, precisava tentar dissipar a raiva que eu estava sentindo do Theo, porque definitivamente fazer o que a meu coração mandava, ia me mandar prisão quando Juliet mais precisava de mim. Respirei, algumas vezes, tomei uma dose de uísque e depois outra. Vi Liv me observar por um tempo e ao perceber que eu não estava a fim de conversa, se afastou me deixando sozinho.
Quanto mais eu pensava no assunto, no rosto choroso de Juliet, mais raiva eu sentia, a ponto de trincar o copo, tamanha a pressão dos meus dedos sobre o vidro. Larguei a garrafa ali e desci até a garagem onde dei uns socos e pontapés contra um velho saco de areia o qual eu prometi treinar e nunca cumpri . Deixei a minha raiva se dissipar em socos surdos contra o couro firme, até o suor escorrer pela testa e estar cansado demais pra continuar, ainda chutei algumas caixas de papelão antes de me dar por vencido e caí sentado sobre um caixote de madeira com o coração disparado. Minutos ou horas, não sei dizer, ouvi o ronco do motor da minha moto e o portão se abrir pra entrada de Miguel.
Ele havia pedido emprestado? Não lembro, mas no momento pouco me importava.
— Está tudo bem tio?— Ele questionou ao me ver e eu assenti com a cabeça. — Olha eu já ouvi falar que o casamento acaba com os homens, mas não pensei que era tão rápido, você precisa de alguma coisa? Água com açúcar, analgésicos, vodca, Gardenal? — Ele perguntou bem humorado, porém logo percebeu que eu não estava no clima pra piadas — Aconteceu alguma coisa?
— Aquele infeliz, aquele desgraçado, ele engravidou a minha filha e zombou dela e a humilhou por isso! O que um pai faz numa hora dessas? Eu mato aquele cretino? — Desabafei sem pensar e ele arregalou os olhos.
— Caramba... — disse tomando um semblante assustado — Como ela está? Eu sabia que tinha algo errado com ela, não estava sendo tão insuportável como de costume. — Ele disse puxando um caixote e se sentando ao meu lado. — Bom, não é tão ruim, ela podia estar com AIDS, ou grávida de um ex presidiário...
—Você ouviu o que eu disse? Ele humilhou ela , ele e os amigos latiram pra ela Miguel, pra minha garotinha. Ela está grávida, com o coração partido e se sentindo um lixo... Eu demorei demais pra afastar aquele garoto, eu sabia! Porra eu sabia! Mas não, eu quis bancar o politizado... Agora, ela é cardiopata e tá grávida de um idiota!
— Ele latiu pra ela? Ah eu vou acabar com aquele filho da puta! — Ele gritou fazendo seu rosto branco tomar um tom avermelhado em instantes — A gente tem que acabar com ele tio Noah, eu posso não gostar muito da Juliet, mas ela assim como você, meu pai e a Emma são a minha família, a única que tenho, e ele mexeu com a garota errada.
— Acha que não estou com vontade de fazer isso? Mas violência não vai resolver nada.
— Mas violência não é pra resolver é pra vingar mesmo e ensinar uma lição vamos ver se ele vai latir pra alguma garota sem nenhum dente na boca — o loiro falou correndo o olhar pelas ferramentas dispostas na parede e tomou um alicate de corte — Isso deve servir — Tirei da mãos dele e ele ficou olhando confuso.
—Você não vai fazer nada, eu vou resolver isso e nenhuma palavra disso com a Emma ou a Juliet entendeu? E eu não tô brincando Miguel, a Juliet precisa pensar, tomar decisões que vão decidir a vida dela, ela não precisa de um bando de gente criando confusão e gritando nos ouvidos dela, tomando atitudes impensadas e dizendo o que ela deve ou não fazer.
— Acha que ela vai ter esse bebe?
— Eu não sei.
— Mas quer que ela faça um aborto?
— Eu me odeio por isso, mas sim eu quero, eu não quero correr o risco de perde-la porquê ela decidiu gerar o filho de um mauricinho que se aproveitou dela e que vai rejeitar essa criança. Mas infelizmente eu não posso decidir por ela, ninguém pode, então, deixa ela em paz, não conta pra Emma e por favor, fica longe do Theo. Não precisamos de mais confusão nessa casa. — Falei irritado deixando-o sozinho.
Voltei pra dentro de casa e conversei um pouco com Liv, que se limitou e me escutar. Ela sabia que não se travava apenas de um bebê a caminho por conta de uma irresponsabilidade adolescente. A condição da Juliet certamente traria riscos pra gestação, pro bebê e principalmente pra ela e ainda havia o Theodor, que claramente não iria apoia-la. Não que financeiramente isso importasse, mas mesmo se tudo corresse bem na gravidez Juliet ainda seria mãe de uma criança cujo o pai era um grande filho da puta.
— Não adianta pensar nisso agora, a decisão é dela e quanto ao Theo, nossa tudo bem que ele sempre pareceu meio irresponsável, mas não esperava que a tratasse dessa forma. Ele parecia gostar dela de verdade.
— Eu devia ter afastado esse garoto, eu sabia que havia algo errado desde o começo e até a minha mãe me alertou que nada de bom poderia vir daquela família, mas não eu eu fui negligente e olha no que deu.
— Você não foi negligente, ela é sua filha e é normal namorar na idade dela, estava sendo um pai compreensivo. A culpa não é sua Noah, e nem dela. Já tivemos a idade dela e sabemos como é não ter a capacidade de reconhecer que estamos nos metendo em encrenca, simplismente não conseguimos ver com os olhos que temos hoje. Quer que eu converse com ela?
— Não, hoje não. Acho melhor esperar ela estar mais calma.
— Tem razão, eu vou preparar algo pro jantar. Ela acariciou meu rosto se afastando em direção a porta.
No jantar, não consegui engolir uma só colherada do risoto de camarão de Liv, apesar de insistirmos Juliet não desceu pra comer. Miguel pegou um prato e subiu pro quarto e Mika olhava desconfiada para nós dois, era impossível não estranhar o clima da casa naquela noite. E eu, passei a noite toda virando de um lado pro outro, pensando e pensando, sem chegar a conclusão alguma. Na manhã seguinte acordei cedo, preparei o café e tirei o lixo como sempre. Vi Liv sair apressada para levar Michaela pra escola e em seguida daria uma passada no estúdio pra ver como estava a agenda.
Fiquei um tempo na cozinha olhando pra caneca de café estriar sobre o mármore da bancada, esperando que Juliet descesse até cansar de esperar e subir ao quarto dela com uma tigela de cereal colorido.
— Filha... Dei duas batidinhas e entrei em seguida — Eu sei que deve ter passado a noite acordada, mas é hora de levantar. Precisa comer e... — estranhei a falta de reação dela a minha voz e larguei a tigela sobre o criado mudo, puxando um pouco a coberta. —Juliet? — Ela estava pálida com os lábios arroxeados e a pele quase fria. A puxei para cima a fazendo sentar recostada a cabeceira e dei leves batidinhas desesperadas em seu rosto. —Juliet filha, nao faz isso comigo, não faz isso — senti meu peito disparar e meu desespero crescer ao tomar o pulso dela e não sentir praticamente nada. Peguei rapidamente o celular e liguei pra emergência. Uma paramédica do outro lado da linha me deu instruções de primeiros socorros, manter a cabeça dela elevada e mantê-la aquecida até que o socorro chegasse. Minha casa propositadamente comprada próximo a um dos melhores hospitais da cidade, fez que o socorro chegasse em menos de cinco minutos e em questão de doze, Juliet já estava presa a maca descendo pelas escadas nas mãos de dois paramédicos, enquanto o terceiro, bombeava manualmente ar para seus pulmões a fim de elevar a saturação extremamente baixa.
As duas horas na espera, pareceu uma eternidade, não consegui sequer atender as inúmeras ligações da Liv, o que eu diria a ela? Seria apenas pra preocupá-la, eu precisava esperar e foi o que fiz, até que finalmente a voz do medico cortou o silencio tenebroso.
— Senhor Johnson.
— Como ela está?
— Ela está bem, estável, mas precisamos conversar, pode vir por aqui por favor? — Eu sabia que aquilo não era bom, porém segui o médico até o consultório, todo branco com placas de luz exibindo radiografias.
— O hospital já contatou o cardiologista da sua filha , deve chegar nas próximas horas. Mas ela está estável, ela vai ficar bem, no entanto nesses casos gosto de conversar com os pais pra entender melhor a situação — Ele disse e eu concordei com a cabeça — Bom senhor Johnson não tem maneira menos assustadora de dizer isso, mas a sua filha, tomou uma dose cavalar de Amiodarona, um dos remédios dela pra controlar a frequência cardíaca como o senhor já deve saber. Por sorte a medicação é controlada e ela não devia dispor de muitos comprimidos se ela tivesse mais alguns estaríamos tendo essa conversa no necrotério. — falou com um ar focado e pesaroso — Pelo histórico médico sei que ela toma essa medicação há muitos anos, então ela sabe muito bem o que uma superdose pode parar o coração dela, sendo asim creio que sua sua filha tentou suicído, senhor Johnson.
Fiquei um tempo parado ouvindo o médico, a palavra suicído retumbava na minha mente sem parar, minha menina que tanto lutou pela vida havia tentado se matar?
— Senhor Johnson? — o médico chamou a atenção vendo que eu devagava em mim mesmo — Não sei se o senhor tem conhecimento mas sua filha está gestante, a princípio o feto está bem, mas não há como saber se a medicação não pode trazer sequelas futuras. E como recomendação médica, sei que as leis do Canadá permitem a interrupção da gravidez em qualquer estágio, mas quanto mais ela esperar, mais arriscado, doloroso e traumatico será para ela.
— Eu sei doutor, eu soube ontem ainda não conversamos sobre isso, foi tudo muito intenso.
— Entendo, é uma situação muito delicada. Independente da escolha dela é algo que muda completamente a vida de uma mulher. Bom ela ainda está desacordada, mas se quiser ficar com ela, já está no quarto.O cardiologista dela vai conversar com você quando chegar e quando ela acordar a assistente social e também psicóloga vai fazer uma consulta com ela, espero que ajude, também tenho uma filha adolescente, imagino que a situação é assutadora, mas boa sorte — ele disse com um sorriso amarelo que eu sabia bem o que fora dos termos medicos siguinificava.
É cara, você tá fodido.
Segui para o quarto indicado pela assistente, Juliet dormia já corada com eletrodos de monitoramento e remédios adentrando suas veias por um acesso. Fazia muito tempo que não a via assim, e por um tempo pensei que tudo havia passado, que minha pequenina, teria uma vida normal. Sentei ao lado dela e pousei a minha mão sobre a dela.
— Vai ficar tudo bem — sussurrei beijando sua testa.
Depois de um tempo, finalmente conferi o celular, além de ligações havia mensagens da Liv e entre muitas "Onde você se meteu?" havia uma que me fez respirar profundamente.
"Amor, estou indo pra delegacia, Miguel se meteu em problemas"
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